Animação da Letônia, Flow constrói arca sem Noé

Odisseia animal é testamento de sobrevivência e proteção

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Entre as diversas disputas acirradas da temporada, uma unanimidade: a brilhante animação da Letônia, Flow. Com estreia no Un Certain Regard de Cannes e uma travessia vitoriosa entre festivais menores e círculos da crítica, o filme que acompanha um gato preto perdido no dilúvio tem todos os prós para figurar entre os mais marcantes do ano.

Quem dirige, produz, escreve, edita, compõe, fotografa e até constrói os cenários, é Gints Zilbalodis, realizador empenhado na manufatura de um ambiente rico em cores e formas. Os traços grosseiros, alheios ao realismo que parece imperar na indústria norte-americana, é usado como tela em branco. Os animais, nunca nomeados pela equipe de Flow, são os astros da vez.

Sem falas, o filme demonstra com precisão o arco de evolução e maturidade dos animais (Foto: UFO Distribution)

Na história, o pequeno gato preto vê a floresta inundar em proporções apocalípticas. Ele perde tudo: a cama confortável, os alimentos dispostos no armário e os penduricalhos que atuavam como decoração e diversão para o felino. Entre barcos improvisados, pescaria e o instinto de sobrevivência, novas caras aparecem.

Caso do cão, um adorável golden retriever que ama a companhia do colega, mesmo que não entenda a ameaça que apresenta de primeira. Também importante é a participação de uma simpática capivara, o animal que trafega entre solo e água, e mostra para os companheiros de sobrevivência artimanhas que tornaram-se úteis.

Há, ainda, a ave bicuda e escultural, responsável por guiar os remos da embarcação, levando a trupe cada vez mais adentro do mar que tomou o Planeta Terra. De presente, os bichos ganham a companhia de um lêmure acumulador. Sem falas, e usando apenas os sons dos animais, Flow verte sua hora e vinte de duração no misto calculado de deslumbramento e terror.

Os animais precisam confiar uns nos outros para prosseguirem viagem (Foto: UFO Distribution)

A câmera de Zilbalodis acompanha o gato como um narrador senciente, imprimindo o medo e o maravilhamento que nascem do fim da humanidade. Com a trilha sonora entoando cânticos oportunos e ideais para a desolação e a adaptação, fica a cargo dos animais emocionar e empatizar a audiência.

A equipe gravou sons reais das espécies que protagonizam Flow – com exceção da pobre capivara, que emitiu barulhos ríspidos demais para sua personalidade fictícia, e teve a “voz” dublada por um camelo. Para renderizar e produzir o filme a níveis técnicos, o diretor usou o software Blender, tornando a experiência ainda mais intimista e pessoal.

Escolha da Letônia para o Oscar 2025 de Filme Internacional, Flow tem se saído bem nas disputas de Animação, onde venceu prêmios da crítica e faz bonito com as nomeações da indústria. Se terá fôlego para desafiar a supremacia de Divertida Mente 2 ou Robô Selvagem, aí é outra história. Mas não devemos diminuir os feitos grandiosos do gatinho que atravessou a desolação e, com instintos de segurança e proteção, conquistou o mundo. 

Uma resposta para “Animação da Letônia, Flow constrói arca sem Noé”

  1. Avatar de Marcia

    Uma análise técnica primorosa!

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