Em 2012, quando O Artista foi o grande vencedor do Oscar, a sensação de surpresa ou êxtase não existia. A grande nuvem que pairava sobre Los Angeles, carregada do consenso pós-cerimônia, era de que o filme de Michel Hazanavicius tratava-se mais de um labor do que de uma paixão inédita – próximo do mesmo ocorrido com Roberto Benigni e seu estridente A Vida é Bela.
Para explicar, vamos à origem do projeto: gravado e montado como um filme dos anos 20, O Artista acompanha o declínio da carreira de George Valentin (Jean Dujardin), astro do Cinema mudo que não se adapta à era dos talkies. Na chuva, fora do teatro, ele esbarra com Peppy Miller (Bérénice Bejo), e o beijo na bochecha é capturado pelos repórteres. O dia seguinte é marcado por manchetes, ávidas para descobrir quem é esta nova garota.
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Ela, ao longo dos anos, tomará conta de Hollywoodland e fará a Terra das Estrelas de gato e sapato. Protagonista de uma porção de lançamentos, com prestígio e a atenção do público, Peppy se alimenta de tudo o que George sente falta. A gênese de Nasce uma Estrela está aqui, mas o roteiro se mostra menos interessado no estrelato e nos confins do ego em processo de sepultamento.
Hazanavicius arregaça as mangas e recria com maestria e concisão o período que retrata. A trilha sonora de Ludovic Bource destaca cada departamento, que brilham em harmonia e fazem nascer um filme de 1929 capitaneado pelas tecnologias dos anos 2010. Não tem nada de errado na manobra, e tampouco O Artista desagrada ou causa indignação.
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É um filme feito com carinho e zelo. Por isso, as escolhas da Academia no Oscar 2012 estão de acordo: de um total de dez indicações, ganhou 5. Foi o Melhor Filme, junto do Melhor Ator (na primeira vez que um francês venceu a categoria). Somam-se, ainda, as vitórias em Direção, Figurino e Trilha Original.
O Artista foi o segundo e último filme mudo a vencer o Oscar, e provavelmente continuará sendo por bastante tempo, já que a Academia demonstrou ter superado o saudosismo, e busca, com raras exceções, premiar o novo, o viril e o que está na boca do povo. Longe de diminuir o legado do longa, mas sua vitória demarca certo senso de reavaliação por parte dos votantes.
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Não surpreende, todavia, que os envolvidos na produção, filmada em apenas 35 dias, tenham sumido do mapa. Michel Hazanavicius lança um filme aqui e outro acolá (ele abriu Cannes alguns anos atrás e está de volta ao Festival com uma animação), mas o astro principal não recebeu atenção, figurando apenas em produções nativas e de pouca reverberação. Depois de vencer o Oscar, Dujardin (que viveu isolado em uma casa construída nos anos 30 durante as filmagens) deu uma passadinha por O Lobo de Wall Street, e só.
Na temporada de premiações, ele passou varrendo pelas cerimônias, levando Globo de Ouro, Critics Choice, SAG, BAFTA e Oscar – mas não é como se tivesse que suar para ganhar, em uma categoria com Brad Pitt, George Clooney e Gary Oldman. O diretor seguiu o mesmo destino, assim como o produtor Thomas Langmann. A diversão e a corrida de 2012 se concentrou nas demais categorias, com os prêmios de Meryl Streep, Christopher Plummer e Octavia Spencer.
A cada novo ciclo de vencedores, fica claro o quão incomum foi o ano que escolheu os franceses para subirem ao palco nas principais disputas da noite. De lá para cá, a Academia abriu espaço para as produções estrangeiras, alastrando o que Bong Joon-Ho habilmente definiu como um “prêmio muito local”. 2012 foi o ano, também, da importante vitória de Asghar Farhadi, cineasta iraniano que trilha carreira sólida, em Filme Estrangeiro.
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Fica óbvio a paixão de Hazanavicius pela época que visita e embaralha, com os cenários grandiosos e a ausência de zooms, já que a tecnologia ainda não havia sido inventada. As emoções expressadas com articulação e crasso estão aqui, junto de uma visão resiliente de Cinema. Quando o protagonista sonha, o som invade o ambiente e denota o tom de pesadelo.
No fim, quando a trilha cessa e o diretor, na ficção, grita corta!, tanto Dujardin quanto Bejo conseguem fazer o suor ser sentido e cheirado através da tela. O esforço nascido do ímpeto, da amizade, do amor, da compaixão. Com uma mensagem de esperança e otimismo na era marcada pelas histórias de terror atrás dos sets de madeira e dos estúdios de som, O Artista se camufla na longa fileira de laureados, com o sorriso congelado, disposto a começar a celebração do início.
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