Enquanto explora as prateleiras de uma biblioteca abandonada, Ellie (Bella Ramsey) é atraída por um livro em particular: O Monstro no Final Deste Livro, escrito por Jon Stone e protagonizado por Grover de Vila Sésamo. O título é autoexplicativo. Conforme folheia, a criatura azul e felpuda avisa que há um monstro no fim do livro e implora para que o leitor pare de passar as páginas. Quanto mais você avança, maiores e mais escandalosas são as tentativas do bichinho de te impedir de prosseguir. Mas todo o esforço é em vão. Você controla as páginas, você decide até onde ir.
Por fim, Grover revela que não havia perigo algum. Na verdade, o monstro no final daquele livro era ele mesmo. A curta aparição dessa obra infantil no sétimo e último episódio da 2ª temporada de The Last of Us não é em vão. Um conto simples, que espelha todo o arco de uma Ellie que, na busca pelo monstro que criou, descobrirá ser sua própria algoz. Porém, essa também é uma metáfora que extrapola a diegese e representa precisamente a visão da série da HBO sobre a narrativa que adapta. Por medo da retaliação que poderia sofrer dos fãs ou da crítica, a produção mantém-se na zona de conforto e opta por uma história mais branda e infinitamente menos interessante.
O nome deste capítulo, Convergência, sintetiza os múltiplos choques que presenciamos entre cada personagem, em que suas convicções pétreas serão brutalmente desafiadas. Dina (Isabela Merced), que antes projetava resolutamente seus traumas sob as motivações de sua amada, se vê estremecida ao enfim ter contato com a natureza oculta de Joel (Pedro Pascal). Em contraste à mesma revelação feita por Nora (Tati Gabrielle), quando Ellie devolveu um semblante frio e impiedoso, sua expressão é aperreada e acompanhada de uma frase categórica: “Precisamos voltar para casa”. Um limite é desenhado.

Se em The Last of Us Parte II, os companheiros de Ellie são seu porto seguro em meio a uma realidade cruel, para o seriado, que opta por suavizar seus aspectos violentos, eles se tornam o ponto central de tensão — do olhar reprovador de Dina às constantes patadas de Jesse (Young Mazino), que sumariza profundamente essa dinâmica. Seu descontentamento com as decisões da amiga é palatável, e ele faz questão de evidenciá-lo sempre que possível. Sem nem perceber, ele destroi a fantasia paternal de Ellie, impondo-se como responsável pelo bebê que Dina carrega e culpando-a pela situação de risco em que se encontram.
Educado para priorizar o bem coletivo em detrimento de si, ele vê o furor vingativo de Ellie como egoísmo puro e simples. Mas o egoísmo é relativo, e o bem coletivo também. Ao cruzarem com um jovem Serafita sendo hostilizado por um grupo de Lobos, Jesse imediatamente atravanca o ímpeto cego por justiça da protagonista. “Eu não vou morrer aqui […], essa não é nossa guerra”, ele indaga em uma entonação colérica, sem se dar conta que acaba de contrariar sua autointitulada moralidade inabalável.

A primeira metade do capítulo escancara o embate entre as posições opostas dessas duas figuras contraditórias, ao mesmo tempo que travam uma luta interna — e frustrada — para manterem-se firmes ao que defendem. A pressão entre eles é intensificada até a última gota, até que o copo transborde e a tempestade se instaure. Assim que a dupla sobe para o topo da biblioteca após escutarem no rádio o ataque de um sniper — provavelmente Tommy (Gabriel Luna) —, Ellie finalmente decodifica a mensagem ambígua de Nora. A baleia e a roda se referiam ao Aquário de Seattle, que agora ela observa à distância, mais perto do que nunca.
E mais uma vez a obsessão por Abby (Kaitlyn Dever) toma conta. No entanto, é quando Jesse confessa ter votado contra vingarem Joel na reunião de Jackson que Ellie perde as estribeiras. “Foda-se a comunidade!”, ela esbraveja por todos nós. Halley Gross, Craig Mazin e Neil Druckmann, roteiristas do episódio, se debruçam no conceito da ‘comunidade dentro da comunidade’, demonstrando que, mesmo dentro de um mesmo grupo, existem filosofias distintas. Seja aqui, seja entre os Serafitas liberais e extremistas, seja entre os Lobos residentes e aqueles de Salt Lake City. Este é o princípio de um tema que se expandirá ainda mais na próxima temporada, já confirmada pela HBO.

Com esta ruptura definitiva, a dupla segue caminhos distintos. Pela segunda vez, Ellie prioriza a vingança em vez de amparar aqueles com que se importa, e o preço será muito mais caro do que é possível arcar. Mas antes disso, ela precisa chegar ao aquário. No caminho para roubar um dos barcos da WLF, Ellie se depara com embarcações lotadas por soldados da milícia. Algumas cenas antes, observamos Isaac (Jeffrey Wright) nos preparativos de um ataque coordenado à base dos Cicatrizes. E, simultaneamente, constatamos que Abby e sua equipe estão desaparecidos, mesmo para os Lobos.
Por enquanto, este é um cenário distante, em que acessamos somente breves vestígios, incapazes de completar o quebra-cabeça. Entretanto, com o objetivo de nos aproximar precocemente da guerra, The Last of Us da HBO insere Ellie artificialmente na ilha em que habitam os Serafitas. Possivelmente a pior sequência de toda a série até então, a garota é carregada pelas ondas até a costa — convenientemente junto de seu barco —, quando uma criança a avista e aciona os adultos ao redor. Os Cicatrizes levam Ellie semiconsciente pelos braços e ensaiam realizar o mesmo ritual do quinto episódio, em que um homem é enforcado e estripado de cima a baixo.
Antes mesmo que ela possa reagir, ou que nós possamos assimilar minimamente essa virada abrupta, a execução é interrompida por uma graúda trombeta, anunciando o ataque aos moradores. Ellie é deixada ali mesmo e, com um timing cômico impossível de ignorar, retorna ao mesmo ponto anterior como se nada tivesse acontecido. Um evento sem impacto, com propósito descartável e que mais parece uma cena cortada de uma versão inchada do diretor. Enquanto retoma seu trajeto para o aquário, ela contempla ao fundo uma explosão atingindo a ilha, fazendo-nos questionar porque não incluíram apenas esse momento para início de conversa.

Não importa quantos sinais negativos o universo conceda, Ellie não vai parar. É quando ela chega ao aquário que a direção de Nina Lopez-Corrado (Supernatural, The Mentalist) brilha. O design de produção replica de forma bela e assustadoramente fiel o mesmo cenário do jogo, ao passo que a câmera revela cuidadosamente cada pequeno detalhe, como vislumbres isolados de um território cheio de histórias. A trilha sonora pesada de David Fleming conduz, junto da iluminação mínima e aterradora, a urgência da cena.
Quando a investigação se torna caça e seu caminho se esclarece, Ellie não encontrará o alívio que deseja. No lugar de Abby, ela se depara com Owen (Spencer Lord) e Mel (Ariela Barer) debruçados sobre um mapa em uma mesa, discutindo o que farão a seguir. Ele parece querer ir ao encontro de Abby, que aparentemente corre perigo, enquanto ela não está disposta a arriscar a vida por alguém que julga má e inclemente. Por agora, pelo ponto de vista que acessamos, isso não passa de conversa jogada fora. No entanto, longe de chegarem a um consenso, Ellie intervém e exige o paradeiro do seu alvo.

Implacável, porém ainda atordoada, Ellie tenta replicar o método de tortura que aprendeu com Joel, ordenando que Mel aponte no mapa a localização de Abby e, em seguida, que Owen repita o mesmo processo. Ela aceita, mas seu companheiro continua desconfiado, alegando que ela os matará de qualquer jeito. “Não vou, porque não sou como vocês”, retruca. Naquela altura, assegurada pelo revólver que aponta, Ellie tem a bússola moral sob suas mãos. Todavia, a situação logo sai do seu controle assim que Owen toma a frente e arma um blefe, seja por subestimá-la ou para proteger sua parceira — possivelmente os dois.
Mesmo alcançando sua pistola, ele não consegue ser mais rápido que o tiro de reflexo de Ellie, que acerta bem na sua garganta. Porém, é só quando seu corpo cai ao chão que percebemos que a bala também pega Mel de raspão, provocando uma hemorragia incontrolável no pescoço. Não há mais tempo para ela, mas talvez tenha para o filho em seu ventre. Na série, essa é a primeira vez que descobrimos a gravidez da personagem, em um momento que troca a violência e o pânico do material original por uma angústia e melancolia que se estendem.
No seu último respiro, Mel tenta orientá-la a retirar o bebê da sua barriga, mas, paralisada pelo medo e pela culpa, tudo que ela consegue é desmoronar em choro. Aqui, Mel é o efeito colateral direto das decisões monstruosas de Ellie que, apegada pela gestação de sua namorada, é ainda mais emocionalmente atingida. Por outro lado, a escolha de tornar essa morte acidental, tirando sua autonomia e intencionalidade, soa como um esforço ativo de tornar Ellie mais simpatizável e a narrativa menos incômoda — o que, por si só, reflete a incapacidade dessa temporada de traduzir o tom sombrio e lúgubre que define o segundo jogo, e faz dele uma experiência valiosa em primeiro lugar.

Depois de tanta aflição, é o abraço de Tommy, que assume o mesmo papel que um dia seu irmão cumpriu, que traz a garota de volta para a realidade. Já no teatro, no tempo em que Dina se recupera do ferimento na perna, o resto do grupo planeja qual trajeto seguir para retornar a Jackson. Para Ellie, não há nada de bom a tirar dessa viagem. Todos os seus planos deram errado e, ainda por cima, Abby continua viva. Por um instante, porém, testemunhamos um momento de otimismo, em que Jesse abre mão de sua armadura e, assim como Joel uma vez, dá abertura para reconciliar-se com a amiga, precedendo uma tragédia acachapante.
Piscou, perdeu. A dupla corre até a saída do anfiteatro quando escutam barulhos de briga e, ao abrir a porta, Jesse é recebido com um tiro no rosto. “Levanta”, é tudo que pode-se escutar, através da voz enfurecida e indistinguível da Abby de Kaitlyn Dever. Tommy está rendido ao chão, implorando para que Ellie fuja, mas ela ergue-se. A postura de sua adversária balança por um segundo ao reconhecê-la, mas só há espaço para ódio agora. Ellie enxerga, na sua frente, um reflexo do rancor que vinha nutrindo. Este é o confronto que todos esperávamos. Contudo, como tudo em The Last of Us, não vamos receber essa recompensa da maneira que prevemos.

Som de tiro, corte preto. Em uma transição brusca, somos reintroduzidos à Abby em um contexto de rotina. Deitada no sofá, adormecida enquanto lia um livro, ela é acordada por Manny (Danny Ramirez), avisando que ambos foram convocados por Isaac. Abby caminha pelos corredores da base da WLF em um estádio de futebol, provando mais uma vez que, entre muitos problemas neste seriado, escalação não é um deles. Dever pode até não ter músculos proeminentes, mas anda como se tivesse. Seu porte é intimidador, imperativo. E é quando ela chega ao lado de fora, e todas as cartas estão na mesa, que somos surpreendidos pelo letreiro: Seattle, Dia Um.
The Last of Us Parte II é uma história em dupla perspectiva. Na primeira metade, acompanhamos Ellie em sua jornada de três dias por Seattle. Na segunda metade, vivenciamos a visão de Abby dos mesmos três dias, contestando as crenças construídas pelo jogador até ali. Ao que tudo indica, a série replicará a mesma estrutura através da divisão de temporadas. No entanto, após um último episódio frustrante, que apesar de reproduzir as mesmas batidas emocionais do videogame, não faz por merecê-las, as expectativas não poderiam ser mais baixas. Resta saber se, daqui a dois anos, a série continuará paralisada pelo monstro ou se, enfim, tomará coragem para virar a página.

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