Six Feet Under: a 5ª temporada entrega final desgraçado de triste

Ciclos são encerrados no poético e doloroso adeus de Six Feet Under

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O valor da vida versus a eternidade da morte sempre pareceu melhor definir o combustível de Six Feet Under, série de drama da HBO que chegou ao fim em agosto de 2005, na quinta temporada. Mas se engana quem presume pressa ou reações abruptas na volta derradeira da criação de Alan Ball: como nossa exaustiva rotina, as coisas acontecem sem parar – e então param de acontecer.

A Coat of White Primer abre o quinto ano com o casamento de Nate (Peter Krause). Mas não o atual, já que a fita assistida por Brenda (Rachel Griffiths) é documento da união do parceiro com Lisa (Lili Taylor), mãe de Maya. A atual esposa quer fazer questão de não repetir os votos matrimoniais nem de soar como a falecida. Tamanha preocupação que, na véspera da cerimônia, acorda sangrando e recebe a pior notícia do médico.

A última temporada concorreu a 6 prêmios no Emmy 2006: Direção e Roteiro para a finale, Atriz para Frances Conroy, Ator para Peter Krause e Atriz Convidada para Joanna Cassidy e Patricia Clarkson, que venceu o segundo troféu pela produção (Foto: HBO)

O aborto espontâneo, razão mais do que suficiente para cancelar e remarcar o casório, é levado com a mesma teimosia que os demais acontecimentos abruptos da série: eles o ignoram até que a dor e o ressnetimento corrompam a última camada de paciência. O comportamento é espelhado em todas as relações do quinto ano, em um roteiro destemido e teimoso.

Na casa dos Fisher, Ruth (Frances Conroy) entra em estado catatônico de negação ao presenciar George (James Cromwell) amolecer em sua psique e sua mente. O homem, internado em uma clínica de saúde mental, passa por tratamentos com eletrochoque para combater os episódios de neurose. Conroy, no melhor trabalho entre todas as temporadas, muda o tom de voz, a postura e até o fluxo com quem fala.

Rachel Griffiths estava grávida durante as gravações, e precisou de truques de câmera e figurino para esconder o barrigão; na sequência do nascimento, os produtores tiveram medo de induzir o parto real da atriz, que deu luz ao próprio bebê três dias depois da gravação (Foto: HBO)

Derrotada, ela sofre a morte metafórica do marido atual e de toda uma solidão impossível de ser remediada ou combatida. Resta a ela recalcular a rota da vida e fazer questão de que, em sua ausência, os que ficarem para trás tenham recursos e conhecimento. A crueldade com que Ruth se desprende de George é tão ou mais brutal que a realidade sentida pela mesma: o tipo de comportamento egoísta, insensível e terrivelmente relacionável.

Claire (Lauren Ambrose), que começa a s5 de laços cortados com a mãe e uma relação de amor sem fim com Billy (Jeremy Sisto), não enxerga os claros sinais do mal-estar do parceiro. É só num rompante explosivo que ela larga dele e, sofrendo pelo intragável e impossível amargor dos vinte e poucos anos, começa a trabalhar num escritório e conhece o advogado Ted (Chris Messina).

Com mais foco na narrativa principal, Justina Machado entra para a lista dos créditos de abertura (Foto: HBO)

A maturidade chega para todos os personagens da abertura principal, quer eles queiram ou não. David (Michael C. Hall) e Keith (Mathew St. Patrick) prosseguem com a ideia de adoção e a de gerar um filho por barriga de aluguel, mas uma porção de contratempos coloca o casal frente a frente com dois irmãos, Durrell (Kendré Berry) e Anthony (C. J. Sanders). O processo de adaptação e as diversas brigas e conflitos da nova família alimentam o faminto senso de introspecção que Six Feet Under mantém aceso.

Pela direção da temporada, que não viaja entre passado e presente, nem se deleita com o futuro, é amargurante não assistir mais das interações entre pais, filhos, tios, sobrinhos, primos e cunhados. Quando elas acontecem, normalmente em momentos de calamidade e pressão, atestam o faro de Alan Ball, na exímia construção de um drama humano em todas as suas faces.

Antes do processo de adoção de Durrelll e Anthony, David alucina com um bebê monstruoso, ao melhor estilo Eraserhead (Foto: HBO)

Nate comemora o aniversário de 40 anos em Time Flies, submissão de Peter Krause ao Emmy de Ator em Drama, que acompanha a surpresa e os perrengues entre a família. Na festa, gravada num período de 5 dias, com a presença de treze atores, um pássaro invade a cozinha, e bagunça mais do que alguns vidros e copos: como manifestação da inquietude que cresce à sombra da nova gravidez de Brenda, Nate não quer continuar encarando o que lhe resta a viver.

Depois da morte de um amigo de infância e o reencontro com outro, Nate entende que seu perpétuo estado de infelicidade pode não ter cura. Não que ele falhe em buscar, já que a amizade com a meia-irmã Maggie (Tina Holmes), filha de George, acaba por tomar conta de sua mente mais do que deveria. O trágico episódio 8 acaba com uma convulsão, e o nono, passado no hospital em que ele está internado, acaba com sua morte.

James Cromwell surge monstruoso em cena, espaçando as emoções e a fragilidade de George, em especial quanto atua ao lado de Jeremy Sisto, intérprete de Billy, na ponte que liga as questões de saúde mental da série (Foto: HBO)

Chocante, imprevisível, como um tiro à queima-roupas onde você nem sabe da existência do revólver. É também o chamariz para All Alone, o episódio 10 da temporada, que gira em torno do funeral de Nate. A imagem de seu corpo, costurado pela doação de órgãos e com os olhos vazios preenchidos por algodão, assombra David e o joga num espiral de terror que se mistura aos eventos de trauma do passado.

 A família lamenta e celebra a vida do primogênito, numa miríade de reações e comportamentos – e também no que se prova um dos retratos menos enviesados ou glamourizados do baque de perder alguém. Maya (vivida pelas gêmeas Brenna e Bronwyn Tosh) pergunta pelo pai, e não demora para que Brenda perca o fio da meada e deixe a pequena aos cuidados da avó.

O ecótono de Nate é o local de sua morte, no limite entre a vida selvagem com a Brenda e a vaga ideia de civilidade com Maggie (Foto: HBO)

A morte de Nate serve para expiar os pecados que ele nunca teve de arcar com as despesas. Quando transa com Maggie e desmaia na sequência, para depois acordar e certificar aos parentes o falso estado de saúde, a série apenas continua a provar que o processo do luto diz mais aos que choram do que aos que partem. “A morte é nosso casamento com a eternidade”, diz o poema que Nate escolheu para ser lido no enterro.

A única capaz de entoar os versos e exprimir as emoções corretas é a tia Sarah (Patricia Clarkson), acompanhada por uma porção de olhares desolados e rostos úmidos. A rotina volta ao normal na semana seguinte, Static, onde a série transfere parte do olhar narrativo para Claire, a mais jovem dos irmãos e aquela que mais tem estrada à sua frente.

É ela quem, dirigindo em direção a Nova York, enxerga os diversos capítulos futuros, na já eterna última sequência da série. A morte de todos os familiares, filmada com um filtro angelical e acompanhada das lápides: emocionante é dizer pouco, já que o momento rendeu à Six Feet Under um lugar de honra no hall dos melhores finais da História da Televisão. E não é por menos, já que, fiel a sua fase embrionária, a produção manteve-se alinhada ao mantra menos maluco de todos: o tempo passa e tudo que temos está aqui e agora.


Escrito e dirigido pelo criador Alan Ball, o episódio 12 recebeu indicações aos Emmys de Direção, Roteiro, Figurino e Perucas; venceu o prêmio de Maquiagem com Próteses (Foto: HBO)

Bingo das participações especiais e retornos triunfais: Jenna Fischer como Sharon, a mulher que dá um fora no Rico. Chris Pine como a versão jovem do amigo de infância de Nate. Janice Lynde como a mãe de George, mostrada no flashback que revisita a infância e os comportamentos de defesa dele. Retorno de Illeana Douglas como Angela, a substituta do Rico que, por acaso do destino, encontra ele numa convenção e eles dormem juntos. 

Anne Ramsay como Jackie, a amiga e chefe da Brenda no emprego novo. Lee Garlington como Fiona, a amiga de Sarah que tirou a virgindade do Nate e morreu caindo de um penhasco. Susie Bright ficou com um papel escrito para Joni Mitchell, que não foi escalada pela ideia de distrair a audiência da trama do episódio. Chris Messina como Ted, advogado do trabalho da Claire e seu futuro marido. Voltam também os amigos da Claire da época da faculdade; o cabeleireiro Hiram (Ed Begley Jr.), com quem Ruth teve um caso, e brevemente os ex-namorados dela, Nikolai (Ed O’Ross) e Arthur (Rainn Wilson). 

Alan Ball lutou por uma rolagem de créditos finais de três minutos como homenagem à equipe que trabalhou tanto na série por 5 anos (Foto: HBO)

Bingo das mortes: O tal camarada que cai do próprio carro e atropela a si mesmo; um idoso diabético que come muitos pêssegos em calda e morre, deixando para trás quatro irmãos bocudos e que não encontram meio-termo nas particularidades do funeral; a amiga de Sarah que cai do penhasco; um homem que, na plateia do Teatro, sofre um ataque cardíaco; uma patinadora que derrapa na descida íngreme e é atropelada enquanto passeia com cachorros; um corredor atacado por um puma na floresta e todas as mortes do episódio final, da velhice ao assalto à mão armada. Um momento de silêncio para o fim do rabecão verde-abacate de Claire, para sempre na memória dos fãs. 

A chegada da pequena Willa marca a única vez em que um nascimento, em vez de uma morte aparece na série (Foto: HBO)

Bingo das curiosidades de produção: George passa por terapia de eletrochoque. Anos depois, Cromwell seria escalado como Dr. Arthur Arden em American Horror Story: Asylum, interpretando um médico dos anos 60 que realiza tratamentos bárbaros em pacientes, como a terapia de eletrochoque. Frances Conroy também participa da mesma temporada, interpretando o Anjo da Morte, levando alguns de seus pacientes à beira da morte. 

Kathy Bates estava bastante doente durante as filmagens do episódio do funeral de Fiona, e chegou a ser orientada por seu médico a ir para casa. Ela esteve presente apenas parcialmente em muitas das cenas em que aparece, sendo substituída pelo roteirista Joey Soloway, que usou uma peruca para ser sua dublê nas demais cenas.

Durrell diz que Ruth parece uma bruxa: Frances Conroy interpretaria uma bruxa em American Horror Story: Coven. E falando na diva, ela passou três dias treinando para usar uma espingarda corretamente para sua sequência de fantasia, na qual atira em seus antigos amantes.

“Vamos, todos estão esperando” (Foto: HBO)

O obituário de Six Feet Under: David se torna ator de teatro em vez de advogado, namora Raoul Martinez após a morte de Keith e tem três netos: Matthew, Keith e Katie. O filho de Brenda é Forrest, fruto de seu casamento com Daniel Nathanson. Rico tem três netos: Emily, Celestina e Vincent. Claire se torna uma fotógrafa aclamada internacionalmente e produz fotografias premiadas para o The Washington Post e a Face Magazine, casando-se com Ted Fairwell, que falece antes dela.

O episódio final da série recebeu aclamação universal pela sequência de encerramento, que mostra como todos os personagens principais eventualmente morreram. Na seguinte ordem: Ruth Fisher morreu de velhice; Keith Charles foi assassinado a tiros por ladrões enquanto supervisionava a entrega de um carro-forte em seu negócio de segurança privada; David Fisher tem uma visão de Keith durante um encontro familiar com seu marido e sofre um ataque cardíaco; Rico morre de ataque cardíaco em um navio de cruzeiro ao lado de sua esposa; Brenda falece de velhice enquanto seu irmão, já idoso, divaga sobre teorias da conspiração; e Claire morre em um leito de hospital aos 102 anos.

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