A Garota da Agulha viaja ao berço da fábula para entregar terror que oprime

Representante da Dinamarca no Oscar 2025, filme recria eventos reais em atmosfera carregada

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A serial killer Dagmar Overbye aterrorizou a Dinamarca entre os anos de 1913 e 1920, período em que assassinou vários bebês, posando de boa senhora que iria, na verdade, encaminhá-los para adoção. As razões para tamanha brutalidade estão traduzidas em A Garota da Agulha, filme de Magnus von Horn que disputa o Oscar 2025.

Entretanto, Dagmar, papel de uma emotiva Trine Dyrholm, não é a protagonista da história. Esta é Karoline (Vic Carmen Sonne), uma jovem trabalhadora da indústria têxtil que se vê submersa na incerteza que a Primeira Guerra Mundial popularizou na Europa.

Indicado ao Globo de Ouro e ao BAFTA, o filme foi lembrado também na categoria Spotlight do Sindicato de Fotografia (Foto: MUBI)

A Dinamarca onde mora e trabalha não foi de fato destruída pelos conflitos, mas a paisagem é seca, desnivelada e carece de pessoas. O marido sumiu entre os tiros e nunca mais deu sinal de vida, e os olhares que troca com o chefe Jørgen (Joachim Fjelstrup) são razão o bastante para que ela consume o desejo carnal.

O que, claramente, resulta numa gravidez indesejada – e uma rejeição que humilha sua integridade como mulher. Quando o marido-defunto retorna em plena função motora, com exceção de um rosto destruído na Guerra, Karoline não tem para onde correr. Ou melhor, quando corre, dá de cara com uma amável e prontamente educada senhora, a tal Dagmar.

Apesar das críticas positivas, o filme dividiu a competição de Cannes com outro terror, A Substância, que puxou para si o olhar das premiações (Foto: MUBI)

Na atmosfera de The Girl with the Needle, que hipnotizou a audiência em Cannes, o diretor sueco Magnus von Horn busca a estilização extrema na transformação de seu conto de soturnas intenções. Na direção de fotografia, Michal Dymek reduz tudo aos mínimos traços, transformando o preto e branco num golfo de terror, que suga em redemoinho qualquer resquício de esperança.

E a esperança ameaça nascer dali a nove meses, quando Karoline entrega a Dagmar o bebê que pariu. Da interação, cresce a afeição e o interesse mútuo entre as mulheres, que passam a dividir os afazeres da loja da senhora, por mais que a jovem nem suspeite das reais ações de sua empregadora. Quando o destino abre brechas para a descoberta, o roteiro de von Horn e Line Langebek Knudsen opta pelo brusco golpe desavisado.

Tomando parte nos populares freak shows da época, o longa de Magnus von Horn indaga: a quem serve a Guerra? (Foto: MUBI)

A crueldade dos atos da mulher, justificados numa espiral de egocentrismo e falso senso de justiça, é como uma sombra que consome a imagem, o som e a história. Tudo some, assim como a perseverança de Karoline. Até o momento em que, desgastada pelas pancadas e drenada de sangue, a mulher reencontra seu centro.

Se Suor, o filme anterior de von Horn, apontava para escancarar o vazio das relações instantâneas por meio de uma influencer obcecada em ser a bambambam, desta vez o diretor reverte a luneta e mira no que une os semelhantes em situações extremas. Igualmente cínico, o trabalho do sueco em The Here After, de 2015, também segue a batida da solidão como reflexo intraduzível à dor.

A Dinamarca coleciona 15 indicações e 4 vitórias no Oscar de Filme Internacional, tendo ganhado em 2021 com Druk (Foto: MUBI)

Na Dinamarca, berço dos contos de fadas, Magnus von Horn decanta as relações sociais e de gênero numa sociedade nada preparada para as sequelas da Grande Guerra. A Garota da Agulha integra uma lista de Filme Internacional do Oscar que denuncia em tom de fábula, memória e também manifesto. Para tal, as ferramentas afiam-se na mesma roca: aquela que perpassa os ideias de tempo e moral. Nada muda se continuar igual. 

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