Vencedores do Oscar | Temporada de Caça (1997)

O veterano James Coburn venceu o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante na cerimônia de 1999

min de leitura

A cidade de Lawford, New Hampshire, é tão pacata que o policial local faz bico de limpador da neve que atola as estradas e congela os poucos moradores, todos velhos conhecidos. O oficial Wade (Nick Nolte) atravessa o cotidiano com cara de poucos amigos e mínima disposição, entortando o caneco para aquecer o próprio corpo e a antiga vontade de viver.

Em Temporada de Caça (Affliction), o diretor e roteirista Paul Schrader habita a pequena cidade ao mesmo tempo em que o protagonista enfrenta um espiral de culpa e raiva, os ingredientes mais perigosos quando o assunto é uma possível conspiração criminosa e a morte de um figurão político do local.

Lendário escriba de vários projetos de Martin Scorsese, Schrader só foi indicado ao Oscar uma vez: em 2019, pelo roteiro de First Reformed (Foto: Lionsgate)

Lançado no Festival de Veneza em 1997 e expandido para o circuito americano apenas no final do ano seguinte, o filme concorreu em duas categorias do Oscar 1999, Ator para Nolte e Ator Coadjuvante para o veterano James Coburn, intérprete do pai de Wade que saiu vitorioso da cerimônia. Esta que, vale notar, contou com a presença de Central do Brasil e Fernanda Montenegro.

E não foi apenas o nosso país que saiu desgostoso com a vitória do italiano A Vida É Bela, que também surrupiou o prêmio de Ator de Nick Nolte, que em Affliction aumenta a aposta no que diz respeito ao brucutu traumatizado que, na mimese de seu passado, continua a linha de produção de escárnio e machismo. Sua derrota para o sempre caricato e nunca merecedor Roberto Benigni é daqueles erros imperdoáveis da Academia.

Coburn atua primeiros em flashbacks da infância dos garotos, para então retornar na velhice, embora mantenha a amargura e ódio nas ações (Foto: Lionsgate)

James Coburn encarna com malícia o papel de Glen Whitehouse, um alcoólatra agressivo que mal repara na esposa morta no andar de cima – a culpa, óbvio, é de sua sovina atitude ao não ligar o aquecedor no inverno cortante do local. No funeral da idosa, os filhos se reúnem a contragosto.

Para a religiosa irmã, Wade demonstra indiferença, e é o caçula Rolfe (Willem Dafoe) o receptor das preocupações e do afeto do primogênito, a quem protegeu na violenta infância e de quem se afastou, buscando não compartilhar o veneno que o pai transmitiu em demasia. Dafoe narra Affliction com dureza na voz, tirando do livro original de Russell Banks a essência tesa de que, naquele lugar, os que ficaram para trás não têm chance nenhuma de liberdade.

De acordo com Paul Schrader, foi Jack Fisk, marido de Sissy Spacek, quem teve a ideia de fazer os personagens Wade e Glen Whitehouse lamberem sal de suas mãos para mostrar como pai e filho são semelhantes (Foto: Lionsgate)

Wade alimenta inveja da ex-esposa e arrependimento da pequena filha, com quem não se conecta de modo algum. Nem o namoro com Margie (Sissy Spacek) sossega o leão que dorme inquieto no interior de uma pessoa profundamente fechada. A presença do pai, em teor monstruoso de Coburn, reacende no filho os mecanismos de defesa que há muito serviram como meio de sobreviver.

O embate, intelectual e físico, é brutal na teoria e trágico na prática. A própria escalação de Coburn deveu-se ao porte do ator, que consegue intimidar uma figura tão imponente quanto a de Nolte. Quando sugeriu o papel ao veterano, o diretor pediu que ele buscasse em si as cicatrizes e as labaredas. Bem-humorado, Coburn definiu: “então você quer que eu atue? Claro! Faz tempo que não faço isso.

Depois de terminar o roteiro, Paul Schrader levou mais de 4 anos para financiar o filme (Foto: Lionsgate)

Os esforços foram mais do que positivos, como a vitória no Oscar de Melhor Ator Coadjuvante comprova. Para tal, Coburn interrompeu a aposentadoria e foi passar frio no Canadá, onde as gravações aconteceram; faleceu menos de cinco anos depois, vítima de um infarto, e deixou um legado imensurável. Melhor ainda, surpreendeu a audiência da premiação, já que não ganhou nada antes do prêmio máximo.

O Globo de Ouro ignorou a performance, enquanto o Sindicato dos Atores e o Spirit Awards apenas indicaram-no. Chega a noite do Oscar 1999 e, derrotando o que parecia um triunfo de Ed Harris (O Show de Truman), Robert DuVall (A Qualquer Preço) ou a varredura de Shakespeare Apaixonado com Geoffrey Rush, Affliction confirmou o status de lenda do ator. Nolte, indicado antes por O Príncipe das Marés e depois por Guerreiro, nunca venceu. 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *