RuPaul’s Drag Race mudou a arte drag. Anos recentes provaram esse fato de diversas maneiras: presença massiva e definitiva na cultura pop e na política, para começar. Portanto, não é estranho que o formato competitivo do reality tenha perdido o brilho de atração para várias das competidoras que, num outro contexto, voltariam ao Ateliê sem pestanejar.
Após o fracasso do All Stars 8, marcado pelo clima de funeral que causou um frisson de desistência em todas menos duas rainhas do elenco, RuPaul precisou mudar as regras do jogo. A solução foi trazer de volta o formato sem eliminações. Sem a possibilidade de ser mandada embora ou fazer feio para os fãs e o mundo, as oito drag queens da nova temporada estão jogando pela caridade.
Agora, o prêmio de 200 mil dólares será destinado a uma organização específica, que vai em favor dos Direitos dos Animais até questões de Saúde Mental e Ansiedade, com recortes de raça e gênero. Os fãs, para surpresa de ninguém, receberam a notícia com a cautela que tornou-se costumeira: se antes o formato sem eliminações era privilégio de uma temporada apenas de Vencedoras, desta vez o benefício cairia também para queens que não foram tão bem nas disputas originais.
Caso de Vanessa Vanjie Mateo, eliminada como PorkChop na season 10 e top 5 na 11, onde não ganhou nenhum desafio. Os primeiros episódios do All Stars 9 reapresentaram para a audiência uma Miss Vanjie mais polida visualmente, mas ainda um tanto deslocada do formato competitivo. O que pode ser uma vantagem, já que a temporada, como ela, não encontrou o tom certo entre o shade, a empatia e a voracidade pela busca da Coroa.
Exemplo mais crasso está na participação de Roxxxy Andrews. Finalista da temporada 5, de onde saiu com título de vilã impiedosa, ela terminou o All Stars 2 mais acabada que nunca, sendo rotulada como uma queen salva apenas pelas amigas. Agora, até brinca com as eliminações de Tatianna e Alyssa Edwards e a regata branca de Alaska, mas seu status de lenda drag, antes deixado de lado em favor da performance cheia de Bottoms, é reverenciado.
Os anos e temporadas que separam a Roxxxy de Read U Wrote U da Roxxxy de Drag Queens Save The World mostram a mordida fraca que Drag Race mantém com suas rainhas. Destinada a advogar pelo bem e pela justiça, a série-império de RuPaul parece manter-se neutra no que diz respeitos aos desempenhos, já que agora a caridade deve ser marca maior de uma temporada arcaica e moldada em tempos de batons eliminatórios.
A mudança de ares, e das regras, precisava acontecer. Uma produção do nível de Drag Race não pode manter-se confortável ou previsível assim. E de cara, a estreia dupla do All Stars 9 começa a esboçar a virada na maré. Para começar, jogue fora as expectativas criadas no passado, e encare essa Corrida não como uma nova leva de queens e perucas, e sim quase como um derivado do show principal.
Vai embora o sistema de eliminações, e chega a Tesoura Rubra, usada para “cortar” uma das queens de vencer um Broche Belo da Beneficiadora na semana seguinte. Até mesmo o Desentupidor Platinado do All Stars 7, que rendeu certa rivalidade entre as Winners, sai de cena, com uma troca de tesouradas que por enquanto cai no campo das inimizades bobas. Roxxxy foi cortada na estreia, mas não Dublou no Baile da Tinta, onde Mik cortou Angeria Paris VanMichaels.
O terreno ainda está plano e limpo, pronto para ser disputado. Mas se a declaração de Shannel, de que essa é a temporada das Melhores Amigas de RuPaul, indica alguma coisa, é que os espectadores viciados em drama e chororô vão sair do Ateliê mais decepcionados do que realizados. Quem se surpreende, porém, é o espectador viciado nos looks. E que looks!
A começar pela promo, temática de deusas e heroínas, os episódios iniciais serviram um look inspirado em perfumes (algo que poderia ser um desafio separado, devo dizer), seguido do Baile da Tinta. Primeiro, um visual monocromático (destaque para Mik em roxo, Plastique em vermelho e Nina em rosa), outro baseado em obras de arte (Mik como O Grito! Plastique com o poá! Roxxxy como Dalí!) e enfim uma peça criada e pintada pelas drags no Ateliê.
No fim, a pegada punk rock de Gottmik fez par com o irresistível e inacreditável conjunto de Plastique Tiara, que dublaram ao som de Shake Senora. E se o episódio 1 foi um tanto quieto e morno, com o hino-título da temporada sendo cantado e esbravejando, o Top 2 formado pelas queens da temporada 14 não empolgou. Angeria derrotou Jorgeous e cortou Roxxxy, criando um fiapo de drama, tricotado com paciência pelos editores no episódio 2. Vale destacar Andrews ajudando cada uma das suas sisters, menos Angie!
A caridade já foi beneficiada antes em Drag Race, na esquecida temporada inaugural do Secret Celebrity. E, por mais que as All Stars estejam em sua maioria voltando pela primeira vez ao programa, quase todas foram Lip Sync Assassins; Nina West foi alvo do Roast da season 13, Vanjie teve reality próprio em busca de um namorado e Plastique participou do show de Las Vegas. Estão, afinal, todas em casa.
Para a semana três, a prévia promete Anitta e o Snatch Game do Amor. A cortada da vez é Angie, que não foi nada bem no Jogo de Imitações da sua temporada, mas pode surpreender. Para a temporada que parece não render tanto quanto o esperado, a cobertura virá em três doses. A primeira é essa, comentando expectativas e a estreia. Depois, no meio da Corrida, um parecer sobre o que veio e o que virá. E, por fim, um texto fechando o ciclo e contando o saldo. Viva a caridade!
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