Olive tem pouca idade, mas sonha grande. Não é ao acaso que, por causa dela, a família embarca em uma verdadeira odisseia, cruzando os Estados Unidos em uma Kombi amarela com problemas de direção. À essa altura, a trama de Pequena Miss Sunshine é para lá de conhecida, com uma trupe de desajustados que faz o possível e o impossível para suprir as vontades de sua dócil caçula. E aqui tem de tudo: pai estressado, mãe indecisa, tio depressivo, irmão complexado e avô sem escrúpulos.
O último, papel que rendeu o Oscar de Ator Coadjuvante a Alan Arkin, é o coração pulsante do filme. Ou melhor dizendo, é quem divide em batimentos cardíacos todo o zelo e o carinho com a Olive de Abigail Breslin, que concentra porções de fofura, crescimento e esperança. Edwin aparece pouco, é verdade, já que o roteiro necessita de sua morte para dar energia ao ato final da história.
Clássica aventura de comédia com requintes de drama familiar, o filme marca a estreia da dupla Jonathan Dayton e Valerie Faris na direção, além do debute do roteirista Michael Arndt. Sucesso no Festival de Sundance, Little Miss Sunshine fez dinheiro à beça nas bilheterias, em contraste ao enxuto orçamento que catapultou o sucesso independente para as premiações de Cinema.
A tração veio um pouco depois do início da temporada, com premiações como o Globo de Ouro e o Critics Choice não caindo de amores pela história de Olive. No primeiro, só Toni Colette foi lembrada. No segundo, coletou os prêmios de Roteiro, Jovem Ator para Paul Dano e Jovem Atriz para Breslin. Nos Sindicatos, a coisa mudou.
Pequena Miss Sunshine só perdeu na disputa dos Diretores (onde Scorsese venceu por Os Infiltrados). No Sindicato dos Roteiristas (WGA), dos Produtores (PGA) e dos Atores (SAG), o filme confirmou um favoritismo que parecia impossível à época das nomeações. Curioso notar como o exato cenário se repetiu em 2022: CODA rapou tudo, enquanto Ataque dos Cães ganhou no DGA. No fim, o atual método preferencial da Academia beneficiou o indie. Em 2007, o apoio massivo das Guildas não foi o bastante para colocar Sunshine no topo dos Melhores Filmes.
A maré do longa se intensificou no BAFTA, quando Alan Arkin venceu o troféu, na ausência do até então favorito absoluto, Eddie Murphy, por Dreamgirls. O ex-SNL venceu no Globo, no Critics e no SAG, mas seu filme via uma descida no momentum, perdendo nomeações importantes do Oscar, como na categoria principal e em Melhor Direção. Foi a tempestade perfeita: Pequena Miss Sunshine era um candidato com torcida, carisma e com estrelas reconhecíveis para os votantes, envolvidas em uma trama acessível e que arrancava lágrimas de emoção e de humor.
No dia do Oscar 2007, Arndt ganhou por seu Roteiro (de estreia) Original. Arkin, surpreso com a própria vitória, ainda mais após suas indicações anteriores datarem do século passado, subiu ao palco com muitos a agradecer e a doçura que transmitiu com parcimônia para o personagem. Abigail Breslin apareceu na lista de Coadjuvante, mas perdeu para a dupla de Murphy, Jennifer Hudson.
Considerada uma das maiores zebras da história recente da Academia, a derrota de Eddie Murphy pode ser estudada e analisada sobre uma série de ângulos. O fator racial é o mais gritante (e as estatísticas que mostram a constante maioria branca na lista de vencedores não esconde). Mas, tratando-se de um comediante em um papel de explosão e extravaso, a persona pública do ator pode ter dificultado as coisas. Uma midiática briga com a ex-namorada Spice Girl e o lançamento do controverso Norbit tomaram conta do frenesi de premiar Murphy. A informação é que, logo após o anúncio da categoria, ele deixou a cerimônia e não voltou mais.
Para além do papo de Oscar perdido e Oscar vencido, Pequena Miss Sunshine cristalizou certa força de vontade e espírito de aventura e família que encanta audiências desde sua rodagem em Sundance. Cada membro do clã Hoover carrega traços comuns a todos nós. Greg Kinnear interpreta seu pai/homem de negócios com garra e um pouco de frustração, enquanto Collette desfaz os muros de distância com a pequena filha.
Paul Dano, que até hoje é o único membro do elenco a não receber uma indicação ao Oscar, brinca com os estereótipos do adolescente mal-humorado, e mesmo ficando boa parte da duração sem abrir o bico, transmite tudo nos olhos, nos gestos e, enfim, no apoio que concede aos parentes. Steve Carell é o clássico trágico perdedor, que aqui ganha um subterfúgio de sexualidade, cedendo aos limites da tristeza, porém nunca fechando os olhos para o mundo de possibilidades que viriam após a superação do fundo do poço.
Breslin é alma, é lágrima, é amor, é doce como quindim e quando chora, aperta o peito de qualquer um com pingo de empatia. Suas caras e bocas, aliadas a uma inocência que era performada também no set de gravações, têm todos os ingredientes para uma personagem que vive para além de sua própria história. Ao lado da Kombi amarela em movimento, a Miss Sunshine é impossível de ser esquecida.
Alan Arkin, que receberia mais uma indicação da Academia por Argo antes de sua morte em 2023, vive o caos de uma vida de excessos. Na terceira idade, ele é refém das memórias, expressando sem papas na língua a maneira como enxerga o mundo e os incapacitados que o habitam. Quando ensaia com a neta, em segredo, ele a prepara para mais do que um concurso de beleza. Se um perdedor é alguém que, com tanto medo de não ganhar, nem tenta, Alan Arkin se provou um vencedor sem igual.
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