No topo de sua capacidade e alcance dramáticos, não é do feitio de Denzel Washington interpretar vilões. Aliás, ele pode contar nos dedos de uma mão as ocasiões em que vestiu a carapuça do inimigo. O policial Alonzo, de Dia de Treinamento, até borra a linha da moralidade quando conhece o novato Jake (Ethan Hawke), mas as horas que dividem não deixam dúvida do caráter do homem.
Sobra, então, terreno para que Washington injete adrenalina, temor e a pitadinha de insanidade calculada na receita do homem da lei. Antoine Fuqua, à época um cineasta afroamericano emergente, chamou atenção do ator, e desenhou para ele um picadeiro de malabarismos morais e embates de fuzis com Hawke, este escalado pela cara de cachorro que caiu da mudança.
Na história, escrita pelo mesmo David Ayer que depois viria a expandir o currículo com a versão ruim de Esquadrão Suicida, Alonzo está prestes a treinar Jake, que busca a promoção na delegacia, e quer passar de simples patrulheiro civil a detetive em casos de entorpecentes. Tomando parte no dia de estreia do mais jovem nas ruas, Training Day é retrato fidedigno da força de um cineasta que hoje em dia já parece ter gasto a pilha.
Fuqua camufla a câmera nas entranhas de bairros suspeitos, filmando conversas às escuras e uma lição escolar que não caberia em sala de aula nenhuma. Alonzo ensina Jake com base nos preceitos deturpados de justiça e lealdade que fizeram dele este monumento além de Minerva. O novato estranha tudo, mas aceita o que lhe convém nesse jogo de xadrez.
Washington venceu um Oscar de Coadjuvante por Glory, mas ainda ansiava pelo prêmio na categoria principal. Até 2001, o único negro condecorado era Sidney Poitier, um dos ídolos de Denzel e a quem ele, de modo descontraído, agradece no discurso. Na cerimônia, Poitier foi agraciado com um prêmio honorário, quando estes ainda eram entregues na noite principal, causando uma piada e tanto por parte de Denzel: “estou perseguindo Sidney por todos esses anos, e quando eu finalmente ganho um, ele recebe outro!”.
O entusiasmo de Denzel foi genuíno do momento da abertura do envelope até os aplausos do final. “Eu amo minha vida”, suspirou Julia Roberts, antes de ler o nome dele. Nos prêmios anteriores, Washington perdeu o Globo de Ouro e o SAG, e nem foi indicado ao Critics Choice ou ao BAFTA. Russell Crowe venceu tudo. Mas, um desentendimento na cerimônia britânica, com o australiano agredindo um dos produtores, virou a maré.
Ele buscava ganhar dois troféus principais seguidos, por Gladiador em 2001 e Uma Mente Brilhante em 2002, feito alcançado apenas por dois atores. Na noite do Oscar, porém, o momentum estava ao lado de Washington, que angariava entusiasmo por sua persona pública e também pelo papel transformador no filme de Fuqua, mostrando facetas de terror e angústia até então inéditas em seu repertório cinematográfico.
E, indicado junto dele, Ethan Hawke perdeu o prêmio de Coadjuvante, apesar de seu Jake ter mais tempo de tela (e, praticamente) o posto de protagonista do filme, do que o Alonzo de Denzel. Fato é que sua vitória marcou uma série de primeiras vezes: um negro vencendo por um filme dirigido por outro negro, ator e atriz negros vencendo no mesmo ano e o segundo negro a ganhar o Oscar de Melhor Ator.
A década de 2000 viu uma diversidade maior na lista masculina, com o reconhecimento de Forrest Whitaker e Jamie Foxx, mas a lista das mulheres permanece abrigando apenas o nome e performance de Halle Berry. Denzel viria a ser indicado mais X vezes, quase ganhando em 2017, por Fences, ocasião em que venceu o SAG e seu adversário, e eventual winner, Casey Affleck, enfrentava acusações de agressão doméstica.
A contribuição de Denzel para o Cinema, não apenas nas atuações magnânimas, no papel de produtor enriquecedor e também na cadeira de direção, mas igualmente na filantropia, apoio e incentivo de jovens talentos negros e latinos, mostra que troféu nenhum recompensa uma carreira de êxitos e conquistas. E não resta dúvida que é questão de tempo até ele se juntar ao clube de tricampeões da Academia.
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