The Last of Us – 2×05 | Dois lados da mesma moeda

Cobrindo os eventos do segundo dia de Seattle, Sinta o Amor Dela revela os primeiros sinais da obsessão vingativa de Ellie

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“Se algum dia eu te perdesse, eu certamente perderia a mim mesmo”. Pela primeira vez em The Last of Us da HBO, o icônico verso de Future Days, da banda Pearl Jam, é proferido pela voz tímida e quase inaudível de Ellie (Bella Ramsey) que, na verdade, sequer consegue completá-lo. Os acordes suaves do violão ecoam pelo teatro vazio e entendemos que essa não é só uma canção. É o símbolo de uma conexão reconfortante, mas interrompida e inalcançável. Dentro do coração de Ellie, só há espaço para um sentimento agora. Seu olhar aterrador toma conta e, ali, ela já havia tomado a decisão mais importante desta temporada.

Sinta o Amor Dela, quinto episódio da 2ª fase de The Last of Us, regressa ao núcleo de Ellie e Dina (Isabela Merced) em um lugar de cumplicidade e convicção. Não há mais barreiras entre as duas. Pragmaticamente, cada uma sabe no que é melhor e canaliza suas energias nisso — Dina o cérebro, Ellie o punho. Emocionalmente, qualquer incerteza que poderia haver nessa relação foi sumariamente demolida no último capítulo através de beijos, declarações de amor e um pouquinho mais. É essa dinâmica que traz os últimos vislumbres de respiro e leveza para a narrativa, que aqui passa a favorecer a faceta tumultuosa e caótica delas.

As tomadas do teatro foram gravadas no Orpheum Theatre, em Vancouver; ainda assim, as semelhanças com o mesmo local do jogo são impressionantes (Foto: Liane Hentscher/HBO)

Em seu segundo dia em Seattle, o casal finalmente tem um objetivo traçado. Na mesma manhã, elas observaram explosões à distância e escutaram o nome de Nora (Tati Gabrielle) no walkie-talkie, a mesma que imobilizou Ellie no chalé. Dina triangula um trajeto para o hospital de Lakehill e os Lobos não param de tagarelar pelas frequências do rádio, expondo levianamente suas movimentações. A conclusão parece óbvia: os Cicatrizes — como os conhecem até então — não usam tecnologia, deixando a comunicação livre para a WLF. Uma vantagem, a princípio, porém existem muito mais segredos que essa guerra esconde.

Caminhando pelas ruas desertas, a dupla encontra uma pilha de corpos de Serafitas, provavelmente enfileirados e fuzilados pela WLF. Na parede, um belo grafite da Profetisa rasurado por um pixo agressivo: “Sinta isso, vadia”. Assim como os corpos de Lobos pendurados pela estação de TV, uma mensagem. Estes são grupos que se comunicam pela violência, carimbando a cidade com pequenas e grandes carnificinas. O instinto da Ellie é de culpa, incentivando imediatamente sua amada a retornar ao teatro, onde estará protegida.

Mas a reação de Dina é outra. Essa imagem de destruição engatilha algo dentro de si e seu semblante fecha. Para além da proximidade que tinha com o Joel e da lealdade por Ellie, Dina revela que sua presença nesta viagem guarda motivações ainda mais íntimas. Descobrimos que, nesta versão da história, a personagem é órfã desde os oito anos, após um saqueador invadir a cabana em que morava com a mãe e irmã. Essa foi a primeira pessoa que ela matou, tão assustada quanto o próprio agressor. A vingança é, portanto, um sentimento que ela conhece de perto. Contudo, a urgência da gravidez a obrigará, assim como Ellie, a escolher um lado. E o destino baterá à porta antes mesmo do que imagina.

No material original, a história de Dina é bem diferente; sua família nunca é mostrada, mas há menções a sua irmã mais velha que dão a entender que elas cresceram juntas (Foto: Liane Hentscher/HBO)

A noite cobre o céu de Seattle e, para cortar as tropas da WLF, Ellie e Dina precisam passar por dentro de um armazém. Se o local não é tocado pela guerrilha, com certeza está ocupado por infectados. Quando chegam, silêncio. Talvez tenham alguns retardatários e estaladores, nada que não tenham lidado antes. No entanto, assim que adentram o salão aberto, elas se veem cercadas por um ninho de espreitadores. Se apenas um deles foi capaz de vencer Ellie, que é imune, o que um bando não poderia fazer?

Instantaneamente, Ellie encarna a postura de sua figura paterna. Espelhando o quarto episódio da 1ª temporada, em que Joel mandou ela se esconder dentro de um buraco na parede enquanto lidava com uma emboscada, Ellie orienta Dina a se trancar atrás de uma grade e se expõe para os infectados. Mas, bem como seu antigo tutor cinco anos antes, ela falha, sendo rendida e incapacitada pelos espreitadores. Se não fosse por Jesse (Young Mazino), que intervém e as salva, teria sido o fim. Aqui, a protagonista se vê não só conectada ao impulso protetor de Joel, mas também à experiência de frustração tão comum ao personagem na série.

Jesse partiu de Jackson na surdina junto com Tommy, mas se separou dele para procurar Ellie e Dina assim que chegaram a Seattle (Foto: Liane Hentscher/HBO)

Mal temos tempo de respirar e o trio já escapa do fogo cruzado da WLF em direção ao matagal alto de um parque. Os Lobos se aproximam brevemente, mas se recusam a entrar. Por causa de infectados? Talvez, mas o grupo não tem outra opção senão avançar. Jesse, fortemente armado, assume o papel de irmão mais velho, guiando as duas enquanto responde às indagações de Ellie com rispidez. Craig Mazin, roteirista do episódio, planta uma semente aqui. É evidente que ele não só percebeu a estranha proximidade entre ela e Dina, como também se aborreceu por isso. Podemos esperar que os frutos desse triângulo amoroso voltem a germinar, em forma de tensão, no futuro.

Não demora para nossos personagens se darem conta que acabaram de entrar em território de Serafitas. Pela primeira vez na série, vemos o grupo religioso em ação, enforcando e dilacerando um lobo capturado. Se até então os víamos predominantemente em uma posição de vítimas, agora recebemos uma amostra limpa do quão brutais eles também podem ser. Neste mundo, não há outra resposta para a violência se não ela mesma. Os Cicatrizes revidam, e revidam sem piedade.

“Agora ele está livre” (Foto: Liane Hentscher/HBO)

Contraditoriamente, é quando o confronto eclode que Sinta o Amor Dela perde força. Ao passo que a direção de Stephen Williams (Lost, Watchmen) é cuidadosa e sublime nas cenas de drama, ela tropeça tragicamente nos momentos de conflito. As transições entre cada locação são bruscas e apressadas, o que reflete-se na duração de 45 minutos do episódio — o menor até então. A ação é protocolar e pouco dinâmica, falhando em traduzir o estado de alerta e urgência do trio. O impacto físico da flechada que Dina sofre na perna é quase imperceptível, e antes mesmo de digerirmos o que acabou de acontecer, Ellie dá de cara com a entrada do hospital em que Nora se abriga.

Voltar ao teatro para cuidar de sua parceira ou progredir na trilha de vingança, mais perto do que nunca do remate? A escolha já tinha sido feita, mas presenciamos em primeira mão Ellie priorizar sua travessia egoísta em detrimento do bem-estar de quem ama. De certa maneira, uma antítese da cena que abre o episódio, em que uma comandante da WLF sacrifica seu próprio filho para proteger o resto do hospital dos esporos no subsolo. Ou mesmo uma simetria com a grande decisão de Joel (Pedro Pascal) de impedir uma cura para que Ellie pudesse viver. O dilema do bonde assume múltiplas formas, mas que somente são perceptíveis para nós como público. Afinal, um círculo é uma linha reta para os que estão dentro de seu arco.

Tati Gabrielle, intérprete de Nora, também dará vida para a protagonista de Intergalactic: The Heretic Prophet, próximo lançamento da Naughty Dog (Foto: Liane Hentscher/HBO)

Quando finalmente encontra Nora, não há mais volta. A obsessão de Ellie cresce, mas a soldada luta por sua vida — ou pelas informações que esconde — com tudo o que tem, sendo capaz de reabrir a entrada para os andares inferiores e, assinando seu atestado de óbito, expor todo o prédio aos esporos que alojam-se ali. O que Nora não poderia prever é que acaba de se trancar no único lugar em que Ellie — nossa rainha dos fungos — tem plena vantagem sobre ela.

Logo que percebe que está de frente para a famigerada garota imune, Nora tenta apelar para o seu emocional. “Você não sabe o que ele fez?”, é a única coisa que consegue imaginar. Em sua perspectiva, sabendo das atitudes imperdoáveis de um homem, ninguém iria tão longe para vingar sua morte. Entretanto, é nesse instante que descobrimos que Ellie estava ciente do massacre de Joel aos Vagalumes esse tempo todo. E ela não liga.

Imbuída por ódio, Ellie olha para um cano de metal ao seu lado, e um pequeno trecho do tema All Gone, do compositor Gustavo Santaolalla, toca ao fundo. Um eco não do que foi, mas do que poderia ter sido e que foi arrancado de si. Assim que ela segura o objeto, a mansa melodia é substituída por uma trilha pesada, que cresce conforme se aproxima de uma Nora já debilitada, convulsionando no chão. Nada disso estremece seu porte ameaçador e tirânico. Ela apenas sairá dali quando escutar, da boca de sua vítima, o paradeiro de Abby (Kaitlyn Dever).

Introduzidos pela primeira vez na série, os esporos funcionam de forma diferente dos jogos; aqui, eles incapacitam o hospedeiro, mantendo-o vivo e colocando-o em um ciclo vicioso de inspirar ar e expirar mais esporos (Foto: Liane Hentscher/HBO)

Ao dar o primeiro golpe, a expressão que Bella Ramsey dá à personagem não deixa dúvidas. Não é só raiva. É um misto caótico de surpresa e prazer. Depois de tanto sentir impotência, Ellie enfim se vê no controle da situação. Ela é a figura dominante, a predadora. E após conceber que pode alcançar essa sensação de poder através da violência, ela não vai mais parar de buscá-la. Fitando Nora de cima a baixo, acertando ferozmente sua perna, a câmera observa Ellie como uma vilã. Curiosamente, uma rima iniludível com a postura de Abby ao subjugar seu mentor alguns episódios atrás. De agora em diante, não há mais distinção entre as duas. O ódio é um só.

Em um corte seco, somos transportados de volta para Jackson, contrastando a intensa luz vermelha do hospital com o caloroso brilho do sol, que atravessa a janela do quarto de Ellie e ilumina seu rosto adormecido. Quem a acorda é Joel, abrindo levemente a porta com um terno sorriso. Ao fim, ela conseguiu arrancar o que queria de Nora? Como Dina irá se recuperar da flechada? Qual é o paradeiro de Tommy (Gabriel Luna)? Com tantas perguntas do presente e do futuro para responder, The Last of Us se volta para o passado. Essa ainda é uma história sobre Joel e Ellie. E, cedo ou tarde, cada uma de suas verdades virá à tona.

Ellie repete o nome de Abby como um mantra macabro (Foto: Liane Hentscher/HBO)

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