Vencedores do Oscar | As Horas (2002)

Foi muito mais do que uma prótese nasal que transformou Nicole Kidman em Virginia Woolf e na Melhor Atriz do Oscar 2003

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Por um nariz, anunciou Denzel Washington ao abrir o envelope que continha o nome da Melhor Atriz do Oscar 2003. A frase se eternizou na mitologia da premiação, que consagrou Nicole Kidman e sua performance como Virginia Woolf em As Horas. Sob direção de Stephen Daldry, o drama uniu três estrelas e causou uma avalanche de polêmicas nos bastidores.

Entre a infame prótese que decorou o belo rosto de Kidman, As Horas ficou marcado pela disputa de egos dos produtores Scott Rudin e Harvey Weinstein. O primeiro era a favor do nariz, enquanto o segundo bateu o pé e negou. A figurinista Ann Roth, que sugeriu o uso da maquiagem, se assustou com o nível caloroso das discussões.

Temendo soar cômica demais, Kidman optou por não imitar o tom de voz da biografada (Foto: Miramax)

No fim, Kidman até gostou do disfarce, já que as gravações aconteciam em simultâneo ao midiático divórcio com Tom Cruise, deixando-a invisível para bater perna sem o apavoro de câmeras e cliques. Mas As Horas é um filme especial demais para ser definido por uma característica da equipe técnica.

Antes de ser um longa-metragem aclamado, o projeto nasceu como livro. O autor é Michael Cunningham, que entrelaça a história de três mulheres, em momentos distintos em tempo e espaço, mas unidas por Mrs. Dalloway. A primeira delas é a própria Woolf, atormentada em um casamento que a privou de aproveitar as belezas da vida. Ela passa os dias na cama, fuma como chaminé e teima em escrever o romance.

Nicole, Meryl e Julianne venceram em trio o Urso de Ouro de Melhor Atriz em Berlim, na primeira ocasião onde o prêmio foi dividido (Foto: Reprodução)

Na década de 1950, a dona de casa Laura Brown (Julianne Moore) compartilha do estado depressivo e exausto de Woolf. Um marido ausente é acompanhado por um filho pequeno que sonha com o amor da mãe, mas não encontra vestígio algum. Enquanto lê o livro, Moore personifica os trejeitos da protagonista, em constante busca de um escape.

Já nos anos 2000, período contemporâneo ao lançamento do filme, a agente literária Clarissa Vaughan (Meryl Streep) precisa organizar uma festa em comemoração à carreira de seu cliente, o enfermo Richard Brown (Ed Harris). Batizada como a Clarissa de Virginia, Streep começa o filme com um largo buquê de flores, que a afastam física e emocionalmente da companheira Sally (Allison Janney).

A gravação foi segmentada: primeiro com as cenas de Moore, depois as de Streep e enfim as de Kidman; por isso, Nicole e Meryl só se encontraram um dia após o término das filmagens (Foto: Reprodução)

Daldry, de O Leitor e Billy Elliot, dirige com requinte seu drama britânico, e sob o roteiro de David Hare, vai amarrando os temas com os acontecimentos rotineiros. A solidão e a desesperança feminina são motores para a história, que visita três lares disfuncionais. Não é surpresa, portanto, que a Academia do Oscar adorou apreciar cada fungada, grito e suspiro de suas divas – no total, foram 9 indicações: Filme, Direção, Atriz, Ator Coadjuvante, Atriz Coadjuvante, Roteiro Adaptado, Figurino, Montagem e Trilha Sonora.

Porém, ficou claro que o modelo de campanha de Weinstein, que em 2003 colocou 3 entre os 5 indicados ao páreo de Melhor Filme, já encontrava certo desgaste. As entrevistas e aparições públicas focadas no nariz e no desacordo entre os produtores não ajudaram. Na noite de 23 de março, Nicole Kidman venceu sua primeira e única estatueta, no que foi o triunfo solitário do filme.

As Horas foi o título provisório que Virginia Woolf usou ao escrever Mrs. Dalloway (Foto: Miramax)

Streep, que começou a temporada nas apostas de Atriz Principal, foi jogada para Coadjuvante, onde acabou sendo indicada, mas não por As Horas. No mesmo ano, ela emplacou Adaptação(e quebrou o recorde de pessoa mais indicada na história). Moore seguiu trajeto parecido: por The Hours, ela conseguiu a menção em Coadjuvante, enquanto seu papel protagonista de Longe do Paraíso, outra dona de casa dos anos 50, colocou-a em combate direto à Kidman. 

O filme também foi notoriamente desqualificado da categoria de Maquiagem, já que foram usados efeitos visuais no tratamento final das filmagens, com o intuito de apagar as fissuras da prótese e deixar mais “limpa” a imagem de Kidman caracterizada. Brando e compassivo, o filme causou um rebuliço na audiência acostumada à beleza tradicional das estrelas de Cinema, em um movimento que gerou outros exemplos futuros, como Charlize Theron em Monster.

Nicole Kidman tornou-se a terceira pessoa a vencer o Oscar usando uma prótese nasal, depois de José Ferrer, por Cyrano de Bergerac, e Lee Marvin, por Dívida de Sangue (Foto: Miramax)

Àquela altura, Nicole já havia sido indicada no ano anterior, pelo trabalho em Moulin Rouge!. Depois de As Horas, ela apareceu mais algumas vezes no Oscar: por Reencontrando a Felicidade e Apresentando os Ricardos em Principal, e por Lion em Coadjuvante. No discurso de 2003, ela agradeceu Denzel com um selinho e desatou a se emocionar, virando de costas para recuperar o fôlego e ter a chance de citar os colegas e amigos, condenar a Guerra no Iraque e demonstrar o amor pela mãe e pela filha.

Outro asterisco em sua vitória, porém, está no tempo de tela.E issomuito antes do discurso que criticou a presença de Olivia Colman como Melhor Atriz em A Favorita, outro longa que usa três mulheres no enlace emocional de uma delas. Em As Horas, Kidman acumula 28 minutos, enquanto Streep aparece por 42 e Moore por 33. Inegável, contudo, é o peso de sua participação, a figura na história. Sem Woolf, não haveria Dalloway, e sem Dalloway, não haveria filme

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