Wicked volta aos palcos em sintonia com a audiência brasileira

Surfando na febre verde e rosa, espetáculo brilha com orçamento avantajado e controle técnico

5 min de leitura

À essa altura, a história não contada das Bruxas de Oz é para lá de conhecida. Não fosse este o caso, Wicked: O Musical não estaria passando pela terceira vez em dez anos pelos palcos do Brasil, e nem formaria filas reais e virtuais pela chance de assistir, de perto, a ascensão e queda da amizade entre Glinda e Elphaba.

A multidão entra em combustão nos primeiros acordes de Sem Perdão à Bruxa, e perde as estribeiras na descida de Fabi Bang, intérprete da Bruxa Boa do Norte, em sua bolha rosé. Com mais investimento no orçamento e na criação visual dos cenários, figurinos e efeitos, Wicked: O Musical oferece uma visão distinta do sucesso estrelado por Cynthia Erivo e Ariana Grande.

Nos grandes e catárticos momentos de coro, o musical ganha ares de show de rock, com parte do elenco interagindo com a maravilhada plateia (Foto: João Dantas Filho)

Vencedor de 2 prêmios no Oscar, o filme se dobra ao humor como escape ao drama de criação e amadurecimento da garota verde. Pelo caminho oposto, a interpretação de Bang é a bússola do musical, que caracteriza-se como uma comédia com respingos dramáticos. Nos palcos do Teatro Renault, esperam-se risadas e não lágrimas.

Quando Myra Ruiz surge, afoita para conhecer a Universidade Shiz e cuidar da irmã Nessarose (Luisa Bresser), a plateia vem novamente abaixo, reconhecendo não apenas o melhor trabalho do elenco, mas também a personagem que coloca Wicked no panteão do imaginário popular e também no topo dos rankings de popularidade, receita e sucesso do século XXI.

O filme que chega aos cinemas no fim de 2025 pode melhorar e muito as incongruências do segundo ato da peça (Foto: João Dantas Filho)

A união entre Ruiz e Bang, que vivem as personagens desde a estreia nacional em 2016, potencializa as trocas de insultos em Ódio e deixa o baile no meio de É Só Dançar com o gosto perfeito de azedume em meio ao reconhecimento tardio de uma na outra. Popular, quando a cor-de-rosa brinca de fada madrinha com a esmeralda, é o espaço para a comédia do improviso tomar conta do palco.

Seja na boneca da Cuca, seja no tubo de bolhas de sabão que sai rolando e recebe um tchauzinho de Glinda, a canção equilibra a balança que Elphaba pende para a desilusão em Não É Pra Mim, momento de reflexão quanto ao relacionamento com o príncipe Fiyero, aqui vivido com galanteio por Hipólito

O cenário é inventivo e impressionante, num sistema de rotação que intercala escadarias, armários, sacadas e até os mecanismos do Mágico de Oz (Foto: João Dantas Filho)

Outros momentos do primeiro ato, como O Mágico e Eu, quando Ruiz ocupa sozinha o palco, acompanhada apenas do telão que dilui real e virtual e ilumina os poderes recém-explorados, a direção de Ronny Dutra, junto da regência do condutor Thiago Rodrigues, fazem valer os vocais da atriz. Igualmente fascinantes são os cenários em que nascem as performances de Algo Mau, na voz do Dr. Dillamond (Arízio Magalhães) e também perto da conclusão, quando o Mágico de Oz (Baccic) oferece um vislumbre de sua mente com Sentimental.

O apogeu e as manchetes estão no voo de Elphaba em Desafiar a Gravidade, o clímax do musical. Flutuando entre notas surreais, Myra Ruiz demonstra o descontrole e a raiva da heroína, que acumula as mágoas da infância com as injustiças da vida adulta, transformando tudo em ímpeto para sair do chão e bater de frente com as instituições que oprimem os cidadãos de Oz.

Tratando-se de interpretações cômicas, o drama vem todo do conhecimento prévio de quem assiste, que também liga pontos e preenche as lacunas temporais da peça (Foto: João Dantas Filho)

O intervalo de 15 minutos separa o ouro do material original de Winnie Holzman para desenvolver as consequências da descoberta de Elphaba. Daí, entram em evidência as tragédias de Nessa e Boq (Thadeu Torres). O número de A Bruxa Má do Leste, quando a irmã e governadora conjura de mal grado a paixão do Munchkin, é brindado pelos efeitos de fumaça e luz, culminando na transformação do homem em lata.

Criticado pela pressa e mínima coesão, o segundo ato de Wicked se equilibra na cisão das protagonistas, que planejam, em medidas igualitárias, planos de vingança e perdão. E, apesar da falta de composições apoteóticas ao nível das canções iniciais, destacam-se os números de Todo Bem Tem Seu Preço (No Good Deed) e Tudo Mudou (For Good, que dá título ao segundo filme), as âncoras que encaminham a conclusão da história.

Sem saída para as artimanhas que planejou, a imponente Madame Morrible (Karin Hils) aceita a derrota. Glinda, de coração partido e buquê nas mãos, explora terrenos cinzentos para a voz de Fabi Bang, que vai dos vocais da ópera até o timbre sorridente de uma mulher sempre à frente da piada. Antídoto para a sisudez da Elphaba de Myra Ruiz, provando que, apesar da popularidade e da ciência de viradas e momentos, rosa e verde caem muito bem na audiência brasileira.  

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *