O que fazer depois de recordes históricos? R: Enlouquecer no espaço. Seis anos se passaram desde que Bong Joon-Ho fez o que fez com Parasita, e os sucessivos adiamentos de Mickey 17 apenas aumentaram a expectativa para o produto final. Com Robert Pattinson em mitose maníaca, o filme de ficção científica se diverte com os dilemas morais e éticos que levanta.
A história gira ao redor de um sujeito que, afogado em dívidas que não tem chance de pagar, se manda para o espaço e trampa de Descartável, uma categoria trabalhista inédita que usa pessoas até o limite e, após sua morte, imprime um clone acoplado das memórias do falecido. Estamos na décima sétima versão de Mickey, que busca meios de colonizar o gélido planeta de Niflheim, batizado em referência ao reino nórdico que serve de intermédio entre paraíso e inferno.

Bong Joon-Ho mudou o título do livro original e matou Pattison mais dez vezes, acumulando os riscos e os medos do protagonista, um homem que ancora a própria existência no relacionamento com Nasha (Naomi Ackie). Por ela, tudo; para ela, qualquer coisa.
E com ela, uma vida onde a gororoba da cafeteria é tolerável e até a presença nociva do fracassado Kenneth Marshall (Mark Ruffalo) e sua esposa mesquinha Ylfa (Toni Collette) consegue ser suportada. O político, com dentes falsos e os trejeitos caricatos de um presidente execrável, é mais uma das tiradas do cineasta, que tem no histórico uma predileção pela distração em favor do humor.

De volta aos temas de seus filmes americanos, Bong Joon-Ho ilustra tudo com metáforas simples e que acabam por vezes na descarga culposa do capitalismo e da perdição. Assuntos que ele transformou em “fases” no marcante Expresso do Amanhã e, mais tarde, em “mercadoria” com Okja. Desta vez, o discurso enviesa as piadas de comportamento e de reação dos personagens.
Especialmente quando o Número 17 não morre, mas é impresso de qualquer maneira, criando uma situação proibida de “Múltiplos”. Para todo o entusiasmo de Nasha, Mickey sua frio e escorrega na dinâmica política do filme, centrado, também, na colonização do planeta de gelo pelos humanos comandados por Marshall.

Entra na gandaia uma preocupada, e igualmente excitada Kai (Anamaria Vartolomei), dividida entre o dever e o acerto de contas pelas imprudências do comandante, e também o trambiqueiro amigo da onça que Steven Yeun interpreta com seu habitual carisma de cafajeste. Mickey 17 condensa a assinatura original do diretor, em um filme que tira a pressão e as expectativas do que seria o sucessor do maior sucesso de uma carreira. No percurso, causou histeria por parte do presidente da Warner e divertiu a todos com Robert Pattinson no papel de bobo alegre que ele tão bem comanda.
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