Quando Hollywood parecia estar se recuperando da pandemia e das greves, os incêndios alertaram a população californiana para algo além do adiamento das cerimônias de premiações. Enquanto o clima sofre, o aquecimento global mostra a fúria. No mundo do Cinema, o mais interessante veio do eixo fora dos Estados Unidos. Justamente por aqui, no Brasil, o público abraçou Ainda Estou Aqui e impulsionou outras produções nacionais.
Depois de um Oscar dominado pela austeridade de Oppenheimer, a nova safra aponta para direções opostas: da comédia de Anora ao musical de Wicked passando pela ação de Duna 2 e até o horror de A Substância. Nada de Emilia Pérez nesse compilado, sinto muito. E não foi só o drama da totalmente premiada Fernanda Torres que movimentou as bilheterias, com destaque para a máquina de moer ideias, a Disney, que acumulou cifrões no combo de Divertida Mente 2 e Deadpool 3. Originalidade, a gente não se vê por aqui.
Enumerar todas as estrelas que partiram em 2024 seria impossível e sempre faltaria um ou outro. Mas, não há como se despedir do ano que passou sem reconhecer e lamentar as mortes de Maggie Smith, Gavin Creel, James Earl Jones, Shelley Duvall, Donald Sutherland, Carl Weathers e Chita Rivera. Abaixo, uma lista eclética dos Melhores Filmes de 2024 – seja em lançamento nos cinemas, no streaming, em festivais, com o defasado calendário brasileiro, você decide!
Controle
Algo tão fácil de perder, tão difícil de recuperar. Em 2024, vários filmes lançaram seus olhos para a autonomia corporal feminina, seja pelo impulso de políticas recentes que impactaram materialmente a vida das pessoas, seja porque o cinema é onde os maiores temores da sociedade são feito visíveis aos nossos olhos: foi um ano de mulheres arrancando frutos envenenados com os dentes arreganhados. Entre os três longas que exploraram o nascimento do anticristo, o que mais se destacou foi A Primeira Profecia, estreia da direção de Arkasha Stevenson e que ofuscou completamente a produção original de Sydney Sweeney e o prequel de O Bebê de Rosemary que foi direto para o Paramount+. Enquanto esses buscavam chocar, o prequel de A Profecia (1976) revitaliza sua franquia através de visuais minuciosos e contemplativos, traindo sua protagonista com a fé que ela própria tem, carregado pela performance hipnótica de Nell Tiger Free.
Queridinho da crítica e dos festivais, A Substância de Coralie Fargeat representa o equilíbrio ideal entre estilo e, bem, substância. Numa narrativa marcada pelo etarismo e a necessidade de ser para sempre jovem em Hollywood, a sátira de terror ganhou força ao longo do ano, pavimentando o caminho para uma campanha forte para a icônica Demi Moore ganhar seu devido reconhecimento. Saindo de um ano revolucionário para si, a atriz Lily Gladstone troca de diretor, mas permanece sob o guarda-chuva da Apple, protagonizando o tocante e sensível O Rito da Dança, uma história sobre o desaparecimento de mulheres nativas e como a justiça só é encontrada na memória daqueles que as preservam lá.
Um dos longas mais perturbadores do ano, Red Rooms parece ser a resposta definitiva à febre de conteúdos true crime, tecendo uma narrativa vaga ao redor do julgamento de um serial killer e do conteúdo advindo de suas vítimas através de negócios da deep web. Um olhar fascinante da sociedade através dos olhos da atriz Juliette Gariépy, o thriller canadense de Pascal Plante é um exemplo perfeito da ausência de algo como denotação de sua presença, fazendo com que os crimes de seus personagens sejam sentidos apenas através de reações e, ao longo da história, faz seus espectadores se sentirem tão sujos quanto eles. – Gabriel Arruda
Os esquecidos mais populares do ano
Parafraseando o comentário de Mia Khalifa, para mim é decepcionante ver uma temporada de premiações em que nem Duna: Parte Dois ou Armadilha receberam nenhum amor. Dois títulos fascinantes, ambos refletem as melhores tendências do cinema comercial americano, apresentando identidade própria numa indústria que desesperadamente precisa de autores populares para vender ideias recicladas.
O opus de Denis Villeneuve, baseado nos romances de ficção científica de Frank Herbert, recebeu um tratamento épico à moda de O Retorno do Rei, narrando a ascensão mítica de Paul Atreides (Timothée Chalamet) e a traição de seus ideias, motivados pelo romance trágico que partilha com Chani (Zendaya). Como se isso tudo já não bastasse, o elenco coadjuvante fortíssimo é complementado com o senso de humor surpreendente de Javier Bardem e os olhares faiscantes de Rebecca Ferguson, para não falar do homoerotismo assassino de Austin Butler como o personagem mais careca do ano. Duna: Parte Dois, as ruas não irão te esquecer.
Por outro lado, a armadilha sagaz de M. Night Shyamalan pegou todos nós no pulo e superou várias das expectativas que sua sinopse brilhante havia nos levado a criar. Não se deixe enganar pelo tamanho monstruoso de Josh Hartnett e suas mentiras cada vez mais mirabolantes: ele é o pai de menina mais carinhoso do cinema em 2024 e Armadilha é uma linda história de superação e persistência. E serial killers. – GA
Realizadores trans no comando
No Brasil, a dupla Juru e Vitã entregou o fantástico Salão de Baile, documentário que acompanha um dia de ballroom carioca, com depoimentos das Casas e lendas da cena, além de recriações históricas do passado queer. Igualmente brilhante foi o trabalho de Vera Drew, vencedora do Gotham de Direção Estreante por The People’s Joker. Do lixão que se encontra a mitologia dos heróis, a americana conta uma paródica história de identidade, com figuras conhecidas dos fãs da DC e a originalidade que só alguém tão cheia de talento e fogo poderia proporcionar. – Vitor Evangelista
Festival em Foco: Cannes
Com os habituais atrasos do calendário nacional, alguns lançamentos “antigos” do Croisette chegaram para apreciação dos brasileiros nos últimos meses. Caso de Holy Spider, de Ali Abbasi, e Dias Perfeitos, do alemão Wim Wenders. Ao passo que o primeiro é um mistério e uma trama de assassinato e opressão, o segundo transforma em crônica a rotina de um trabalhador que limpa banheiros em Tóquio. Os dois estão na MUBI.
Da safra mais fresca, Cannes lançou dois dos grandes títulos de 2024: Anora, a Palma de Ouro, e Tudo que Imaginamos como Luz, sucesso indiano que rendeu à Payal Kapadia o Grand Prix. Sean Baker canonizou Mikey Madinson no papel da trabalhadora do sexo que casa-se com um herdeiro russo e vê o sonho de riqueza esfarelar na nublada resolução tragicômica. Kapadia, por outro lado, mira na amizade de duas colegas de trabalho, que sonham com amor, liberdade e um pouco de permissividade. Passaram por aqui na Mostra de São Paulo e chegam aos cinemas agora no começo do ano. – VE
Vitalidade e fôlego
O japonês Godzilla Minus One, outra vítima do calendário defasado, fez mais do que vencer o primeiro Oscar para a franquia do kaiju: conseguiu lufar de vitalidade e frescor um cacoete cinematográfico que parecia fadado às repetições que a Warner impõe aos seus infinitos duelos entre o monstro e King Kong. Tal como a ação de Takashi Yamazaki, outro diretor que trouxe novidade para um engessado formato foi Clint Eastwood no drama de tribunal Jurado Nº 2. Desovado por uma produtora que não valoriza o ouro que tem em mãos, o filme tem conflitos morais que decantam-se nos olhos apavorados de Nicholas Hoult, o melhor dos corrompíveis homens de família. – VE
As joias independentes
Sing Sing mescla realidade e ficção num tributo emocionante à arte de atuar e ao processo de cura que o teatro – e o cinema – desempenham na vida de qualquer um. É espirituoso, divertido, marcante e original. Um Homem Diferente, premiado em Berlim, vai na contramão: é cínico, irônico, um pouco malvado e completamente entregue ao fim definitivo da esperança. É, também, o melhor horror corporal de 2024 – e tem no elenco o melhor ator coadjuvante. Um beijo, Adam Pearson! – VE
Liberdade e solidão, sem meio termo
Das praias até uma floresta cheia de plantas e alucinações, o romance aflorou-se em distintas formas. Sem Coração, que expande o curta-metragem realizado por Nara Normande e Tião, visita uma comunidade prestes a se despedir de uma de suas locais. Mas, antes de partir para os estudos em Brasília, ela vive o amor borbulhante da quase-vida-adulta. Já em Queer, que o italiano Luca Guadagnino adapta da auto-ficção de William S. Burroughs, é Daniel Craig quem mordisca a tentação – e a inevitável destruição – do que considera mais precioso. – VE
Botando as claquetes para cantar
Enfrentando resistência entre alguns amantes da sétima arte, os musicais bateram o pé e entraram em cena. 2024 mal havia começado e já estávamos diante da estreia do remake de Meninas Malvadas, que moveu céus e internet para esconder seu direcionamento criativo antes que os curiosos chegassem aos cinemas. Mecanismos de publicidade à parte, o burburinho girou em torno de uma releitura carismática e inteligente, baseada tanto na comédia original de 2004 quanto no espetáculo homônimo da Broadway. Ressuscitando a escrita aguçada de Tina Fey pela terceira vez, a nova versão posiciona o quarteto de abelhas rainhas no meio da geração Z, seguindo os memes, tropeços e exageros necessários.
Outro fenômeno que saiu da literatura para reivindicar os palcos teatrais por décadas, Wicked finalmente ganhou uma adaptação para chamar de sua – com direito a recordes de bilheteria, campanha promissora ao Oscar e uma continuação marcada para 2025. Beira ao óbvio aclamar a vitalidade das composições de Stephen Schwartz, cujas interpretações caem como luva no universo espetaculoso e bem alicerçado de Oz, bem como a química que transpira de Cynthia Erivo (Elphaba) e Ariana Grande (Glinda), dupla improvável e irretocável.
Nos streamings, a pérola quase escondida da vez foi Música, estreia do cantor Rudy Mancuso na direção de longa-metragens. Também na carne do protagonista, um jovem recém-formado em uma profissão que odeia e fadado a transformar qualquer situação da vida em melodia, o americano descendente de brasileiros convoca a namorada Camila Mendes e a própria mãe para uma jornada inusitada e divertida em busca de pertencimento. A trama é puramente ficcional, mas a mensagem final fica a cargo do espectador. – Vitória Vulcano
Ser ou não ser
O conceito de identidade venceu a exaustão em Hit Man, comédia meio filosófica, meio alucinada que pega emprestado rascunhos das personalidades de Gary Johnson, professor universitário que assumia a falsa alcunha de assassino de aluguel para ajudar em investigações da polícia americana. Indo além do existencialismo típico de Richard Linklater para afundar no absurdo, a produção testa os limites de um elástico Glen Powell, indicado pela primeira vez ao Globo de Ouro graças ao papel.
Sob as luzes de John Crowley, essas angulações que atribuem sentido à realidade perdem a ordem cronológica e costuram nuances no romance de Almut e Tobias, retratos feitos com as almas de Florence Pugh e Andrew Garfield. Calculando o tamanho de imprevistos e tragédias no espaço de uma vida, Todo Tempo Que Temos é uma imprecisão dramática que, mesmo escorregadia, cabe no coração do mundo.
Mas o reconhecimento da essência bate diferente quando as figuras já construíram legado. 36 anos depois da parceria que transformou a morte em deleite coletivo, Tim Burton volta a mandar e desmandar na acidez inconfundível que Michael Keaton despeja no Besouro Suco. Sete palmos abaixo da terra, o personagem-título de Beetlejuice 2 – ou Os Fantasmas Ainda se Divertem, aprimora o tom hilário e infame, crescendo com as presepadas de suas algozes: a sempre bem-vinda Lydia Deetz (Winona Ryder), sua filha rebelde, Astrid (Jenna Ortega), a caótica Delia (Catherine O’Hara) e Dolores, a ex-esposa assassinada pelo anti-herói (Monica Bellucci). – VV
O Pedágio de Carolina Markowicz
Carolina Markowicz é sagaz, e Pedágio é seu parque de diversões. O filme, estrelado pelos excelentes Maeve Jinkings e Kauan Alvarenga, conta muitas histórias que partem da homofobia de uma mãe com seu filho. Suellen posiciona seu presente entre a profissão como cobradora na estrada e o sonhado tratamento de cura gay para Tiquinho, mas um plano criminoso para conseguir mais dinheiro desmantela a vida da família. Markowicz, que saiu do Prêmio Grande Otelo com o troféu de Melhor Longa-Metragem de Ficção, desenha um filme cebola ambicioso, que vai despindo suas camadas e revelando espaço para crítica, piada e amor. Das formas certas e erradas, todo mundo quer amar e ser amado, e a ligação de sangue entre as personagens escancara a complexidade das relações pessoais. O longa é preciso ao costurar o caos dos eventos retratados em Cubatão, uma cidade com fama de feia, que encontra na fotografia e na tensão sua beleza industrial e distópica. – João Arnaldo Brunhara
Jane Schoenbrun, I Saw the TV Glow
I Saw the TV Glow, novo filme de terror de Jane Schoenbrun, nos insere em uma realidade fantástica e existencial. Justice Smith e Brigette Lundy-Paine interpretam dois amigos de escola que começam a assistir um misterioso programa televisivo noturno, e, a partir dos episódios inspirados em dark fantasy, as narrativas ficcionais e reais começam a se misturar e confundir os espectadores: os dois colegas e quem assiste. Nas entrelinhas do sobrenatural, o longa desabrocha a vivência queer e trans do sonho e da transformação, e deixa um recado ciente de todas as mazelas enfrentadas por quem só quer encontrar sua própria identidade e se libertar das amarras do medo. Na dor, na espera e no sofrimento, o brilho da TV é a esperança. – JAB
Os bichinhos são as estrelas das animações
Depois de muita ansiedade e incertezas, 2024 foi o ano em que conseguimos assistir O Menino e a Garça nos cinemas brasileiros. A animação vencedora do Oscar foi o primeiro longa-metragem de Hayao Miyazaki após 10 anos de hiato. Este tempo de espera é refletido no quanto a nova obra bebe da fonte de trabalhos anteriores do diretor, ao mesmo tempo que alcança um resultado totalmente novo. Um presente para os fãs do Studio Ghibli, que torcemos para não ser o último.
Entre os cotados para a categoria de Melhor Animação no Oscar 2025, Robô Selvagem é a aposta da Dreamworks. Com vozes dos queridinhos Lupita Nyong’o, Kit Connor e Pedro Pascal, o filme se destaca por sua técnica inventiva que une o 3D com cores aquarela, além de uma história emocionante que, ironicamente, provou-se a mais humana entre animações estadunidenses este ano. Mas a estrela que mais brilhou esta temporada foi Flow. Também protagonizado por animais, desta vez para sobreviver a uma inundação, o filme não tem diálogos e foi totalmente renderizado no Blender – um software gratuito –, concedendo uma experiência singela e intimista. – Enrico Souto
Um Lugar (mais) Silencioso
O primeiro título da franquia sem direção de John Krasinski, Um Lugar Silencioso: Dia Um retrata os primeiros momentos após a invasão dos alienígenas com ouvidos ultrassônicos, desta vez no ambiente caótico de Nova Iorque. Mas se os dois longas anteriores sufocavam seus protagonistas com a ameaça constante e insistente, o novo filme curiosamente é o mais sereno entre eles.
Para além de uma expansão sem propósito dos conceitos do universo, Dia Um se justifica pela conexão entre os novos protagonistas. Lupita Nyong’o e Joseph Quinn conduzem delicadamente a narrativa com seus personagens, demonstrando que, no fim, esta trilogia sempre foi sobre a humanidade guardada em cada um de nós. – ES
É do Brasil!
Nas salas de cinema tomadas por títulos internacionais, o Brasil chutou a porta com os dois pés. Ainda Estou Aqui, baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, que conta a história da família durante a ditadura militar, bateu recordes e mais recordes (inclusive, está no caminho disputado para trazer o Oscar para casa). Mesmo com a direção experiente de Walter Salles e as presenças de Selton Mello e Fernanda Montenegro, o destaque é da ganhadora do Globo de Ouro Fernanda Torres no papel da ativista e advogada Eunice Paiva, que encarna a angústia da família em não poder viver o luto pelo marido e pai, Rubens Paiva.
Numa estreia mais discreta, outro longa baseado em memórias de família. Malu passou por Sundance, Festival do Rio e Mostra Internacional de Cinema em São Paulo antes de ganhar as (poucas) salas de cinema. A Malu da história é Malu Rocha, atriz paulista e mãe do diretor estreante Pedro Freire. Sob a ótica de uma carismática e intensa Yara Novaes, o longa retrata uma mulher de meia-idade que não consegue superar o próprio passado de glórias, numa teia de relações familiares e complexas entre avós, mães e filhas.
Os curtas brasileiros também tiveram vez. Chá da Tarde é de 2019, mas foi selecionado para a edição de 2024 do Phenomena Fest, no Centro Cultural São Paulo. Quando Lara e Angelina brincam de chá da tarde, uma delas resolve convidar outra amiga de Lara para se juntar à diversão. Só tem um problema: ela mora dentro do armário e não é nada, nada simpática. Em poucos minutos, a dupla de crianças arranca risadas e o curta mostra que, no terror, a criatividade faz milagres. – Vitória Gomez
Sangue e comédia… juntos
A linha entre o terror e a comédia pode ser tênue. Entre o romance também. Love Lies Bleeding é a prova da união entre os três. O segundo longa-metragem de Rose Glass, de Saint Maud, colocou uma Kristen Stewart de mullet para viver um romance com a sarada Katie O’Brian, em um cenário retrô digno de faroeste. Quando as duas personalidades opostas se encontram, o amor à primeira vista vem acompanhado de sexo, seringas, problemas familiares e muita adrenalina.
O resultado não poderia ser outro: um thriller erótico com um toque de risadas e uma pitada de romance, para deixar tudo ainda mais intenso. A cereja do bolo (além das atrizes, em suas melhores formas) é a direção de Glass, que abraça o sublime para criar uma fantasia sangrenta, suada e cheia de tesão.
De um faroeste para um road movie, o absurdo, a comédia e o romance também rolam soltos em Drive-Away Dolls. Na história, Jamie (uma charmosíssima e texana Margaret Qualley) está passando por mais um término com a namorada (a cômica Beanie Feldstein) quando convida a amiga Marian (a certinha Geraldine Viswanathan) para uma viagem improvisada. O que elas não contavam é que estão sendo seguidas.
Longe do irmão mais velho Joel, Ethan Coen despiroca de vez. O veterano é acompanhado da roteirista e esposa Tricia Cooke, e a sinergia do casal cria um passeio psicodélico e irracional que não nos deixa opção a não ser nos divertir. – VG
O ano de Cailee Spaeny
Depois de se destacar em Priscilla (2023), Cailee Spaeny voltou a brilhar em 2024. A atriz estadunidense é o rosto de Alien: Romulus, nono filme da franquia e sucessor cronológico da obra-prima de Ridley Scott. E quem recebe a árdua tarefa de retomar uma saga de altos e baixos é o diretor Fede Álvarez (de A Morte do Demônio e O Homem nas Trevas).
O trunfo da produção não está apenas em seu elenco ou na direção. Tampouco está na capacidade de expandir o universo da franquia (apesar de fazê-lo) nem de homenagear o original (também o faz), mas em voltar à premissa básica da história: o mais puro medo se escondendo em cada canto escuro. Enclausurados em uma nave espacial e sem contato com o exterior, um grupo de jovens se depara com o predador perfeito, que não os deixará escapar com vida. Cada segundo é mais um passo em direção a um possível fim.
Álvarez aposta em uma direção claustrofóbica, apoiado por efeitos práticos e visuais que recriam um Xenomorfo verdadeiramente assustador, e de Spaeny na liderança do grupo de desajustados. Ao lado de David Jonsson, o irmão androide, a dupla traz de volta o sentimento de torcer com unhas e dentes por um final feliz.
O medo na ficção só não é mais amedrontador do que o medo da realidade. Em Guerra Civil, Spaeny dá vida a uma fotógrafa inexperiente que embarca em uma jornada política pelas entranhas dos Estados Unidos polarizado. A atriz é acompanhada de nomes gigantescos, como Kirsten Dunst, Jesse Plemons e nosso Wagner Moura, mas não por isso fica de lado.
O longa mais promissor de Alex Garland desde Ex_Machina: Instinto Artificial tece um retalho de críticas sociais soltas, que deixa a cargo de cada espectador entender os efeitos dos conflitos armados, da polarização política e do papel do jornalismo na cobertura de tragédias. – VG
Existe vida depois da fúria
Quase dez anos depois da sinfonia de areia e sangue que foi Mad Max: Estrada da Fúria, o universo de George Miller se expande com o protagonismo de Anya Taylor-Joy em Furiosa: Uma Saga Mad Max. Igualmente delicioso, sujo e catártico, o filme conta a trágica história da personagem originalmente interpretada por Charlize Theron, mas que ganha novos contornos com a selvagem Taylor-Joy, fragmentada em cinco capítulos que embalam vingança, amor, esperança e identidade. O resultado é a prova que não precisávamos de que Miller sabe contar uma história, especialmente se ela for cheia de perseguições, rodas e gasolina. Você pode ler sobre Furiosa aqui. – Caroline Campos
O ano do grotesco
Os fãs de terror tiveram um ano e tanto. Em 2024, todos os pesadelos foram contemplados. Muitos serial killers, criaturas sobrenaturais sorridentes, corpos em decomposição, maridos do mal e um jogo malicioso com uma entidade indiana. Ninguém saiu ileso. Longlegs foi o grande sucesso – o artesão satanista de Nicolas Cage e a protagonista retraída de Maika Monroe roubaram o cinema de horror para si. A clássica dinâmica de gato e rato entre detetive e procurado se transforma em uma teia de acontecimentos familiares mal digeridos onde crianças se tornam receptáculos para o mal e a vida segue seu fluxo apodrecido, sem salvação. Maldito seja Osgood Perkins.
E por falar em horizontes de desesperança, Sorria 2 enterrou seu antecessor e despontou como um grande popstar. Sob as rédeas firmes de Naomi Scott, o filme de Parker Finn apaga toda a impessoalidade enrugada de Sorria e nos entrega uma protagonista envolvente presa na própria vida e assombrada pela entidade virulenta. Através do desconforto e do medo da realidade, nenhuma ação de Skye Riley é confiável. E nós somos a multidão sádica que aguarda na plateia.
Na leva dos não-lançados nos cinemas do Brasil, In A Violent Nature dividiu opiniões. Algumas mortes toscas, claro, mas apenas se você analisá-las individualmente. No conjunto da obra, o slasher de Chris Nash é delicioso, comprometido com um ritmo próprio que não cede à pressa do subgênero e transmite uma sensação de serenidade do ponto de vista do assassino Johnny. Na contramão, Oddity já começa com os dois pés no peito. A cena de abertura garante o arrepio no mais treinado dos espectadores e, apesar da resolução monótona e pouco inventiva, o diretor Damian McCarthy arranca elogios pela sua trama sobrenatural. E pelo seu boneco de madeira horroroso.
Mesmo sem lançamento na telona e sem se infiltrar em streaming algum, Bramayugam ganhou força no cenário brasileiro. Não à toa, o terror folclórico de Rahul Sadasivan é uma força da natureza, uma experiência psicológica que, entre o sonoro e o visual, discute colonialismo e corrupção. Representante do Mollywood, cinema Malayalam indiano, o longa foi gravado em preto e branco e conta com o lendário ator Mammootty em um papel perturbador recheado de maldade, dono dos confrontos e dos aprisionamentos, responsável pelo destino e pelas escolhas de suas vítimas. – CC
Deliciosas bolas de tênis
Não existiu dinâmica mais saborosa em 2024 do que a de Zendaya, Josh O’Connor e Mike Faist. Quando o trailer de Rivais despontou na web, a reação foi imediata e a necessidade de assistir a nova obra de Luca Guadagnino tomou conta dos cinéfilos sedentos por aquela promessa de poder e sexo e… tênis. Ai de nós se o filme não tivesse entregado tudo isso e muito mais: ao som das poderosas batidas eletrônicas de Trent Reznor e Atticus Ross, premiadas com o Globo de Ouro de Melhor Trilha Sonora em 2025, o trio de protagonistas se envolve em uma narrativa esportiva que, na mão de qualquer outro diretor, poderia ter se tornado um drama seco e burocrático. Mas não estamos falando de qualquer diretor – depois de um número desconhecido de sets para aqueles que não entendem absolutamente nada de tênis, a câmera suada e grudenta de Guadagnino solta fumaça, evidenciando os vários jogos em curso nas palmas da mão de Tashi Donaldson. Rivais nos joga de um lado para o outro, e nós amamos e nós pedimos mais. – CC
Falar de Cinema nesse momento é impossível sem lamentar a morte de David Lynch. O americano cravou seu lugar no cosmos com filmes de magnitude sentimental imensurável e personalidade mais do que única. Dos devaneios de Mullholland Drive ao esoterismo de Twin Peaks e tudo que veio antes e depois, sua Arte continuará impressionando e tocando quem assiste. Eterno e insubstituível, Lynch partiu – só nos resta revisitar e manter viva a tradição de estranheza e nunca nos explicar demais.
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