A temporada temática da caridade de Drag Race não poderia ter chegado em hora pior. Fosse anos atrás, quando a oferta de seasons temáticas era rala ou inexistente, os esforços poderiam ser melhor apreciados. Mas agora, com uma porção de franquias no ar, e o anúncio mais do que aguardado do Global All Stars, a Corrida que coroou Angeria Paris VanMicheals se destacou por todos os motivos errados.
Nos textos anteriores, as expectativas foram dizimadas pela realidade. Mas é fato que o Rusical temático de horror foi um dos, senão o, pico criativo do All Stars 9. Diversão e dedicação esconderam os vestígios amargos de uma temporada aquém. A batalha de Lip Syncs, apenas com canções reutilizadas, existiu para cimentar a narrativa de Roxxxy Andrews. O episódio 11, sem desafio, passarela ou maquiagem, preparou o terreno para a Grande Final.
Com um Show de Talentos repleto de variedade: Shannel com seus malabares, Plastique brincando com espadas e chamas, Jorgeous desafiando a gravidade e Mik tocando guitarra, e RuPaul escolheu as duas queens que se juntariam à Andrews no Lip Sync pela Coroa. Se Angeria foi protagonista ao longo dos capítulos, entre tesouradas e shade, a chegada de Vanjie ao Top 3 pode azedar a percepção pública para ela. Mas em um elenco enxuto em boas performers, a escolha de uma nata drag formada por queens experts nesse quesito ao menos rendeu um tira-teima eletrizante. Vamos ao saldo final de cada participante:
8º lugar – Gottmik
2 vitórias, 2 Broches e 29 mil dólares arrecadados
Gottmik voou alto nas primeiras semanas, com os visuais do Baile e o fantástico trabalho canino no Snatch Game. Porém, enquanto suas passarelas eram acerto atrás de acerto, o ímpeto competitivo parece ter entrado em declínio. Em especial no soco duplo de não se sair bem nos Comerciais e a performance abaixo das expectativas no Roast (e com a clara inspiração em Nikki Glaser exposta em tons de cópia nas redes sociais).
É desolador ver uma artista do nível e calibre de Gottmik finalizar sua passagem por Drag Race numa descida. Quem sabe mais alguns anos de crescimento pessoal e maturação em looks icônicos podem servir ao lado competidora de reality da querida gorge. Por agora, sua entrada no All Stars 9, ao lado de outra queen do elenco, fez valer a investida emocional e deslumbrante. Que Gottmik sinta-se melhor em relação a questões de saúde mental e autoestima, e que continue aparecendo vez ou outra, no Pit Stop, no Instagram, em desfiles de moda e em seu canal no YouTube.
7º lugar – Shannel
2 vitórias, 3 Broches e 11.500 dólares arrecadados
Depois de amargar semanas a fio sem vencer um único Desafio ou broche, Shannel deslanchou e quase chegou ao Top 3. Sua presença lá teria sido uma virada e tanto, considerando a competição a longo prazo. E também teria raízes narrativas fortes, muito mais do que as de Vanjie, por exemplo. Estranho, porém, foi todo o discurso que a queen carregou, falando do sentimento de derrota e vergonha na primeira temporada.
A série ignorou por completo o histórico de Shannel no All Stars 1, e nem tocou no ponto mais crítico: com o mesmo track record da vencedora Chad Michaels, ela foi cortada da disputa pela Coroa. Isso sim geraria um drama digno dos primórdios de Drag Race; um que, de fato, talvez nem RuPaul conseguisse desviar e transformar em momento de reflexão e positividade, a marca registrada desde All Stars 9.
6º lugar – Nina West
2 vitórias, 4 Broches e 11.500 dólares arrecadados
Recipiente do Diamante Duplo, Nina teve seus broches duplicados, e fechou o ano com 4 deles. As vitórias no Snatch Game e no desafio de Atuação estiveram à par do currículo e das expectativas da queen, que poderia ter vencido também o Rusical. Sua versão meio Edna do médico que chega para aceitar o Diabo mostrou a comédia que Nina manipula na palma da mão.
As passarelas dignas dos maiores boots da temporada podem ser o legado de West no All Stars 9, mas ninguém pode falar que ela não se divertiu. Faltou a graciosidade que apresentou ao mundo na season 11, mas sobrou a expertise de uma profissional veterana dos palcos e das câmeras. Quem sabe, a passagem pela temporada da caridade abra as portas da Broadway e adjacentes, ambiente muito mais aberto para as queens que saíram de Drag Race.
5º lugar – Jorgeous
2 vitórias, 4 Broches e 14 mil dólares arrecadados
Jorgeous merecia ter ganhado o Roast! Pronto, falei. Enquanto momento de evolução e crescimento, a performance da chiquitita em imitação de um hétero seguiu a dica de RuPaul e demonstrou capacidade de adaptação da queen. Pelo menos sua versão de M3GAN no Rusical rendeu os broches que lhe foram roubados antes. Recém-saída de sua temporada original, ela mostrou os talentos de dançarina e performer, mas a comédia deixou a desejar.
E o passado não mente: o All Stars prefere premiar aquelas drags que conseguem içar-se à altura do humor que RuPaul adora. E mesmo queens menos engraçadas, como Kylie Sonique Love (que ganhou protagonismo e passagem de Coroa nesta Final), tiveram seu ápice em desafios voltados ao riso. Apesar de Jorgeous não ter saído totalmente da concha que a aprisionou na 14ª temporada, parece que seu tempo no Ateliê está longe de acabar.
4º lugar – Plastique Tiara
4 vitórias, 4 Broches e 6.500 dólares arrecadados
Vamos falar de injustiças? Plastique mandou embora os críticos que a apelidaram de Plastiktok, serviu em todas as semanas da competição (com exceção do Snatch Game), venceu 4 desafios, perdeu 4 Lip Syncs e ficou de fora da Final. Assim como Gottmik, o apogeu artístico de Plastique fez valer o investimento semanal, e colocou a diva vietnamita de volta à boca do povo.
Recordista em ganho de seguidores no Instagram, mostrou garra e muita resiliência. Além, óbvio, de habilidades de costura acima da média e de quase tudo que a audiência se acostumou a esperar em Drag Race. O vestido pintado e o look inspirado em Star Baby viverão no panteão da franquia, mesmo que o quadro de Plastique não esteja em exibição no Hall da Fama.
3º lugar – Vanessa Vanjie
2 vitórias, 5 Broches e 31.500 dólares arrecadados
A grande surpresa da Final (desconsiderando a participação de Kamala Harris), foi ver a ascensão de Vanjie. Seu número eletrificou o palco, mas não fugiu do que esperamos do repertório da diva. Queens como Plastique, Jorgeous e Shannel saíram da casinha e poderia ter tomado o posto e o trio de broches.
Fato é que a série sempre sentiu-se enfeitiçada pelo magnetismo da drag, que passou de Porkchop, para Semifinalista e, agora, Runner-Up. A carta curinga inserida em meio a dupla de adversárias, Vanessa fazia rir quando gritava “pela caridade!” em qualquer ocasião, além de ser um raio de positividade e humor – e, aparentemente, um imã de homens também!
2º lugar – Roxxxy Andrews
4 Vitórias, 5 Broches e 64 mil dólares arrecadados
Estou tão perplexo quanto você. Se os anos como espectador – e resenhista – de Drag Race ensinaram algo, foi o faro para entender quem a produção queria pintar em boas cores e coroar ao fim da temporada. Roxxxy tinha todos os elementos: status de lenda, paixão dos jurados, obsessão de RuPaul, reverência pelas outras rainhas, desempenho marcantes nos Desafios e até certa amnésia quando o assunto era sua persona arrogante na season 5 e um tanto derrotada no All Stars 2.
Até o episódio 10, quando venceu os 3 Lip Syncs (quebrando recordes) e acumulou cinco Badges, a Coroa parecia endereçada à Flórida, e o cheque de 200 mil dólares tinha escrito o nome do Miracle of Love. O que mudou? Talvez certa pressão externa em premiar uma queen mais “nova”, e que possa render frutos para a World of Wonder. Nos últimos anos, as vitórias de drags mais veteranas, como Kylie, Jinkx e Jimbo, contra as mais frescas Ra’Jah, Monét e Kandy Muse, podem ter pesado em favor de Angeria. Roxxxy saiu sem a Coroa, mas algo me diz que as multidões não esqueceram de sua terceira passagem pelo programa.
1º lugar – Angeria Paris VanMicheals
4 vitórias, 6 Broches e 231.500 dólares arrecadados
Uma campeã que é fã de carteirinha do programa deve ser laureada e comemorada. Angeria roubou os corações da audiência na season 14, e chegou ao All Stars 9 com fome de Coroa e de se provar além dos moldes de rainha de concurso de beleza. Fica evidente, todavia, que a produção não sabia o que fazer da rivalidade entre Angie e Roxxxy, já que todas as Tesouradas pintaram a veterana como certa.
No fim, nem as Tesouras nem o Diamante Duplo mudaram algo no jogo (tal como as Poções de Imunidade passaram batidas na season 16), e ganhou a queen que protagonizou os momentos de twist. Cortada 3 vezes, Angeria sentiu na pele o poder do artifício, e conseguiu conquistar ainda mais a atenção da bancada, com sua comédia ponta de linha e visuais polidos e deslumbrantes. Vida longa à Angie, de Esparta, Geórgia, ao corredor lustroso do Hall da Fama.
Ao fim do 12º episódio, porém, fica o alerta: temporada sem eliminações apenas com Vencedoras – ou com uma mudança radical no formato! O orçamento para as passarelas, pode ser mantido, por favor. Agora é hora de pensar no Global All Stars e gritar o nome de Miranda Lebrão, a representante brasileira.
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