Turma da Mônica Jovem: Reflexos do Medo faz terror às avessas

Bairro do Limoeiro ganha live action adolescente que não agrega ao mundo aventureiro da turma

min de leitura

Em 2008, a Mauricio de Sousa Produções deu um passo ousado em sua longa carreira no entretenimento. A criação de uma turminha adolescente chegou junto do estilo mangá (em alta na época com a celebração da imigração japonesa no Brasil), e tinha um claro objetivo: continuar gerando interesse em seus leitores.

O público que cresceu com os gibis semanais estava passando da idade de acompanhar as peripécias infantis dos amiguinhos, e encontrou na TMJ uma nova chance de manter contato com as memórias de criança e ainda ler sobre temas que conversavam com suas rotinas. Também com isso em mente, faz sentido a ideia da produtora querer plantar suas sementes em múltiplos terrenos, para várias faixas-etárias.

O filme tem ideias interessantes quando mostra os personagens “em transe”, com uma maquiagem de possessão caprichada (Foto: Mauricio de Sousa Produções)

O sucesso e prestígio dos filmes de Daniel Rezende não eram impeditivos para que a gênese de Sousa parasse por ali. O anúncio de um longa adaptando o arco juvenil dos personagens gerou reações negativas pela troca de elenco, e, pior ainda, pela escolha de quem dirigia a história. Maurício Eça, que se saiu bem com os alunos de Carrossel e patinou na trilogia de Suzane von Richthofen, era uma carta curinga que poderia vingar ou afundar o projeto.

Turma da Mônica Jovem: Reflexos do Medo estreia, portanto, com bagagem e asteriscos. A revolta da audiência com as novas carinhas dando vida aos icônicos personagens (depois de uma passagem marcante do quarteto de Laços e Lições) provou-se fundamentada, já que o elenco de 2024 tem pouco a fazer e surpreender nos noventa minutos de filme.

A culpa, óbvio, não é deles. Eça dirige sem cuidado na composição visual ou temática, abrindo mão inclusive de uma identidade própria. No roteiro, escrito a várias mãos, as características fundamentais de Mônica, Cebola, Magali, Cascão e Milena são desvalorizadas e, em alguns casos, ignoradas em prol de uma trama batida, genérica e demasiado pedante.

Os figurinos até tentam chamar atenção para a identidade visual dos personagens, mas não passam de casuais e mal planejados, saídos direto de uma arara ou prateleira de loja de departamento (Foto: Mauricio de Sousa Produções)

Abraçando o aspecto sobrenatural que guiou alguns dos arcos do quadrinho original, Reflexos do Medo parte para uma história nova, envolvendo magia, espelhos-prisões e a chegada de um cometa ao Bairro do Limoeiro. No centro do problema, o professor Licurgo (Mateus Solano, com a pior peruca do ano) – que não é Louco! – precisa entender a influência de um parente que colocou em sua mente uma espécie de profecia.

A meninada, sem querer querendo, é puxada para a emboscada quando Carmen (Giovanna Chaves) desaparece. Mônica (Sophia Valverde) é quem mais sofre na mão fraca da direção, já que sua posição de protagonista é diminuída pela ausência de firmeza. Nem gordinha ou dentuça, sua versão da baixinha até ensaia um romance com Cebola, além de uma parceria com Magali, mas nenhum esforço gera reações positivas de quem assiste.

Criador e criaturas (Foto: Mauricio de Sousa Produções)

O que, por si só, é uma lástima gigantesca. Se tem uma coisa que a Turma da Mônica não deveria gerar é a sensação de que a história gira em falso, com pouquíssimo a dizer em termos dramáticos, cômicos ou de desenvolvimento de personagens. Sem trocar letras, Cebola (Xande Valois) é raso como pires. Já Cascão (Theo Salomão), só tagarela sobre a influência do tio e não carrega nenhum tipo de problema com a limpeza.

Na metade do caminho entre a versão comilona e sonhadora que amamos, Magali (Bianca Paiva) ganha sobrevida com sua participação no segmento mágico e fantasioso do longa. Milena (Carol Roberto), coitada, ganha falas pontuais e não registra quase nada. Para além do núcleo principal, Denise (Carol Amaral) tenta brilhar, DC (Yuma Ono) não consegue atuar e Jerê (Bruno Vinícius) faz figuração.

A falta de capricho no visual lembra uma versão maltrapilha dos Detetives do Prédio Azul com um toque nada sutil de websérie feita por fãs, sem orçamento ou valor de produção (Foto: Mauricio de Sousa Produções)

Pequenas referências ao vasto e criativo universo dos quadrinhos se perdem no emaranhado de ideias desnutridas. Enquanto os filmes de Rezende capturavam a bravura e a inocência de uma infância-quase-perfeita, e ainda discutiam temas de amizade, medo e companheirismo, a versão Jovem da turma não resvala no que tornou rico sua matéria prima: a chegada a adolescência e as mil e uma inseguranças que aterrissam junto dela.

O que medicava essa ansiedade de Mônica e companhia era justamente a presença dos amigos, dos paqueras. Era a aventura que chamava o grupo, independente de eles estarem prontos ou não, seja para enfrentar as patricinhas da escola, batalhar contra o Capitão Feio ou até viajar para um futuro hipotético, onde celebramos o casamento de Cebola e sua amada.

Reflexos do Medo esvazia a essência da turminha, em uma manobra caça-níquel apressada em terminar logo o presente para içar o que vem a seguir. A recepção péssima de bilheteria e audiência pode dar fim aos planos iniciais de uma quadrilogia. Para os órfãos de boas histórias no Bairro do Limoeiro, a série do Globoplay resgata a trama de Rezende, enquanto novas iterações (infantis, animadas, diferentes) estão pipocando por aí. Vem aí a fofura em forma de Chico Bento, não podemos esquecer. Não há razão para temor, por mais que o filme cause isso sem ao menos ter a intenção de assustar.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *