Uma década separa o Homem Sem Medo molhado de sangue, de joelhos numa igreja que afeta todos seus aguçados sentidos, e o Demolidor de carga mais leve que a Marvel rapidamente homogeneizou para que ele se encaixasse no Universo Compartilhado. Para ser justo, a versão de Mulher-Hulk, de sorriso frouxo e uniforme amarelo, já apresentava a nova guinada de Matt Murdock (Charlie Cox).
Em Demolidor: Renascido, a Disney orquestra as próprias aventuras do herói, que usa da mitologia nas temporadas da Netflix como pano de fundo desfocado. Os companheiros de antes, Foggy Nelson (Elden Henson) e Karen Page (Deborah Ann Woll), abrem o drama com a morte do primeiro e a partida da segunda. Os criadores e roteiristas Matt Corman, Chris Ord e Dario Scardapane ostentam créditos em séries de pouco alcance e assinatura.

Com conflitos de produção, a série passou por reestruturações maciças e recriou o eixo dramático do personagem enquanto as câmeras capturavam a Nova Iorque indistinguível e chapada do MCU. Para tal, permanecem em cena Murdock e o Rei do Crime (Vincent D’Onofrio), auxiliados por um elenco de apoio inédito.
Um ano depois da morte de Foggy pelas mãos do Mercenário (Wilson Bethel), Matt não veste mais a fantasia nem pirueteia pelos edifícios da metrópole, mantendo sua atuação apenas dentro dos tribunais. Fundou uma firma ao lado de Kirsten (Nikki M. James), e conta com a mentoria do policial aposentado Cherry (Clark Johnson), facilitador das trocas entre o mundo civil e o contexto das ruas.

Ele até se abriu para o amor novamente, com um romance tímido florescendo com a psicóloga Heather (Margarita Levieva). Mas a paz de heroi é pouca, e quando Fisk se candidata – e vence – as eleições municipais de NY, Matt se encontra numa encruzilhada sem respostas fáceis. Corre contra o tempo, relutante em abraçar, de uma vez por todas, a identidade infernal de seu alter ego. O Rei do Crime, em medidas comparáveis, quer se distanciar do rastro sangrento do passado, atuando como o político bonzinho.
Sua esposa, a antes matadora Vanessa (Ayelet Zurer), perde o brilho da versão Netflix, e opera no piloto automático. Característica frequente de Renascido, que emula as emoções do Matt Murdock violento e temerário, enquanto segura as pontas e estanca qualquer espasmo criativo ou de estilo.

No time de lá, atores como Michael Gandolfini, Zabryna Guevara e Genneya Walton, se esforçam para dar credibilidade aos peões governamentais e da mídia, mas ficam no saldo negativo. Nada empolga, impressiona ou se faz digno de nota. O Justiceiro (Jon Bernthal) volta em momentos oportunos, prometendo uma trama futura que pode, quem sabe, provar-se interessante.
Até mesmo os paralelos mais do que latentes da política norte-americana se perdem na repetição que D’Onofrio articula na pele e na voz embargada do vilão. Se suas aparições em Gavião Arqueiro e Echo davam dicas de um desenvolvimento rico em camadas, a interpretação do grande ator desta vez não passa de irritante. Para o personagem que viveu o purgatório e causou o apocalipse na outra série do Demolidor, Fisk agora é vitrola riscada.

Anunciada como o pacote incomum de 18 episódios, a série foi dividida em blocos heterogêneos. A primeira temporada, que se encerra no corajoso mas atrasado capítulo 9, apenas flerta com a possibilidade de provar-se memorável. Com uma cidade em pé de guerra, uma milícia policial que ameaça a segurança dos civis e um trio de indivíduos guiado pela desesperança, quem sabe Renascido não melhore no futuro, quando quer que esse momento se concretize.
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