Se remédio para doido é um doido e meio, O Lado Bom da Vida, a dramédia simpática que deu o Oscar de Melhor Atriz para Jennifer Lawrence em 2013, aumenta as apostas. Na história adaptada do livro homônimo de Matthew Quick e filmada em apenas trinta e três dias, um divorciado diagnosticado com transtorno de bipolaridade começa uma relação de amor e ódio com uma jovem viúva, igualmente à mercê da vida.
Ele é Pat (Bradley Cooper), professor substituto internado em uma instituição de saúde mental após encontrar a esposa tomando banho com o amante e, na sequência, espancar ele. Agora, saído da clínica com o aval da mãe Dolores (Jacki Weaver), precisa voltar para baixo do teto dos pais e, aos poucos, dar um jeito na vida.
Ela é Tiffany (Jennifer Lawrence), uma viúva que não chegou aos 25 anos mas já carrega bagagem emocional para três vidas inteiras. Os destinos se cruzam por meio do amigo de Pat, Ronnie (John Ortiz), esposo de Veronica (Julia Stiles) e cunhado de Tiff. Unindo dois indivíduos que pareciam destinados a torrar a paciência um do outro, o roteiro e a direção de David O. Russell entendem a magnitude do encontro e extraem dele o máximo de pedras preciosas.
Primeiro, com o status emergente da estrela de Lawrence. Vinda do lançamento do primeiro Jogos Vorazes, sucesso de repercussão e titã da cultura pop, a americana emendou o “prestígio” de um filme da temporada de premiações. No Festival de Toronto, saiu com o cobiçado Prêmio da Audiência e, nos meses seguintes, continuou a repetir o potencial de disputar e vencer o ouro.
Mas Lawrence, que aqui se entrega sem vaidades em uma interpretação de muito calor e reatividade, não teve vida fácil na disputa pelo prêmio máximo do Cinema. De um lado, a elogiada performance de Jessica Chastain em A Hora Mais Escura parecia desenhar um cenário de vitória para a atriz, assim como a visceral francesa Emmanuelle Riva em Amour, filme austríaco que tomou Cannes de supetão e ganhava fama de azarão-europeu, com o pedigree do realizador Michael Haneke.
Olhando em retrospecto, os sinais da vitória de Lawrence estavam escondidos no detalhe. Embora Chastain saiu-se melhor no Critics Choice, e Riva venceu o BAFTA, o apoio amplo para a jovem atriz tanto no Globo de Ouro, quanto no Sindicato dos Atores e na manhã de indicações ao Oscar já apontava uma vitória histórica para Jennifer: a segunda mulher mais jovem no hall das campeãs. Aos 22 anos, ela só perdia em idade para Marlee Matlin, que ganhou seu prêmio com 21.
Silver Linings Playbook, que ao pé da letra na tradução indica um livro de regras voltado às partes boas de cada situação, une o mantra de Pat com a expressão futebolística que impera no lar dos Solitanos. Afinal, o pai Pat Sr. (Robert De Niro) sofre com o TOC e congela o ambiente na hora do jogo dos Eagles, impedindo que a esposa troque de lugar, vá ao banheiro ou mesmo mexa na ordem dos controles remotos em cima da mesa de centro.
A saúde mental está no centro do drama. Em Pat, o retrato é da energia em ebulição e do descontrole, enquanto Tiffany assume tons de depressão e raiva. A mãe do homem, refém de um casamento há muito ordenado à vontade do marido, entretanto, não é engolida pela maré de azar e mantém acesa a chama da família. Em entrevistas, De Niro e Weaver contaram que receberam do diretor a própria trama pregressa, que envolvia, na ficção, é claro, amor ardente duas vezes na semana.
Apenas dois anos depois de dirigir O Vencedor, David O. Russell continuou sua fábrica de filmes abraçados pela Academia, com O Lado Bom da Vida conseguindo um feito não realizado desde os anos 80: indicações nas 4 categorias de atuação (no ano seguinte, o diretor repetiria o recorde, com Trapaça). A dramédia com ares de trama de superação foi cozinhada e desenfornada à batida dos melodramas erráticos do século XX. No Spirit Awards, casa do Cinema indie, o longa fez sucesso, levando os troféus de Melhor Filme, Atriz e Direção.
Cena de choro, briga de bater a porta na cara um do outro, famílias desconjuntadas e abraços fraternos, com direito a um plano mirabolante para beneficiar tanto Pat, quanto Tiffany. O roteiro deixa as armadilhas sentimentais e cômicas abastecidas com a guloseima ideal, só para a audiência, aqui vista no papel da presa, cair e se deixar levar. Cooper, no que seria a primeira de uma dúzia de indicações ao Oscar, arregala os olhos e não pestaneja.
De Niro, na primeira lembrança da Academia desde 92, por Cabo do Medo, é um imã de carisma e transborda ares de vovô querido, ao passo que a performance de Jacki Weaver, nada chamativa ou fora da caixinha, coroa o quarteto, mesclando doses iguais de harmonia e caos. Há a efervescência da juventude em desilusão se encontrando com a maturidade tão frustrada e desencantada quanto. Lawrence foi o avatar de uma Hollywood interessada em recompensar os recém-chegados.
Na segunda indicação da carreira (apenas 2 anos depois de Inverno da Alma), ela viria a crescer ainda mais nos meses seguintes: além de coletar prêmios e louros por Trapaça e Joy, também ao lado do diretor, Lawrence virou o rosto da franquia X-Men, em adição ao trabalho cada vez mais grandioso e exposto na pele de Katniss Everdeen. Tamanha foi a exposição que ela tirou um tempo de descanso, teve o filho de forma discreta e voltou ao Cinema com o combo Passagem e Que Horas Eu Te Pego?, duas joias em uma carreira repleta de versatilidade.
Até hoje, a grande noite de Lawrence pode ser melhor lembrada pelo tombo icônico no caminho até o microfone. No discurso, ela não escondeu o ar meio she’s so crazy que ganhou o carinho da indústria e do público. Chastain, que ocuparia o mesmo holofote uma década depois, por Os Olhos de Tammy Faye, ficou com o Critics Choice. E a senhorinha Riva, que comemorava o aniversário na data da 85ª entrega de prêmios da Academia, carregou o apoio da crítica e o prestígio do trabalho em Amour. A francesa, imortalizada pela performance em Hiroshima, Meu Amor, morreu em 2017, aos 89 anos.
Com O Lado Bom da Vida, a hipnose de O. Russell, diretor conhecido pelo comportamento abusivo e as denúncias de assédio sexual, começou a demonstrar a fraqueza que seria consolidada com as dez indicações e derrotas de Trapaça, e o quase esquecimento de Joy. Amsterdam, o filme mais recente do americano, amargou em bilheteria e aclamação. As alegações foram silenciadas, e ele prepara o próximo trabalho, ao lado de Sacha Baron Cohen e Keke Palmer.
No final, o plano de Pat e Tiffany funciona às escuras. A dupla passa no teste com a dança mediana e cheia de paixão, abrindo espaço para que, entre ensaios e cartas falsas, eles enxerguem um futuro menos tumultuado. O luto dela não é curado do dia para a noite, nem a bipolaridade dele some na manhã seguinte ao beijo da paixão. O que O Lado Bom da Vida sublinha, em letras garrafais e usando marca-texto neon, é um caminho pavilhado sem tijolos dourados ou passes de mágica. Quer melhorar? É só suar! Mas ter de novo o amor, estabilidade e uma família que te apoia ajuda bastante também…
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