Suor e lágrimas no ringue sangrento de Garra de Ferro

A trágica história dos Von Erich encontra em Zac Efron um artesão de dor e esperança

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Quando resolveu transformar em filme a história real dos irmãos Von Erich, o diretor Sean Durkin tomou uma decisão não convencional. Ele precisou tirar algumas das fatalidades que, por mais que realmente aconteceram, tornariam seu Garra de Ferro um tanto inverossímil. Quanto pode uma família sofrer? Até onde as coincidências tornam-se demais e soam inventadas?

Então, a narrativa que acompanha Kevin (Zac Efron) abre mão de alguns eventos reais, tudo para que a ideia geral permaneça. Isso é, o trauma que o seguiu por toda sua vida e carreira na luta livre. O segundo filho de uma família de irmãos criados à imagem do pai, Fritz von Erich, Kevin foi responsável por suportar as dores e poupar os menores de tamanha dor e cobrança.

Fritz, vivido de forma vil por Holt McCallany, é um homem tacanho e frustrado. Depois de falhar em assegurar o cinturão de campeão na própria cintura, ele faz de sua sina treinar os filhos para que, através deles, possa viver o almejado sonho de sucesso e fama. No processo, a violência e a inabilidade de se conectar à família faz surgir uma lenda urbana, a maldição Von Erich, que impregna as redondezas da fazenda texana onde vivem.

No ano de Vidas Passadas e Zona de Interesse, é um pecado que a A24 tenha deixado Garra de Ferro distante dos prêmios, com um trabalho excepcional do elenco e da equipe técnica (Foto: Califórnia Filmes)

Kevin treina à exaustão, e segue a cartilha para tornar-se o número 1 de sua categoria, mas as decisões da vida o colocam no banco do passageiro. Chega a vez de David (Harris Dickinson) se provar aos olhos do pai e do mundo, ansioso para gritar em euforia o sobrenome mágico dos lutadores. Por ele, o veneno do pai respinga de modo abrasivo, causando viscerais feridas no âmago de um jovem adulto impedido de viver sem a pressão de ser maior que a expectativa familiar.

E Kerry (Jeremy Allen White), coitado, sofre ainda mais com a imprevisibilidade do destino e enxerga no conflito da Guerra Fria uma barreira para sua inevitável coroação nas Olimpíadas de Moscou, momento em que o governo dos EUA retirou seus atletas de jogo e os relegou ao banco de reservas. Sem o aparato esportivo que o distanciava da rotina de casa, Kerry assume a carapuça de querido do pai, isso até que as cobranças e a peçonha de Fritz também o infectem, como um veneno que oxida o movimento e deixa imóvel alguém que poderia prosperar longe do ninho.

Ninho esse que Sean Durkin escreve como paraíso estadunidense na teoria. Na prática, porém, seu elenco de eternos garotos mostra a discrepância da realidade quando acordam, cansados e com dores, em camas habilmente estendidas como se fossem alunos da primeira série. As cuecas brancas cobrem corpos estourados em músculos e fibras, espécies de ternos de carne que Efron, Dickinson e White vestem com aversão e pouquíssimo conforto.

Na história real, existia um sexto irmão na trama, também vítima de suicídio, e retirado do roteiro em busca de maior concisão e ritmo para o filme (Foto: Califórnia Filmes)

São leões repousando em tocas de coelho, cientes do tamanho e mais cientes ainda do motivo de seguirem esse desvairado padrão. O pai subjuga a mãe Doris, a quem Maura Tierney dedica doses de cinismo e negação, para então transformar os garotos em reféns, e pior ainda, torna-os gratos por cada abuso emocional que vocifera, seja em sussurros blindados pelo uísque noturno, seja no ringue, quando ele mesmo entra no meio da confusão se julgar necessário.

A Garra de Ferro que nomeia o projeto não passa de um golpe criado por Fritz, onde ele agarra o rosto do adversário, e mistura o sufoco da pressão com o arranhão que vem das unhas em contato com a carne da testa. Movimento literal entre as quatro redes, mas também metafórico, na aplicação em cada prole que tinha “menino” assinalado na certidão de nascimento. Da infância à adolescência e, aos sortudos, à vida adulta, o pai tirava o ar de seus garotos, deixando-os à mercê de suas próprias faculdades mentais e sentimentais.

Eles não tinham abertura para discutir os problemas com a mãe, já que “os irmãos servem para isso”. Na troca honesta entre Kevin, Kerry, David e o jovem Mike (Stanley Simons), o amor compartilhado é tão grande que ameaça explodir seus limites físicos e sangrar ali mesmo toda a cumplicidade, a culpa, o remorso, a inveja e o carinho que eles compartilham sem necessidade de ensinamentos ou ordens.

Sean Durkin instruiu que Zac Efron segurasse o choro até o final das gravações, na cena onde os filhos amparam Kevin; como resultado, o ex-Disney entrega uma performance de muita força e vulnerabilidade (Foto: Califórnia Filmes)

Kevin se vê como a figura paterna que deveria proteger e amparar, seja os machucados físicos, como o acidente que Kerry sofre na moto, seja os rombos emocionais, como a eterna sede de agradar o pai que David vomita em forma de sangue e tripas no dia do casamento do irmão. Como a vida real e a ficção provaram, o personagem de Zac Efron falha na primeira metade do problema.

Porém, na presença de Pam (Lily James), ele consegue desviar da mortífera e sempre faminta maldição da família para, enfim, sossegar na alma o papel de protetor e confidente que o pai nunca demonstrou vontade de desempenhar. No clímax de uma cadeia de velórios, amargura e muito ressentimento, Kevin chora ao lado dos filhos. Os meninos, ainda na infância dos heróis e dinossauros, confortam-no, quebrando assim um ciclo que envenenou a árvore até que a poda estivesse completa. A garra de ferro que passa a ser sinônimo de abrigo, e não mais de opressão. 

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