20 anos separam o Meninas Malvadas original da versão musical. Não parece tanto tempo, é claro, justamente pela identidade moderna que o filme com Rachel McAdams e Lindsay Lohan adotou como mantra e espalhou pelo cinema “teen” que tomava conta do mercado naquela época. Seja nas piadas sempre afiadas de Tina Fey ou mesmo na criação de bordões que imortalizaram-se na cultura pop, as desventuras de Regina George e Cady Heron eram subversivas por si só.
Tina Fey desempenhou grande papel nessa jogada. Provinda de uma era de sucesso no Saturday Night Live e alguns anos antes de dar vazão a toda sua loucura cômica na forma de 30 Rock, a roteirista retorna em 2024 menos interessada na corrupção do ideal americano ou na tentativa de replicar o sucesso passado. Na verdade, esse Mean Girls, que adapta o musical teatral e não propriamente o filme, segue à risca os acontecimentos originais.
Cady (Angourie Rice) chega aos Estados Unidos, depois de anos sendo educada em casa pela mãe (Jenna Fischer) e cai igual peixe pequeno na confusão e no banho de sangue que é o Ensino Médio. Guiada pelos excluídos Janis ‘Imi’ike (Auli’i Cravalho) e Damian Hubbard (Jaquel Spivey), ela conhece as tribos do colégio e se depara com igual percepção de admiração e enojo com as Plásticas.
Karen Shetty (Avantika) é boba e avoada, e Gretchen Wieners (Bebe Wood) é neurótica e requentada, mas nenhuma delas se compara à verdadeira estrela do show, o mal em forma de garota, Regina George (Renée Rapp). O glamour é tanto que quando ela dá o ar da graça nas cenas, o aspecto da projeção muda do habitual para um sexy retângulo, imprimindo sua presença como espécie de imã de vídeo clipe, banhado a luzes coloridas e muito charme.
Aí aparece a primeira e gritante distinção do filme de 2024 para o de 2004: o aspecto musical. Adotando a estética e o visual das redes sociais e dos celulares que já passaram pelo teste do tempo e tornaram-se imortais no zeitgeist, Meninas Malvadas se aproxima com timidez de seu retrato da geração Z, buscando saídas simples e até antipáticas quando o assunto é colocar em tela (e em música) os temores, paixões e sonhos da garotada.
Por isso, o clima fica até estranho quando temas antigos da história, como o plano de vingança de Cady baseado no conflito de Regina com o ganho de peso, não buscam ser atualizados ou, melhor ainda, ironizados pela lente cômica que Tina Fey dominou com tanto empenho em sua carreira. Não parece arbitrário nem cínico, mas Meninas Malvadas se sagra apático em todas as diretrizes que transformaram a obra em um chamariz no Cinema de seu nicho.
O “barro” não acontece na interação de Cady com o mundo atual, nem na apresentação insossa de Aaron Samuels (Christopher Briney), o colírio da Capricho que não exala nenhum odor que pudesse capturar o olfato sempre aguçado de uma loba como Regina George. A Rainha, aliás, empalidece nas interações mundanas, longe do estridente papel que Rachel McAdams desempenhou com bastante ironia e paixão.
Para o público que exalta o coração partido e o título de “complicada e perfeitinha”, Regina representa um ideal físico e estético distante demais. Não é por acaso que as melhores músicas carregam o ar do amor ingênuo (What Ifs e Stupid With Love) ou a raiva anárquica dos tempos de escola (Revenge Party e I’d Rather Be Me). No melhor estilo balada de Olivia Rodrigo – a menina trocada pela garota popular –, o filme torna a personagem de Rapp alheia ao foco.
Os destaques dessa imaginação mais rosa e mais barulhenta da história estão na periferia do núcleo jovem. Em Karen, o roteiro de Fey desencanta o lado biruta e tolo da adolescência viciada em likes e compartilhamentos, enquanto a estrela de Damian brilha justamente no carisma inesgotável de seu ator, embora o próprio texto do filme negue qualquer aprofundamento ou, no melhor uso da palavra, migalha de desenvolvimento da identidade queer de sua história. É imperdoável a ausência de uma canção solo para ele desenrolar seu francês inesquecível.
A Janis “sapata”do Livro do Arraso original se esconde, e ganha pouco espaço e terreno para desfilar sua paixão juvenil, com apenas uma troca de sorrisos e braços dados no Baile. Cravalho, porém, serve caras, bocas e muito afinco. Damian também recebe olhares e toques singelos no romance que pode surgir com um personagem sem nome nem importância na trama. Por outro lado, as mudanças em origens de personagens, como a escalação de atrizes de origem indiana, havaiana e um Damian negro, refrescam o mar de adolescentes brancos que compunha o elenco original.
As músicas, e por consequência os momentos visuais que as complementam, são uma adição sem volume à trama, já que os acontecimentos que movem a história estão nos diálogos e ações para além das canções. Isso aliado ao fato de que a direção estreante de Samantha Jayne e Arturo Perez Jr. nunca firma certeza no caminho que almejam, se querem rememorar momentos de 2004, do musical do teatro ou criar uma identidade à parte.
Realizado como um retrato dos millenials que chegavam ao Ensino Médio cercados de questões de identidade e pertencimento, Meninas Malvadas foi adotado pelos que vieram à seguir. Na geração Z que decorou o 3 de outubro, o código de etiqueta das quartas-feiras e a tiara quebrada em prol da igualdade entre as garotas, o filme provou-se moderno e ciente de sua pegada. O otimismo de 2024 não adere com facilidade à ironia e a era dos memes, mas quem sabe a Geração Alfa enxergue aqui um protótipo para seus comportamentos nas décadas que virão.
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