The Last of Us – 2×02 | O preço é pago

O novo episódio da adaptação da HBO conta um dos momentos mais traumáticos dos jogos

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Cena da segunda temporada de The Last of Us. Abby (Kaitlyn Dever) se abaixa para conversar com Joel (Pedro Pascal). Abby é uma mulher jovem, loira, com o cabelo amarrado em uma trança. Joel é um homem latino, de idade avançado, com cabelo escuro e grisalho. Abby usa uma camiseta cinza clara e calças bege. Joel usa uma camisa escura. Os dois estão em uma sala abandonada, em frente à janelas abertas, com alguns móveis caídos ao fundo, com um abajur branco entre eles. Nas janelas ao fundo, vemos algumas árvores cobertas de neve.

Toda escolha tem seu preço. A tagline que vem sendo usada no marketing da segunda temporada de The Last of Us faz referência, é claro, às escolhas de Joel (Pedro Pascal) ao final da jornada anterior, quando o personagem decidiu que a vida de Ellie (Bella Ramsey) era mais importante do que a possibilidade de uma cura para a praga fúngica que condenou a humanidade. Em Através do Vale, segundo episódio do novo ano da série, vemos o custo derradeiro dessa escolha, primeiro em Abby (Kaitlyn Dever), e depois na horda maciça de infectados que ameaça a comunidade de Jackson.

Escrito pelo criador da série, Craig Mazin, e dirigido por Mark Mylod (Succession, O Menu), o episódio adapta o começo de The Last of Us Parte II, fazendo uso do tempo extra que passamos com os personagens no capítulo anterior para fazer algumas mudanças oportunas para o formato seriado. Começando na manhã seguinte, com os amigos de Abby encarando na frente de si a difícil tarefa de infiltrar Jackson para achar seu alvo, a série começa a mostrar as fraturas na fundação do grupo. Apesar de serem guiados pelo propósito férreo da líder, fica claro que muitos deles não querem estar ali, e estão dispostos a voltar para casa sem a vingança prometida. Nesses momentos, a performance de Dever engrandece a personagem, cuja dor é tão evidente hoje quanto era há 5 anos. Ela ergue a voz não com fúria, mas com uma frieza tão letal quanto a nevasca que assola a paisagem.

Cena da segunda temporada de The Last of Us. Tommy (Gabriel Luna) ergue uma pistola no meio da rua, olhando para frente enquanto cidadãos armados nas bancadas miram para o mesmo lado. Tommy é um homem latino de cabelos e bigode negros, usando um casaco vermelho xadrez e carregando um tanque de combustível vermelho nas costas. Atrás dele vemos uma casa azul com uma varanda branca, onde os outros cidadãos estão fora de foco. É dia e a rua está completamente coberta de neve. Atrás deles, vemos uma grande floresta coberta por névoa.
Tomando a dianteira, Tommy protege Jackson e sua família com tudo que tem (Foto: Liane Hentscher/HBO)

A neve ameaça enterrar tudo. Em Jackson, a descoberta de uma colônia de infectados dormentes sob o gelo colocou os sobreviventes em estado de emergência, testando todas as defesas meticulosas que a comunidade vinha preparando para tal eventualidade. Há um plano em efeito, e tanto Tommy (Gabriel Luna) quanto Maria (Rutina Wesley) precisam engolir seus medos e colocar a si mesmos na linha de frente. A direção operática de Mylod consegue colocar pavor no coração de qualquer um, injetando uma dose de tensão antes de qualquer infectado sequer aparecer e nos fazendo questionar que personagens estão realmente protegidos pela armadura do enredo. Trama completamente fabricada para a adaptação, é um cenário que não nos distrai do perigo iminente que cerca Joel ou da sua relação fraturada com Ellie, mas dá dinamismo ao episódio que, sem isso, seria apenas uma rearticulação das mesmas cenas vistas no jogo.

The Last of Us ainda se encontra no mesmo cabo de guerra entre fidelidade e inovação, com algumas cenas sendo recriadas com mínimas alterações pelo simples fato de que não há quase nada que exija mudanças radicais. A verdadeira provação do roteiro tem sido a de reordenar os acontecimentos da narrativa de um jeito que faça sentido para um formato seriado, e até agora todas as escolhas feitas parecem estar surtindo o efeito desejado. Ao nos apresentar a relação entre Ellie e Dina (Isabela Merced) no episódio anterior, a série toma a liberdade de deixar Ellie passar algum tempo ao lado de Jesse (Young Mazino), dando espaço para que a amizade entre os dois seja estabelecida fora do vínculo que ambos possuem com Dina, que na série foi patrulhar com Joel no lugar de Tommy. Apesar de parecer que Mazin está mexendo peças insignificantes no tabuleiro, a aposta é que a soma dessas escolhas será totalizada no futuro, contanto que haja tempo para que elas sejam sentidas por inteiro. Mal vemos as interações de Joel e Dina nesse episódio, dando indícios de que talvez os dois tenham tido diálogos que serão explorados no futuro.

Cena da segunda temporada de The Last of Us. Infectados avançam contra a cidade de Jackson. Há dois infectados, com o rosto coberto por fungos, ao lado de um maior, com o corpo inteiramente tomado por micélios e poros, sua cabeça partida ao meio e seus dentes arreganhados. Eles correm pelas ruas nevadas de Jackson conforme mais flocos de neve rodopiam ao seu redor.
Os infectados passam a usar os mortos para insular seus ninhos e sobreviver ao inverno (Foto: HBO)

Em Jackson, os defensores conseguem segurar a horda até certo ponto. Com o Cordyceps ficando mais inteligente, vemos um nível de coordenação maior entre os infectados, que se reúnem ao redor de um Baiacu grande o suficiente para quebrar as defesas. Ver uma batalha contra zumbis na neve na HBO nos remete à alguns dos melhores (e talvez piores) momentos de Game of Thrones, e a comparação aqui é apta. Talvez o maior episódio da série até o momento em questão de escala, Através do Vale é um épico soturno sobre o custo da sobrevivência e a inevitabilidade da violência. De certo modo, a onda de monstros que cobre a cidade é tão culpa de Joel quanto a vinda de Abby, num paralelo elusivo que parece se esquivar de vista toda vez que olhamos para ele. É uma pena a Gail de Catherine O’Hara não aparecer de novo aqui, ela com certeza teria muito a dizer sobre as mentiras do nosso contrabandista pai de menina favorito.

Afinal, o quanto vale a sobrevivência nesse mundo tão quebrado? No final da temporada anterior, Marlene (Merle Dandridge) tenta convencer Joel de que, mesmo que salve Ellie naquele momento, ela provavelmente vai morrer de forma muito pior ou sofrer muito mais no futuro: não há salvação enquanto não consertarmos o mundo. Joel, é claro, não lhe dá ouvidos, e agora vemos a concretização desse aviso. Apesar de suas ressalvas quanto ao abrigo de refugiados, Joel arrisca sua vida para salvar Abby do bando de infectados que logo se juntaria para atacar Jackson, confiando nela quando esta diz que seus amigos agrupados no chalé montanha acima têm armas e suprimentos para ajudar na defesa da cidade. Ele chega pertíssimo de cavalgar até lá por conta própria, sem dúvidas apenas pensando em como proteger sua família, mas Marlene estava certa. Não havia como protegê-los do que estaria por vir. Os dados haviam sido rolados muito antes, seu resultado escrito em sangue.

Cena da segunda temporada de The Last of Us. Abby (Kaitlyn Dever) é colocada contra a parede quando um grupo de infectados começa a puxar a grade na sua frente. Abby é uma mulher caucasiana, usando um casaco preto e calças beges. Seu cabelo está protegido por uma touca escura e podemos ver um coldre escuro na sua perna direita. Ela se afasta para a esquerda, tentando evitar as mãos dos infectados enquanto caminha para frente, se agarrando à uma parede vermelha com detalhes brancos. Atrás dela, vemos uma construção de cimento impedindo a passagem dos infectados.
Contendo o maior número de infectados que vimos na série até agora, o segundo episódio representa a batalha definitiva por sobrevivência nesse mundo hostil (Foto: Liane Hentscher/HBO)

Quando o momento de confronto chega, não há para onde correr. Não há mais mentiras para contar, desculpas para dar ou negociações para fazer. Há apenas a antecipação para o ato. Para aqueles que acompanharam apenas a série e conseguiram milagrosamente se esquivar de spoilers até agora, parece um segundo Casamento Vermelho, fazendo os espectadores se questionarem se o que estão vendo é realmente real. Não é apenas a morte de um personagem querido, decretada desde a primeira cena da temporada, é a brutalidade com que ele é executado, uma brutalidade que faz até mesmo os companheiros de Abby se afastarem em repulsa. Ficamos a cena toda ansiando para que alguém interfira, para que Dina acorde de seu sono induzido ou que Jesse e Ellie cheguem cavalgando para o resgate. Bem, ela chega, pelo menos.

Uma Ellie apreensiva entra no chalé, temendo o que irá encontrar. Tanto Joel quanto Dina estão em perigo, e ela nunca esteve tão alerta quanto agora. É um cenário perigosamente abandonado, coberto por plástico de renovações e inabitado. Há um berço descoberto em um dos quartos, solitário e vazio. Em meio aos passos cuidadosos de Ellie, os socos de Abby contra o crânio de Joel. Quando ela abre a porta, mal há tempo de reagir antes de ser jogada no chão e perder sua arma e, com ela, a chance de salvar Joel. Ellie não recebe a mesma graça de Dina ao estar desacordada, presenciando os próximos momentos sem desviar seus olhos da cara ensanguentada e inchada de seu antigo protetor. Se no jogo a cena se passava em um porão escuro, no que parece ser o poço mais fundo do inferno, na série ela se dá à vista de todos, com as motivações de Abby completamente à mostra e com Jackson queimando na distância.

Esse é o momento. E não há nada mais a ser feito, não há osso que falte ser quebrado, porque o maior golpe que Abby dá não é contra o assassino de seu pai, mas sim Ellie. A dor em seu rosto contrasta terrivelmente com a inexpressividade de Joel, que ainda tenta se levantar por ela. Ellie implora para que o que está prestes a acontecer não aconteça, mas sua súplica gritante não atravessa a parede implacável do luto de Abby. Na série, o golpe final é cortante, quase silencioso, mas engole todo o resto, e somos deixados com uma Ellie jurando vingança contra todos ali presentes. Em outra diferença brutal com o jogo, ela permanece acordada, se arrastando para o corpo do homem que havia sido seu pai e abraçando-o uma última vez. O episódio então mostra os resultados das duas grandes batalhas travadas na última hora, uma vitória com um custo alto e uma derrota com um custo maior ainda. Porque toda escolha tem seu preço. Não há como escapar dessa verdade.

Cena da segunda temporada de The Last of Us. Ellie (Bella Ramsey) se abraça ao cadáver de Joel (Pedro Pascal) no chão do chalé em que ele morreu. Ellie coloca seu braço sobre o pescoço de Joel e engancha sua perna direita acima dele. Os dois ocupam a porção inferior direita da tela. No resto da sala, vemos alguns móveis derrubados no canto esquerdo e um taco de golfe partido entre eles e Ellie. Ao lado dos móveis, uma árvore morta com três galhos. A cena é iluminada por grandes janelas na frente da sala e, atrás delas, vemos uma floresta coberta por neve.
A canção que dá nome ao episódio aparece pela primeira vez no teaser de revelação da Parte II, voltando a aparecer na série com os vocais de Ashley Johnson, intérprete da Ellie nos jogos (Foto: Liane Hentscher/HBO)

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