Vencedores do Oscar | Sobre Meninos e Lobos (2003)

Tim Robbins e Sean Penn saíram do Oscar 2004 com os prêmios de Ator Coadjuvante e Melhor Ator

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Na Boston cinzenta de vielas escuras e bueiros sugadores de bolas, os protagonistas de Sobre Meninos e Lobos cresceram sendo devorados. Jimmy, pelo mundo do crime. Sean, pela força policial. E Dave, pelo fantasma que o assombra desde que, num dia qualquer, entrou no carro de dois sujeitos e foi mantido refém por quatro dias. Os amigos de infância tornaram-se conhecidos, com apenas um aceno sutil quando se cruzam pelas ruas.

Sobre Meninos e Lobos, ou Mystic River, marca o retorno de Clint Eastwood ao apetite da Academia, que reconheceu seu drama com 6 indicações e 2 vitórias na noite do Oscar 2004. Além das menções em Melhor Filme e Direção, esteve no páreo de Roteiro Adaptado e Atriz Coadjuvante, para a recém-premiada Marcia Gay Harden. Mas foram os homens, do título e do elenco, que venceram.

Sean Penn, pela performance sufocante de Jimmy Markum, superou Bill Murray em Encontros e Desencontros, enquanto Tim Robbins varreu a temporada, transformando sua atuação visceral e descontrolada como o traumatizado Dave Boyle em uma estatueta de Melhor Ator Coadjuvante. A noite, porém, foi dominada pelo histórico feito do terceiro O Senhor dos Anéis, com 11 indicações e 11 vitórias.

Michael Keaton foi originalmente escalado para o papel do policial, mas saiu do projeto depois de desentendimentos com o diretor; Kevin Bacon assumiu o personagem (Foto: Warner Bros.)

Com base no romance de Dennis Lehane, o roteiro de Brian Helgeland isola os protagonistas na vida adulta. Eastwood, que também assina a trilha sonora, em uma tarefa inédita da longa carreira, constantemente corta os momentos de tensão e brutalidade com longos takes do céu, branco e opaco, como se voltasse à Deus uma espécie de pergunta misericordiosa. No centro da ação, Mystic River situa-se entre o crime e a lei. 

Jimmy, um dono de um mercadinho com passagem criminal, perde a filha em um assassinato. A jovem de 19 anos saiu com as amigas e nunca mais voltou, sendo encontrada no parque da cidade, com ferimentos que indicam violência. Na mesma noite, um esbaforido e assustado Dave Boyle chega em casa ensanguentado. De acordo com ele, foi um assalto que deu errado, com o sujeito deixado sangrando na calçada. A esposa Celeste (Harden) não compra a história e fica atenta ao jornal, em busca de uma nota que corrobore o testemunho do marido. 

Thierry Frémaux, diretor do Festival de Cannes, costuma dizer que se ele tivesse uma memória negativa do evento, foi a ligação para Eastwood, dizendo a ele que Mystic River não venceu prêmio algum (Foto: Warner Bros.)

No dia seguinte, o detetive Sean Devine (Kevin Bacon) recebe a tarefa de investigar o desaparecimento da garota. Ele reconhece o sobrenome e relembra os acontecimentos que abrem o filme. Os três garotos, na década de 70, brincando de bola na rua e decidindo rabiscar seus nomes no concreto molhado. Um carro para, o suposto policial adverte a molecada e obriga um deles a subir no banco de trás. Dave é o sacrifício. Com os olhos chorosos, ele implora em silêncio pela salvação. No lado do passageiro, um padre sorri.

Dave foi mantido em cativeiro, e sofreu abuso físico e sexual. Fugiu pela floresta, mas nunca se recuperou. Os homens tampouco pagaram pelo crime. Agora, em um casamento de silêncio e pai de um garotinho frágil, Tim Robbins encara o demônio nos olhos, oscilando seus humores entre o inofensivo e o imperdoável. Parte da família postiça de Jimmy, com quem perdeu qualquer laço ou afeto, Dave se esgueira por Mystic River, na forma de um espectro natimorto.

Em sua quarta menção da Academia, Sean Penn venceu apenas o Globo de Ouro e o Oscar, enquanto Tim Robbins, esnobado por Um Sonho de Liberdade e já indicado pela direção de Os Últimos Passos de um Homem, varreu a temporada de 2004 (Foto: Warner Bros.)

Penn, na interpretação que garantiu o primeiro de dois Oscars, joga o charme para cima e recolhe os cacos de insatisfação e de perigo, de uma vida marcada pelos tiros, pelo temor e, de agora em diante, pelo luto. A esposa Annabeth (Laura Linney) é mais presença do que discurso, e apoia as decisões imorais de Jimmy. No filme de Clint, a mágoa da infância não some com o passar do tempo, ganhando contornos de morte e exoneração.

Mystic River é sóbrio e soberano na interpretação do trauma como herança genética. Figuras paternas violentas dão frutos a filhos embebidos do bruto e do insípido. E enquanto a montagem de Joel Cox lida com perfeição com o andamento da história, respirando com folga ante cada decisão, é a trilha de Eastwood, aliada a fotografia prosaica de Tom Stern, que transforma a experiência em partes iguais excruciante e irresistível. Um tipo de drama enraizado na masculinidade, brindado com performances irretocáveis de atores batizados à glória. 

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