Quinta é dia de feira #02

Um pouco sobre O Novelo, de Cláudia Pinheiro

min de leitura

Dona Alzira estava na porta da maternidade com o filho recém-nascido nos braços quando percebeu que seu marido, Orlando, havia a abandonado. Em casa, mais quatro meninos a esperavam. Com esse sumiço, tão comum na realidade brasileira, os primeiros fios de O Novelo vão sendo entrelaçados. Dirigido por Cláudia Pinheiro e adaptado de uma peça homônima de Nanna de Castro, que também assina o roteiro, o longa é uma belíssima colcha de retalhos, onde cada personagem cumpre seu papel para que aquele pequeno ecossistema de família, aos trancos e barrancos, possa funcionar.

Devidamente crescidos e criados, os cinco irmãos adultos são interpretados por Nando Cunha, Rocco Pitanga, Sérgio Menezes, Rogério Brito e Sidney Santiago Kuanza, que, do mais velho para o mais novo, vivem Mauro, Cicinho, Zeca, João e Cacau. A morte precoce da mãe, performance potente de Isabél Zuaa, faz com que Mauro precise segurar as pontas e assumir a criação dos mais novos, reorganizando a dinâmica familiar até que um homem em coma e sem identificação surge no hospital como o possível pai ausente que há tanto tempo procuravam. 

O grande mérito de O Novelo, inclusive, é seu elenco, majoritariamente masculino. São três gerações de irmãos Caldeiras que dividem a tela, apesar da trama dedicar mais tempo ao núcleo adulto. Cada um, por si só, consegue imprimir na tela sem esforço o forte laço que une a família, mesmo quando as dores da vida começam a bater – tão cedo – na porta. Os louros também vão, é claro, para a história universal criada por Nanna de Castro, que não se acanha em explorar as afetividades e fragilidades masculinas em um mundo que tanto desumaniza homens pretos. 

Entre sexualidades reprimidas, paternidades negadas e aceitações tardias, a reunião familiar naquele corredor apertado de hospital escancara todas as cicatrizes mal curadas pelo tempo. Se de início buscávamos identificar um protagonista para a história de  O Novelo, logo percebemos que não há motivo para tal; o individual e o coletivo são amarrados juntos e atados com um nó que só se mantém firme graças às técnicas de tricô passadas carinhosamente de Dona Alzira para seus filhos.

E o pai? Bem, ele que aprenda sozinho.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *