“Ele estava na Amazônia com minha mãe quando ela estava pesquisando aranhas, pouco antes de ela morrer”, é como Cassandra Webb (Dakota Johnson) define o vilão misterioso de Madame Teia. Infelizmente, a icônica passagem não está no corte final do filme, mas é como se estivesse (nos nossos corações e mentes)!
Nascido do imbróglio pegajoso dos filmes do Aranha sem Peter Parker na Sony, Madame Teia volta ao ano de 2003 para contar a história de origem de sua personagem-título, uma socorrista de Manhattan que cresceu em lares de adoção e, além da amizade com o parceiro de trabalho Ben Parker (Adam Scott), vive uma rotina de solidão e reclusão.
Ela não se mistura e prefere que continue assim, mas o destino tem um plano maior. A ausência da mãe, que morreu no parto enquanto, isso mesmo, procurava aranhas na Amazônia peruana, faz com que Cassie crie uma barreira emocional de proteção. Depois de um acidente que a joga no fundo do rio, quando começa a sofrer déjà-vus e certa paranoia, ela demora a aceitar a sina de proteger um trio de adolescentes.
São elas a recatada Julia Cornwall (Sydney Sweeney), a estudiosa Anya Corazón (Isabela Merced) e a cabeça-quente Mattie Franklin (Celeste O’Connor). Cada qual com sua característica principal e suas próprias bagagens, que vão de uma mãe distante até um pai deportado. As garotas não sabem que, no futuro, ganharão poderes e causarão a morte de Ezekiel Sims (Tahar Rahim).
Ele, porém, sabe de tudo. Com a ajuda de sua nerd de computador Amaria (Zosia Mamet), vasculha as redes, câmeras e vigilância de Nova York, caçando as garotas. No jogo de gato e rato (ou seria aranha e mosca?), o filme se resolve como uma ação mundana perto do parâmetro estabelecido por Venom e Morbius, ganhando caráter de disruptivo pelas saídas francesas que toma sem culpa ou vergonha.
As manchetes não mentem: mal acabado, confuso, uma colcha de retalhos, reescrito à exaustão, uma bagunça. Madame Teia é tudo isso, mas é igualmente uma espécie de explosão de desastres que tornou-se rara no sempre comportado algoritmo que produz sem descanso os mesmos filmes de heróis, com mudanças nos uniformes e no vilão, mas que, lado a lado, empalidecem.
A diretora S.J. Clarkson tem ciência do estado desgastado e carcomido do subgênero, e mune Madame Web de estilo e voz própria. A câmera de Mauro Fiore (vencedor do Oscar por Avatar) é frenética e se infiltra nas frestas emocionais e paranoicas de suas protagonistas, sempre em movimento, em estado de alerta e tensão. Assim como a montagem de Leigh Folsom Boyd, copiando e colando tempos distantes pela teia de Cassandra. Afinal, sua teia conecta todos.
Para todas as acusações de roteiro simples e diálogos risíveis, o filme dobra a aposta na diversão e no caos controlado. Se tem algo que Madame Teia oferece é o ímpeto de se jogar na galhofa, começando pelo elenco. À essa altura, o status de diva de Dakota Johnson é mais do que inquestionável, tornando sua presença em qualquer título razão óbvia para ser assistido e apreciado.
Aqui, atuando frente às telas azuis e explosões falsas, a atriz comunica o caráter extravagante e despreocupado da direção, que dá a ela cenas de ação, de comédia e, ao fim, de completude. Seja roubando um táxi (que nunca é procurado pela polícia) ou voando para o Peru sem qualquer dificuldade, sua Cassandra é alguém que ganha a torcida e a simpatia da audiência.
O trio de meninas-Aranha, embora coadjuvante ao centro dramático da história, adiciona o sabor da adolescência millennial, com direito a um rebolado ao som de Toxic e ao espanto quando descobrem que uma delas carrega um celular como se não fosse nada. É fato que, para os ansiosos por vislumbres de suas personas mascaradas e teiosas, o filme frustra esses sonhos sem dó alguma.
O vilão de Tahar Rahim é raso como a produção pede, mas ainda assim generoso o suficiente para dividir a tela com outra diva gay, a sempre divertida Zosia Mamet, figura obrigatória em toda obra que habita NY. Na periferia da história, o Ben Parker de Scott é um coadjuvante de fôlego, servindo mais aos planos de referência do que verdadeiramente dramaturgia. Sua cunhada Mary, papel ligeiro de Emma Roberts, brinca com as possibilidades do futuro Amigão da Vizinhança.
Para os dispostos a abraçar o camp que corrói cada poro e extremidade de Madame Teia, a experiência é agradável e viciante. Com os anos, à moda da Mulher-Gato de Halle Berry, o filme pode ser redescoberto e apreciado por todas suas qualidades contra-correntes, indo na oposição do pastiche homogeneizado que já passou de seu potencial máximo. Improvável que vejamos qualquer uma das heroínas de novo, mas as duas horas de frenesi e alucinações psíquicas valeram a jornada – e as eternas piadas.
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