Traquinagem, baixaria e sedução: conheça os lemas de Mary & George

Julianne Moore é complexa figura materna em minissérie cheia de libido

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Mary Villiers nasceu em berço de feno. Sem sobrenome prestigioso ou os familiares certos para ajudá-la na ascensão social em uma Inglaterra ainda imersa na Idade Média, ela precisou criar o próprio caminho, cavando até achar ouro. A pepita escolhida para a lapidação saiu de seu ventre: o charmoso George, garoto deprimido que passou os anos de amadurecimento entre a solidão e a depressão.

Quando os conhecemos, Mary (Julianne Moore) está cortando a corda que enforca George (Nicholas Galitzine). É um procedimento repetido na dinâmica dos dois. A mãe carrega o filho, que se queixa e resmunga. Ela molha o pescoço com um unguento que ajudará na cicatrização, enquanto fala sobre o futuro e a possível mudança de realidade deles.

Embora não hajam rótulos, George se relaciona com homens e mulheres ao longo da série (Foto: Sky)

O marido acabou de morrer – empurrão ou escorregão? -, e os filhos estão à mercê da sociedade de alto padrão. O mais velho é John (Tom Victor), um qualquer que não consegue nem noiva nem amigos. George, o segundo da fila, é a carta de despedida da família da pobreza. A ele, tão lindo e tão inebriante na beleza e no charme, caberá seduzir o Rei James I e, deste modo, se infiltrar no topo da cadeia alimentar.

O monarca, papel de Tony Curran, já tem um concubino de estimação, mas Mary não vê problema em enterrar algumas evidências aqui e escavar algumas provas ali para que seu filho, e por consequência ela propriamente dita, consiga um lugar à mesa nos fartos banquetes.

Mary & George adapta o livro The King’s Assassin: The Fatal Affair of George Villiers and James I, de Benjamin Woolley, uma investigação da influência do jovem no governo do primeiro Rei Stuart da Inglaterra. Longe dos ares de mistério e especulação do romance, a minissérie preenche seus sete episódios com o jogo de poder, sedução e influência que ocupava a mente e as genitálias dos transeuntes.

A série avança os anos, mas deixa de lado o desenvolvimento do elo sentimental entre rei e companheiro (Foto: Sky)

Haja libido para a corte de James, que orquestra orgias, reúne amigos e amigas e propõe festas sem roupa ou pudores. A Rainha Anne (Trine Dyrholm), embora não participe efetivamente dos eventos, dá o aval. O roteiro, escrito em uma sala a oito mãos sob a tutela do criador D.C. Moore, recria uma sociedade indiferente às questões da sexualidade e do gênero.

Para o conselho e o parlamento, pouco importa com quem o Rei se deita, contanto que ele reine com primazia e mantenha a fome, a doença e a pobreza longes do palácio. Uma dezena de anos se passam entre a chegada de George ao palácio e o seu papel de “esposa” do soberano, presente nas reuniões e na tomada de decisões. 

Nesse ínterim, a influência de Mary encolhe. Resiliente e esperta às artimanhas da função, ela une forças ao próprio amor, na forma de Sandie (Niamh Algar), que a conhece num bordel e, de trabalhadora do sexo, passa a confidente e auxiliar da protagonista. Os encantos de Mary são perfeitamente canalizados na interpretação de Moore, escondendo as dúvidas atrás dos olhos e só performando a segurança e a certeza de uma mulher cabreira e com experiência de sobra.

Imã de divas: depois de trabalhar com Uma Thurman e Julianne Moore, o jovem Galitzine tem ainda o lançamento de um romance ao lado de Anne Hathaway (Foto: Sky)

Do lado de lá, Galitzine é encantador como manda a música. Por seu corpo, escultural e campo de batalha onde travam-se os maiores embates da série, o jovem ator brinca de Deus e servo. O olhar é lar de desolação, imperfeição e sede de amor, de gozo e de atenção. Ao lado do Rei, George demonstra controle, desconfiança e, principalmente, o laço de cumplicidade que surge puro quando comparado à relação de suborno e sobreposição que manteve com a mãe.

A água bate na bunda, como a História não esconde nem releva, e a dupla familiar precisa se reunir para dar conta do recado e não afundar junto do navio. O palácio, primo distante do set cubista que Yorgos Lanthimos usou em A Favorita (no retrato da Rainha Anne, bisneta do Rei James), se prova uma ratoeira, sempre afiada e abastecida com os mais distintos queijos e aperitivos para suas vítimas.

Antes de criar Mary & George, D.C. Moore escreveu para a segunda temporada de Killing Eve (Foto: Sky)

Prosaica e por vezes girando em falso, a trama ganha direção de três profissionais provenientes da TV. Suas visões se misturam ao pastiche medieval que vai da atmosfera palaciana do começo de Game of Thrones, com o lado desafortunado de Vikings e a presença constante da luxúria de Outlander. O sexo, como moeda de troca, se torna terciário, ao passo que o caldo engrossa e a sedução vira passado.

Assim, Mary & George tem cara de minissérie fossilizada: apresenta tanto uma trama principal floreada, quanto personagens secundários que sustentam a história por sete semanas, em média de 50 minutos. Longe das narrativas diminutas em tese e expansivas na prática, a parceria do Sky Studios com o Starz reconstrói a História – sumariamente retratada na chave da heterossexualidade e dos arranjos convencionais – sob a lente de pessoas imperfeitas, impiedosas e interessantíssimas. 

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