Para alegrar as caras azedas com os rumos tomados por sua pérola britânica transformada em conteúdo para o algoritmo da Netflix, o criador Charlie Brooker resolveu estudar o que melhor deu certo no passado e replicar nos seis capítulos inéditos de Black Mirror. Para o inferno com as narrativas estranhas, e para cima das tramas com dispositivos materiais e físicos.
Quer mais da veia satírica e cômica de Mazey Day? Vai ficar querendo, porque agora Black Mirror quer replicar os grandes sucessos de outrora. Common People ecoa os mecanismos usados em episódios que versam sobre o amor (The Entire History of You), enquanto Bête Noire joga tudo nas costas de um pingente com poder de pular entre realidades.

As escolhas são sóbrias e apenas denotam o caráter defensivo que Brooker e seu time adotou depois de sucessivas críticas e a falsa nostalgia que os tempos de Channel 4 trouxeram para a série. Fato é que aquele clima nunca será recuperado ou reabsorvido. Viver com isso é o maior desafio desses roteiristas e diretores.
Até sequência eles colocam no bolo, com o estiloso e colorido USS Callister voltando em cena no sexto e último capítulo da sétima temporada, Into Infinity. Antes disso, David Slade busca as batidas de Bandersnatch e desenvolve uma versão aquém em Plaything, e um caso de amor sáfico tenta porque tenta sugar a aura de San Junipero, mas infelizmente só entrega o bem intencionado, embora mal lapidado, Hotel Reverie.

Das novas aventuras, a melhor é uma de pequena escala. Em Eulogy, um ermitão a quem Paul Giamatti garante doses de solidariedade e rancor, é atravessado pela notícia da morte de um antigo amor. Entrando em fotografias da época do namoro, ele relembra os fatos, os sentimentos e o ultimato que o amargou por décadas.
Exemplo cabal do “menos é mais”, sem muitas firulas ou teorias da conspiração, a direção do duo Chris Barrett e Luke Taylor, em sua maioria versado no trabalho em videoclipes, confere honestidade e perspicácia na construção de uma memória em frangalhos. É tudo muito direto e verborrágico, como Black Mirror acostumou-se a se comportar, mas o golpe é eficiente e certeiro.

Rashida Jones aparece frente às câmeras depois de escrever o longínquo e superestimado Nosedive, e interpreta uma mulher acometida pela pior das circunstâncias. Seu marido, papel de Chris O’Dowd, assina um serviço que ganha novos planos e dificulta a vida diária do casal, afundado em contas e desiludido quanto ao mundo. Com requintes de masoquismo, críticas ao sistema de lucro que a internet tornou banal e até uma pequena meta referência cafona às muitas atualizações da própria Netflix, o drama se esvai sem concretizar sua matriz em qualquer um dos pontos.
Na estética clean das empresas de portas de vidro e amplas salas de criação, Bête Noire concentra metade de perspicácia e metade de insatisfação. A inquietante presença de Verity (Rosy McEwen, de Blue Jean) torna a rotina da talentosa e realizada Maria (Siena Kelly) numa nova manifestação do inferno. Quando fatos imateriais transformam-se em fumaça, a mulher desconfia e questiona a antiga colega de escola. A assinatura do diretor Toby Haynes, de Demon 79 e Into Infinity, começa a entender o nó de inveja e imaginação que a história demanda, mas os créditos sobem antes do êxtase.

Haynes retorna no episódio 6, tentado pelo mundo inspirado em Star Trek que rendeu um dos vários Emmys de Black Mirror. Com a morte do chefe, Nanette (Cristin Milioti) é a nova capitã da nave, e luta ao lado dos clones que sobraram. Em instinto de sobrevivência, Into Infinity continua visualmente complexo e com aquela cara de ficção científica de segunda que entretém, independente de sua origem.
Na marca dos 90 minutos, uma trama cinematográfica se desenvolve, esticando as complexidades características de Milioti e Jimmi Simpson, interpretando duplicadas de seus personagens, com a ajuda do assustador nerd que Jesse Plemons dá vida com tom de voz monótono e uma selvageria invisível. A mitologia expande-se em demasia, alimentando quem procura mais do mesmo. É a mímica perfeita do que a série abraçou como mantra: uma porção de referências e menções microscópicas, nadando em direção às ondas seguras e conhecidas.
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