A história por trás da realização de A Semente do Fruto Sagrado (The Seed of the Sacred Fig) já renderia um filme extraordinário e inacreditável: acusado por difamação ao regime do Irã, o diretor Mohammad Rasoulof recebeu sentença de prisão e chibatadas; gravou o longa em segredo, com apoio de produtores da Alemanha. Para a estreia mundial em Cannes, quebrou a tornozeleira eletrônica e fugiu a pé da prisão, buscou asilo na Europa e, no tapete vermelho, segurou com orgulho e alerta fotografias dos atores.
Na ficção, o mundo real torna-se influência central de Sacred Fig, que saiu do Croisette com um prêmio especial e inédito de Roteiro. Iman (Missagh Zareh) acaba de ser promovido a procurador e precisa assinar penas de morte, mesmo que o novo emprego não lhe dê tempo ou oportunidade de julgar a validade das condenações.
Em casa, a esposa Najmeh (Soheila Golestani) faz o que pode para criar duas adolescentes e manter a paz. Isto é, não contrariar a lei de Deus, nem cruzar a linha que Teerã parece ebulir nas ruas: os protestos contra a teocracia e a perseguição política tomam conta do noticiário, do Instagram e do TikTok. As filhas Rezvan (Mahsa Rostami), de 21, e Sana (Setareh Maleki), na faixa dos 15, querem entender a razão de tamanha revolta.
Não ajuda o caso da mãe a presença de uma colega da primogênita, que se junta ao coro e acaba baleada e, depois, desaparecida. A tensão está no ar, assim como o temor pelo pior que pode acontecer. Trabalhando a ultra vigilância que impera dentro e fora dos cômodos fechados, o filme não poupa ninguém.
Embora o conflito central demore mais de 80 minutos para aparecer no centro da narrativa, os acontecimentos até então tornam-se suficientemente desafiadores e desconfortáveis, trazidos à vida pela atuação da trinca feminina, em desempenho de proximidade e senso de posse. O pai ganha uma arma para proteção. E então o revólver desaparece.
Quem pegou? E qual o motivo da ação? Rasoulof espreme cada intenção de cena, chegando à paranoia do ato final, quando The Seed of the Sacred Fig isola-se no deserto emocional e físico. Lá, o drama político com ares de suspense toma as principais características do terror e, num labirinto colossal, mostra a indecisão e a falta de norte dos personagens.
Submissão da Alemanha para o Oscar 2025 – depois do Irã, obviamente, passar adiante a chance de bancar o Filme Internacional, A Semente do Fruto Sagrado é maior do que suas duas horas e quarenta. É mais importante do que a ficção conjura e mais brutal do que os vídeos, tirados de protestos reais, fazem parecer. À violência que cresce no berço, quando os indivíduos perdem a autonomia e só escolhem em manada, Rasoulof não tenta distrair ou amenizar os resultados, sangrentos e imprevisíveis.
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