7ª temporada de Black Mirror é materialista e aposta baixo

Com sequências e expansão da mitologia, série da Netflix opta pelo trajeto seguro

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Para alegrar as caras azedas com os rumos tomados por sua pérola britânica transformada em conteúdo para o algoritmo da Netflix, o criador Charlie Brooker resolveu estudar o que melhor deu certo no passado e replicar nos seis capítulos inéditos de Black Mirror. Para o inferno com as narrativas estranhas, e para cima das tramas com dispositivos materiais e físicos.

Quer mais da veia satírica e cômica de Mazey Day? Vai ficar querendo, porque agora Black Mirror quer replicar os grandes sucessos de outrora. Common People ecoa os mecanismos usados em episódios que versam sobre o amor (The Entire History of You), enquanto Bête Noire joga tudo nas costas de um pingente com poder de pular entre realidades.

Em nova opção de tratamento paliativo cruel, episódio 1 conta com Tracee Ellis Ross no papel da vendedora do produto maldito (Foto: Netflix)

As escolhas são sóbrias e apenas denotam o caráter defensivo que Brooker e seu time adotou depois de sucessivas críticas e a falsa nostalgia que os tempos de Channel 4 trouxeram para a série. Fato é que aquele clima nunca será recuperado ou reabsorvido. Viver com isso é o maior desafio desses roteiristas e diretores.

Até sequência eles colocam no bolo, com o estiloso e colorido USS Callister voltando em cena no sexto e último capítulo da sétima temporada, Into Infinity. Antes disso, David Slade busca as batidas de Bandersnatch e desenvolve uma versão aquém em Plaything, e um caso de amor sáfico tenta porque tenta sugar a aura de San Junipero, mas infelizmente só entrega o bem intencionado, embora mal lapidado, Hotel Reverie.

A diretora Haolu Wang convoca Issa Rae, Emma Corrin, Awkwafina e Harriet Walter para uma discussão sobre a legitimidade da Inteligência Artificial e a sede do público por produtos reciclados (Foto: Netflix)

Das novas aventuras, a melhor é uma de pequena escala. Em Eulogy, um ermitão a quem Paul Giamatti garante doses de solidariedade e rancor, é atravessado pela notícia da morte de um antigo amor. Entrando em fotografias da época do namoro, ele relembra os fatos, os sentimentos e o ultimato que o amargou por décadas.

Exemplo cabal do “menos é mais”, sem muitas firulas ou teorias da conspiração, a direção do duo Chris Barrett e Luke Taylor, em sua maioria versado no trabalho em videoclipes, confere honestidade e perspicácia na construção de uma memória em frangalhos. É tudo muito direto e verborrágico, como Black Mirror acostumou-se a se comportar, mas o golpe é eficiente e certeiro.

Giamatti e a jovem Patsy Ferran, de O Jogo da Rainha e Mickey 17, trafegam pelas memórias familiares em Eulogy (Foto: Netflix)

Rashida Jones aparece frente às câmeras depois de escrever o longínquo e superestimado Nosedive, e interpreta uma mulher acometida pela pior das circunstâncias. Seu marido, papel de Chris O’Dowd, assina um serviço que ganha novos planos e dificulta a vida diária do casal, afundado em contas e desiludido quanto ao mundo. Com requintes de masoquismo, críticas ao sistema de lucro que a internet tornou banal e até uma pequena meta referência cafona às muitas atualizações da própria Netflix, o drama se esvai sem concretizar sua matriz em qualquer um dos pontos.

Na estética clean das empresas de portas de vidro e amplas salas de criação, Bête Noire concentra metade de perspicácia e metade de insatisfação. A inquietante presença de Verity (Rosy McEwen, de Blue Jean) torna a rotina da talentosa e realizada Maria (Siena Kelly) numa nova manifestação do inferno. Quando fatos imateriais transformam-se em fumaça, a mulher desconfia e questiona a antiga colega de escola. A assinatura do diretor Toby Haynes, de Demon 79 e Into Infinity, começa a entender o nó de inveja e imaginação que a história demanda, mas os créditos sobem antes do êxtase. 

Com o retorno de grande parte do elenco original, com uma imperdoável omissão, USS Callister: Into Infinity fecha a temporada com o golpe da nostalgia (Foto: Netflix)

Haynes retorna no episódio 6, tentado pelo mundo inspirado em Star Trek que rendeu um dos vários Emmys de Black Mirror. Com a morte do chefe, Nanette (Cristin Milioti) é a nova capitã da nave, e luta ao lado dos clones que sobraram. Em instinto de sobrevivência, Into Infinity continua visualmente complexo e com aquela cara de ficção científica de segunda que entretém, independente de sua origem.

Na marca dos 90 minutos, uma trama cinematográfica se desenvolve, esticando as complexidades características de Milioti e Jimmi Simpson, interpretando duplicadas de seus personagens, com a ajuda do assustador nerd que Jesse Plemons dá vida com tom de voz monótono e uma selvageria invisível. A mitologia expande-se em demasia, alimentando quem procura mais do mesmo. É a mímica perfeita do que a série abraçou como mantra: uma porção de referências e menções microscópicas, nadando em direção às ondas seguras e conhecidas. 

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