É o último dia de Aisha (Aisha Brunno) em Belo Horizonte. De malas prontas rumo à São Paulo, ela resolve passar as últimas horas na cidade ao lado das três melhores amigas, Bramma (Bramma Bremmer), Igui (Igui Leal) e Will (Will Soares). Como canta Milton Nascimento, na canção escrita por Lô Borges que dá título ao filme, a coragem para buscar um futuro melhor move as quatro protagonistas que, juntas, sonham junto e vão atrás de tudo o que se pode ser.
A despedida de Aisha é apenas o pontapé. Caminhando pelas ruas de BH, ao redor da mesa de jantar, em boates, bancadas quebradas de lanchonetes ou em um terreno baldio vendo o nascer do sol, as amigas compartilham as guinadas que suas vidas darão dali para frente. A mudança de cidade, a aprovação em uma universidade, a saída da casa dos pais e novos empregos lembram da iminência da vida adulta, que ganha um ‘quê’ especial na pele de quatro intérpretes LGBTQIAPN+.
Em Tudo O Que Você Podia Ser, a adolescência tardia da comunidade LGBTQIAPN+ dá lugar à passagem da juventude para a vida adulta. Longe de colocar corpos dissidentes em locais de preconceito e marginalização, o longa dirigido por Ricardo Alves Jr. os aborda sob uma ótica de acolhimento e liberdade, reafirmando sua posição naquele espaço.
O trunfo do filme é justamente a relação entre o quarteto. Aisha, Bramma, Igui e Will da trama foram batizadas com os mesmos nomes das intérpretes. As quatro já se conhecem na vida real, de passagens pela cena teatral de Belo Horizonte, e aproveitam do entrosamento para elevar o ponto principal do longa: os diálogos e a intimidade de um grupo de amigas que escapa da cisheteronormatividade.
Nisso, a direção de Alves Junior e o roteiro de Germano Melo dão material para as intérpretes trabalharem. O diretor filma as interações ora por trás de paredes e objetos, como se fôssemos observadores de uma relação autêntica acontecendo na frente dos nossos olhos, e ora próximo das protagonistas, como se estivéssemos sentados à mesa de jantar comendo sushi e compartilhando as confissões e o acolhimento do grupo.
Já o roteiro de Melo dá deixas do que deve ser abordado, deixando a cargo do quarteto improvisar e demonstrar suas subjetividades à frente da câmera. A condução destaca a espontaneidade da obra e das personagens, que misturam suas personas fictícias a relatos biográficos, e amplificam o impacto do que Tudo O Que Você Podia Ser tem a dizer. Nesse ponto, a fotografia de Ciro Thielmann ainda colabora para deixar tudo mais natural.
Apesar da não aceitação da família, das provocações dos transeuntes na rua e no ônibus, e do estigma do HIV, a trama aborda assuntos delicados como situações diárias, que não devem ser encaradas levianamente, mas que tampouco definem as vidas de pessoas trans. Sem grandes reviravoltas, o que fica de Tudo O Que Você Podia Ser é o orgulho de se reafirmar e de celebrar as pequenas conquistas, mesmo que seja sobreviver mais um dia.
Nas peles de Aisha, Bramma, Igui e Will, as vivências queer ganham um retrato carinhoso e leve sobre a importância de viver suas próprias subjetividades, sem deixar a diversão, o tesão e a vontade de lado.
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