Começar o ano de 2025 recebendo a notícia do falecimento de David Lynch pegou a comunidade cinéfila de surpresa. Claro, morte nenhuma avisa sua chegada, mas perder aquele que era quase uma entidade mística para esquisitos do mundo inteiro foi um baque ainda indigesto quinze dias depois. No meu caso, além de repostar homenagens entristecidas para os meus fiéis 302 seguidores no Twitter, fui atrás de assistir o seu primeiro longa-metragem, Eraserhead. O resultado foi um pavor – que delícia!
Explicar a sinopse do filme por si só já é uma tarefa horripilante. Temos pequenos fragmentos de narrativa aos quais nos apegamos: Henry Spencer, com seu cabelo arrepiado e seus olhos de cachorro triste, é surpreendido com a notícia de que irá ser pai. Ele, que mora em um apartamento minúsculo, trabalha em uma fábrica de impressão e vive numa terra sem nome sufocada pela fuligem, enfrenta um jantar constrangedor com os sogros e sai da lá com a novidade. Henry e Mary se casam e, junto com seu bebê-criatura, vão dividir aquele mesmo cubículo. Entre dias e noites sem dormir, os nervos de Mary explodem e ela volta para a casa dos pais, deixando o marido para lidar com o recém-nascido.
Bem, isso é tudo que consigo explicar de forma direta. Essa história se desenrola como um sonho febril, repleta de imagens surreais que potencializam a sensação de desconforto e de ansiedade do espectador. Ao longo de seus 85 minutos, Eraserhead brinca com os sentidos ao apresentar uma estética visceral que oprime e aflora, utilizando os medos, a culpa e o desamparo de Henry para atiçar nosso inconsciente. O horror surge aos poucos – na comida, nas relações sexuais, em um palco imaginário. O milagre da vida é blasfemado e o primogênito é uma criatura que desperta repulsa e pena, renegada ao canto do quarto e mutilada no cair da noite.
As interpretações são muitas e diversas, com uma multidão de cabeças tentando decifrar a mensagem lynchiana desde 1977. À toa, porque entre alusões à paternidade e ao descontentamento com a vida doméstica, a verdade é que Eraserhead funciona mesmo é no tal do plano das ideias, onde suas imagens se assentam, provocam, excitam e perturbam. Então pode não ser impossível, mas é muito do chato tentar quebrar a casca que envolve o pesadelo preto-e-branco de Henry Spencer.
Por isso, se você gosta apenas de filmes que te passam uma mensagem clara e coesa do início ao fim, talvez Eraserhead não seja para você. Ou, quem sabe, seja exatamente o que você precisa. De qualquer forma, não há como negar que essa mente distorcida e inspirada fará falta. Esperamos que no céu tudo esteja, de fato, bem.
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