Quando Aegon II (Tom Glynn-Carney) proclama o título que carrega, ecos de Tywin Lannister podem ser ouvidos pelos corredores da Fortaleza Vermelha: “qualquer homem que diz ‘eu sou o rei’, não é rei coisa nenhuma”. E se tem algo que o filho mais velho de Viserys tem demonstrado nesse início de segunda temporada é que, de fato, monarca não é uma função que caiu como luva para ele.
O pequeno Jaehaerys está morto, seu pai, enfurecido, e a Mão do Rei já imagina como reverter a situação e transformar a tragédia em boa publicidade. Um cortejo fúnebre, acompanhado pela Rainha Viúva e pela Rainha Enlutada, Alicent e Helaena, será o suficiente para a população de Porto Real se compadecer à família e, melhor ainda, vilanizar Rhaenyra.
E se os Verdes estão famintos em busca de culpados, lamentando o assassinato da criança entre gritos e ameaças, a Rainha em Pedra do Dragão não entende como ela, de todas as pessoas, ordenaria a morte de um inocente. E, pior, em uma manobra endereçada a destruir a psique de Helaena, sua doce meia-irmã. Daemon, é claro, mantém o olhar cabisbaixo e a guarda levantada.
O roteiro de Sara Hess encontra a meada que House of the Dragon parece ter esquecido de perseguir no ano inicial. A de que, na via das dúvidas, essa grande saga familiar não passa de uma novela de costumes e imprevistos. Antes da ascensão e do crescimento de Drogon, Viserion e Rhaegal, Game of Thrones se saía mais do que bem em ante salas, à luz de velas e com muito papo para lá e para cá.
O aspecto fantástico de batalhas, fogo e gelo chegou às cavalgadas das peripécias originais dos criadores, que esgotaram a fonte literária e partiram para o espetáculo mais visual e menos fundamentado. Para a série que nasceu com a promessa de digladiar as bestas aladas, entre labaredas de fogo e rasantes no ar, A Casa do Dragão pisa no freio e se contenta com as conversas e os impedimentos discursivos e governamentais.
Rhaenyra (Emma D’Arcy) extravasa emoções guardadas há muito, repetindo os padrões predatórios de Daemon de volta para ele. E, enfim, resolvendo a questão de um milhão de dracmas: ele não passa de um algoz, que perseguiu a sobrinha na infância, e pode ter se unido a ela não apenas por amor e paixão, mas igualmente pela posição de poder que o status de irmão mais novo do rei sempre o excluiu.
“Meu trono”, repete a monarca platinada, que enxota o marido e entrega a Baela (Bethany Antonia) a função de montar em Bailalua e pastorear Porto Real. Afinal, o exército dos Pretos precisa saber o que se passa no quartel general inimigo. Sem Daemon perambulando pelo castelo ancestral dos Targaryen, Rhaenyra tem tempo de questionar e delegar novas funções à Mysaria (Sonoya Mizuno), finalmente reconhecida como amante do príncipe e alguém melhor de ser mantida como aliada cautelosa do que inimiga distante.
Como parte fundamental da gênese de A Casa do Dragão, a figura feminina é posta em jogo no plano de Otto. Sem o Rei à vista, sua mãe e esposa desfilam em prantos, com véus cobrindo as expressões petrificadas de dor e consternação. O povo, em preces, abraça as rainhas. Helaena, acostumada a internalizar tudo que sente e diz, explode de fora para dentro. O cadáver do filho balança na carroça, a cabeça costurada ao frágil e pequeno corpo: cena que mãe nenhuma deveria presenciar.
O tema da maternidade, de fato, está abraçando todos os personagens imperfeitos. Aegon soluça, mas Alicent (Olivia Cooke), criada sem amor ou afeto, prefere trocar o júbilo do filho pela agressividade do sexo com Criston Cole. Não é do feitio dela o mesmo que o de Rhaenyra, que no episódio anterior retirou a armadura de mensageiro de Jace, para segurar as estribeiras e abraçá-lo no luto compartilhado por Luke.
Aemond procura uma prostituta mais velha para abraçar e ser ninado, como passarinho indefeso. A escolha do jovem em domar não apenas um dragão lendário e antigo, mas também a “fêmea” mais experiente e protetora do reino, apenas acrescenta ao caráter do personagem, que também enxerga no ato de Daemon (Matt Smith) um desafio à altura de seus feitos. Longe da recompensa materna, Aemond fica nu para as inseguranças e os medos, amparado por uma desconhecida que cobra por cada minuto de atenção e zelo.
Helaena (Phia Saban) recusa as aproximações familiares, e só resta a Alicent recorrer ao brutal e físico contato com outro personagem quebrado e em busca de preencher o vazio em formato de Rhaenyra. Quando tenta confessar ao pai as transgressões recentes, Otto silencia a filha, isolando-a de forma direta e confessional. Em Porto Real, Alicent mantém-se invisível, observada e em apuros. Mas, para ser razoável, ela se encontrou nesse estado durante toda a vida, da infância em Vilavelha até a adolescência ao lado da filha do rei e, então, quando assumiu o vestido verde e a coroa consorte.
E o que eleva o impacto de Rhaenyra, the Cruel está guardado na direção de Clare Kilner, que vai do clássico jogo de plano, contraplano e zoom-in para se jogar na dramaticidade teatral que tornou Game of Thrones à parte da manada. Rhys Ifans brilha como um Otto derrotado e abatido, mas que ainda encontra espaço para rir de escárnio e colocar Aegon em seu devido lugar. Pena que, para o avô, isso signifique a demissão do cargo e a certeza de que o fantoche de outrora tem garras e tornou o trabalho difícil.
Com momentos voltados aos personagens ainda devidamente misteriosos, caso do ferreiro e dos irmãos piratas em Derivamarca, as sementes estão sendo plantadas e regadas com a paciência ausente da temporada 1. A Casa do Dragão encerra o longo capítulo com a batalha entre gêmeos que populou as conversas que fizeram de Cole a nova Mão do Rei. Culpado e em busca de alguém para enforcar a corda, o Capitão da Guarda Real intimidou Sir Arryk (Luke Tittensor) e fez dele um cavalo de Troia.
Graças a Mysaria, com seus olhos de lince e esperteza no raciocínio, Rhaenyra ganhou uma aliada e se livrou da espada juramentada à Aegon. Os gêmeos se encontram e logo se misturam, e a Rainha tampouco diferencia um do outro. Forma de prenunciar a Dança dos Dragões, a batalha suicida entre dois iguais, aos olhos do exterior, acaba em tragédia igualitária.
“Quando os nobres brigam, são os pobres que sentem as consequências”, comenta a prostituta que conforta Aemond. Com Arryk e Erryk (Elliott Tittensor), nascidos juntos e mortos da mesma maneira, A Casa do Dragão desenha o futuro da família Targaryen: enquanto eles se mordem e sangram, Westeros assiste, em estado de terror, sem entender quem é quem. A única certeza, por consequência, é o banho de cinzas e chamas que cairá por terra, água e ar.
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