Onda Nova chega aos quarenta com fôlego e relevância

Censurada na Ditadura e remasterizada como forma de celebração, comédia brasileira retorna em momento fortuito

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Em 1983, os diretores Ícaro Martins e José Antonio Garcia foram golpeados com a censura. O filme da dupla, uma comédia irreverente e estridente, era Onda Nova, acompanhando o fictício time de futebol feminino Gayvotas, formado por jovens que se rebelavam contra a caretice do momento. Remasterizado em 2025, a mensagem não poderia ser mais atual.

Com o apoio de jogadores da época – Casagrande, Pitta e Wladimir, para enumerar alguns – as garotas enfrentam os preconceitos de uma sociedade conservadora e lidam com seus problemas pessoais, enquanto se preparam para um jogo internacional. O roteiro sagaz se faz pelas diversas interações das personagens, que exploram a identidade sexual em conflito.

Onda Nova tem no elenco as atrizes convidadas Regina Casé e Tânia Alves, além das participações especiais de Caetano Veloso, Casagrande, Osmar Santos e Wladimir (Foto: Vitrine Filmes)

Cenas de sexo são desmontadas em ângulos sensíveis e sensuais, normalizando o encontro carnal e os limites inexistentes do desejo. Aliado a uma trilha sonora chiclete dos sucessos radiofônicos do período, o filme foi alvo da Ditadura Militar, que àquela altura estava prestes a ter seu fim decretado – mas com os efeitos longe de serem extinguidos.

Onda Nova ganhou remasterização e restauração realizada por Julia Duarte, em parceria com a Aclara Produções Artísticas e a família de José Antonio Garcia, com o apoio da Cinemateca Brasileira/SAC – Sociedade de Amigos da Cinemateca, Zumbi Post e JLS Facilidades Sonoras.

Trailer proibido para menores tomou conta das redes sociais, que comemoraram o retorno de uma joia nacional do Cinema queer (Foto: Vitrine Filmes)

O trabalho é detalhado e respeita as escolhas estéticas e narrativas dos diretores, que viram a exibição na 7ª edição da Mostra de SP ser a última do filme, tirado de circulação pelo governo. Em 2024, ocasião em que a Mostra comemorou seu 48º aniversário, Onda Nova voltou aos cinemas, e continuou encantando aqueles que já conheciam suas aventuras – e deixando os virgens da experiência em estado de êxtase.

O amor sáfico é pauta quente, com um elenco de mulheres brilhando não só entre as quatro linhas, mas especialmente fora delas. Carla Camurati e Cristina Mutarelli encabeçam o grupo, com apoio de Cida Moreira, Cristina Bolzan, D’Artagnan Jr., Ênio Gonçalves, Lucia Braga, Luis Carlos Braga, Neide Santos, Patrício Bisso, Petrônio Botelho, Pietro Ricci, Pita, Regina Carvalho e Vera Zimmermann.

A sociedade era tão avessa às normas quanto os jovens, mas escondia a transgressão, seja na peruca da mãe ou no hobby do pai em tricotar em casa (Foto: Vitrine Filmes)

Realizado no limiar entre a Boca do Lixo e a produção à toque de caixa das pornochanchadas, Onda Nova configura-se como uma cápsula queer, lésbica e divergente de tudo que o Cinema criou na época. De lá para cá, com o aumento do pudor e a perseguição a qualquer obra que ameace dobrar os preceitos ditos morais, o filme de 1983 continua fundamental e, por que não, tesudo para dedéu.

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