Kate Winslet pode até negar e ironizar o rótulo de “filme de Holocausto” do papel que lhe rendeu o Oscar de Melhor Atriz em 2009, mas O Leitor segue todas as batidas do ‘gênero’. Na história, um advogado lembra do caso que viveu na juventude, e encara as cicatrizes perenes ao longo da vida. O affair trata-se de uma relação de abuso, com o jovem Michael Berg (David Kross) seduzido pela madura e inquietante Hanna Schmitz (Winslet).
Na idade adulta, em interpretação de Ralph Fiennes, o homem discorre internamente e analisa o que aquele verão na década de 50 significou para ele. Agora, não tem contato com a filha, destoa dos ideais preferidos da mãe e, no campo do amor, vive a infelicidade. Antes, Michael topou com Hanna por acaso, enxergando nela uma figura materna que chegou para tirar o lacre da juventude e da inocência.
Stephen Daldry, de As Horas, filma seu conto de temor e memória com o sexo de protagonista. De início temeroso, o envolvimento do casal cresce e se desenvolve na mesma medida em que Michael, com recém-completados 16 anos, entende sua própria masculinidade. Na escola, as meninas notam sua presença e pedem mais. Mas seus olhos, nariz, ouvidos e boca estão todos focados na personagem de Winslet.
Ela, que, na casa dos trinta anos, trabalha um ofício qualquer, e trata Michael com rispidez e autoridade. Depois das sessões carnais, ele lê para ela. A Odisseia é a porta de entrada para jornadas de tensão, emoção e catarse. De uma hora para a outra, após semanas de sexo, livros e sonos singelos, Hanna some do pequeno apartamento alemão.
Michael fica com as dúvidas, e segue a próxima década com a mente antenada no tempo que dividiu com a mulher. Já na posição de estudante de direito, ele a reencontra no tribunal, julgada por crimes na época de atuação no governo nazista. Como pode ele, um homem de bem e moral, se apaixonar por um monstro? O filme, que tem roteiro de David Hare e produção, em créditos póstumos, para Sydney Pollack e Anthony Minghella, se dedica a este labirinto emocional.
Fica óbvio, porém, como a passagem de tempo vai extinguindo a força vital de The Reader, que nunca alcança as mesmas notas de fascínio e culpa da hora inicial. David Kross, em seu debute na língua inglesa, traduz com parcimônia e integridade o olhar de alguém disposto a rasgar a carne para aproveitar mais segundos de felicidade e luxúria. A fim de evitar complicações legais, as cenas íntimas foram gravadas depois do ator alcançar a maioridade.
A parcela do filme encenada por Fiennes, um ator de calibre e já “confortável” ao gênero dramático, é mais derivada do que qualquer coisa. Winslet ganha maquiagem e penteados para encenar o passar do tempo, e o ar bruto da juventude vai sendo amaciado, assim como a sede de conhecimento, com as cenas de alfabetização na prisão sendo intercaladas com a correspondência do homem.
Na temporada de premiações de 2009, Winslet escolheu submeter-se em Atriz Coadjuvante por O Leitor, temendo o conflito com sua interpretação em Revolutionary Road. A manobra foi aceita no Globo de Ouro (onde venceu pelos dois papéis), no Critics Choice e no Sindicato dos Atores, mas o BAFTA e o Oscar reposicionaram-na como Atriz Principal, onde venceu. Dessa forma, a outra disputa feminina tornou-se um caminhar tranquilo para o triunfo de Penélope Cruz.
Ademais, O Leitor passou pelos corpos votantes como mais um drama de Segunda Guerra, encomendado para consagrar uma grande atriz da indústria. Em 98, Titanic venceu 11 de suas 13 possibilidades, e a derrota de Winslet como Rose continua um erro imperdoável da Academia. Uma década depois, em sua sexta indicação, os votantes convidaram a britânica ao círculo dourado, remendando a situação à moda do Oscar.
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