Filmes que acompanham a leveza do olhar infantil possuem, muitas vezes, um toque especial. No caso de Menino da Calça Branca, dirigido pelo cantor, compositor – e, claro, cineasta – Sérgio Ricardo, a pequena aventura de uma criança da favela se torna uma grande saga por aceitação social através de um mero par de calças.
O microuniverso daquele menino sem nome, interpretado pelo autêntico Zezinho Gama, que não hesita em dar cambalhotas e trepar em pés de jaca para arrancar frutas, logo passa a ter uma nova configuração. Médico de bonecas e Papai Noel nas horas vagas, é o personagem do próprio Sérgio Ricardo que lhe concede seu maior desejo: aquela calça branca belíssima que todos os dias a criança admirava no anúncio do jornal. Depois de tanto observar a sociedade de cabeça para baixo usando aquela peça de roupa impecável, mantê-la limpa vira sua nova missão.
Na sociedade do asfalto, o nosso pequeno protagonista se espelha na classe alta, reproduz seus comportamentos e rala para não se sujar e quebrar aquele encanto supostamente civilizatório que encontrou. Nesse meio tempo, Menino da Calça Branca ainda encena momentos tirados diretamente de um filme de Chaplin, um pouco da poesia daquela realidade forjada que não o aceita e não o quer por perto. Quando o inevitável acontece e o feitiço se dissipa, o garoto volta para a casa com as esperanças no chão, a infância ainda aguçada se contorcendo.
Filmado em 35mm, o curta de apenas 21 minutos é embalado pelas músicas de seu diretor, que com voz e violão narram toda essa viagem pelo Rio de Janeiro das desigualdades e paradoxos. Além disso, outros nomes de peso integram a equipe: Menino da Calça Branca foi a estreia de Dib Lutfi no Cinema, que assume a fotografia e o trabalho de câmera. Os letreiros ficaram a cargo de Ziraldo, que também interpreta um dos personagens. Nelson Pereira dos Santos se encantou tanto com o material bruto do filme que se ofereceu para montá-lo de graça enquanto montava Barravento, de Glauber Rocha.
Dessa forma, através da subjetividade de uma criança pobre, Sérgio Ricardo cria uma peça única, jóia do Cinema nacional. Enquanto a tristeza não vem, que as infâncias da favela possam ser vividas – com ou sem calças brancas.
Em homenagem a Ziraldo, que partiu aos 91 anos no último dia 6. Através dele, encontrei esse curta lindo do também já falecido Sérgio Ricardo. Quem perde somos nós, que ficamos para trás.
Deixe um comentário