Vencedores do Oscar | O Vencedor (2010)

Christian Bale e Melissa Leo dominaram a temporada e saíram com os prêmios de Coadjuvante no Oscar 2011

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Quando produtores da HBO contataram Dicky Eklund nos anos 90, ele jurava que o conteúdo do documentário televisivo seria sobre seu triunfal retorno ao mundo do boxe. Não era nada disso. Baseado nesse momento particular e doloroso da vida do atleta, O Vencedor (The Fighter) coloca Dicky no banco do passageiro para filtrar sua narrativa a partir da imagem de Micky Ward, irmão-postiço e pupilo.

Após a recusa de Martin Scorsese e Darren Aronofsky, Mark Wahlberg ouviu o conselho de Christian Bale e selecionou David O. Russell como responsável pela direção. O cineasta, que passou boa parte da carreira emulando maneirismos do próprio Scorsese, tem a chance de cortar do tecido que moldou Touro Indomável novos materiais dramáticos e trágicos na vida e na carreira de dois lutadores.

Portanto, o roteiro alterna o foco entre a vida de Dicky (Bale), seus vícios e a tentativa incessante de voltar ao lado iluminado do ringue; e a ascensão de Micky (Wahlberg), que se encontra no exato precipício que pode sagrá-lo com a bênção ou a maldição. Soma-se ao retrato dos americanos democratas com uma mãe controladora (Melissa Leo) e um interesse romântico (Amy Adams) que esbraveja paixão e cobrança, e está pronta a receita para um espetáculo nas atuações.

Bale, em sua primeira indicação, recebeu o prêmio das mãos de Reese Whiterspoon; Leo protagonizou um momento marcante ao ouvir seu nome lido por Kirk Douglas e até soltou um palavrão ao vivo (Foto: Paramount)

Não é surpresa que Bale e Leo subiram ao palco do Oscar 2011, consagrados como o Melhor Ator Coadjuvante e a Melhor Atriz Coadjuvante de uma temporada rica em variedade. No lado dos homens, Bale triunfou sobre o rolo compressor que atendia por O Discurso do Rei, aqui representado pelo trabalho de controle e humor de Geoffrey Rush. O ator, inclusive, venceu o BAFTA, único troféu que não foi parar na casa de Bale.

No lado das mulheres, Melissa Leo fez história quando resolveu ela mesmo financiar sua campanha. O movimento, inédito em uma época em que a empresa de Harvey Weinstein dominava o lobby e começava a encarar sua queda do topo, foi visto com bons e maus olhos. Se por um lado mostrava a bravura e a garra de uma veterana da indústria, era também evidente a vontade que Leo tinha de anexar um Oscar ao currículo. O legado de sua movimentação nos bastidores rendeu uma década de novas possibilidades; é só perguntar para a Andrea Riseborough.

A americana derrotou também uma representante do filme campeão da noite, deixando Helena Bonham Carter apenas com o BAFTA. Leo ainda disputou com a companheira Amy Adams, e com a jovem Hailee Steinfeld, fantástica em Bravura Indômita. O Vencedor concorreu em mais 4 categorias: Melhor Filme, Direção, Montagem e Roteiro Original.

Catherine Hardwicke e Lexi Alexander demonstraram interesse em dirigir o filme, mas nem puderam se encontrar com os produtores, que buscavam um homem para a função (Foto: Paramount)

David O. Russell, com suas múltiplas denúncias de abuso e importunação nos sets de filmagens e fora deles, não sentiu a carreira sofrer queda ou desinteresse da indústria nos anos seguintes – seus próximos filmes acumularam recordes e vitórias -, mas o norte-americano caiu em um ostracismo comercial depois de Amsterdam. No fim, Hollywood provou que não precisa da Arte ou da contribuição do cineasta, e pode muito bem apreciar seu elenco longe das produções.

A charmosa direção do elenco, em papéis de erupção emocional, propicia um banquete para Bale e Leo, atores do Método que permaneceram dentro do personagem por toda a duração das gravações, estivessem as câmeras ligadas ou não. O britânico, já conhecido pelas dietas que ganham manchetes, passou tempo ao lado do biografado, absorvendo o máximo possível de seu passado, presente e visão de mundo.

O Vencedor foi o primeiro filme a vencer as duas categorias de Coadjuvante desde 1987, quando Hannah e suas irmãs rendeu os prêmios para Dianne Wiest e Michael Caine (Foto: Paramount)

Wahlberg, que tinha no currículo os formidáveis Boogie Nights e Os Infiltrados, demonstra o caráter metamórfico e abrasivo de seu protagonista. A cada novo parceiro de cena, ele desperta camadas e emoções distintas. Com Bale, há o risco iminente de uma violenta recaída. Com Leo, a cumplicidade da mãe Alice Ward e do filho é transmissível pelos olhares e pelas concessões. E, finalmente, ao lado de Adams, o casal é terreno para o amor e a inevitável busca por fama, sucesso e estabilidade.

Nas cenas de luta, banhadas pelo suor seco e pelo ar frio da cidadezinha pantanosa, The Fighter saúda os movimentos de Rocky e do próprio Touro Indomável de De Niro e Scorsese, desviando-se de comparações técnicas por meio da abordagem de psique frágil e bastidores do show business que ronda o documentário sobre Dicky. Ainda, foram usadas câmeras da época do documentário, diretamente resgatadas do acervo da emissora. Na direção de fotografia, o holandês Hoyte Van Hoytema (de Oppenheimer e Não! Não Olhe!) realizou seu primeiro trabalho nos EUA.

Darren Aronofsky recusou a direção de O Vencedor para trabalhar em Cisne Negro; no fim, os diretores dos dois filmes disputaram o Oscar juntos (Foto: Reprodução)

Lançado em 1995, High on Crack Street: Lost Lives in Lowell investigou a vida de pessoas afetadas pela crise de drogas que arrastou as parcelas mais pobres e vulneráveis da América do Norte. No longa de O. Russell, Bale é aproximado com lentes de exploração e um pingo esquecido de compaixão, elementos fiéis ao magma que formou a HBO na década de 1990, uma rede televisiva mais interessada nos dramas de Cinema, sem medo de censurar ou esconder a escuridão das câmeras.

Com tudo isso em vista, não é mistério o charme de O Vencedor, o drama biográfico fácil de torcer por e de reconhecer por seus méritos interpretativos. Embora os irmãos Ward – que se mudaram para a casa de Wahlberg à época da pré-produção -, não tenham adorado o retrato visto em tela, o filme tem reverência para esse tipo de saga de ascensão, queda e redenção, tão quisto ao público yankee

Originalmente chamado de The Fighter, o filme foi traduzido como O Vencedor, já que o literal “O Lutador” havia sido usado anos atrás em The Wrestler, outro filme de Aronofsky (Foto: Reprodução) 

Adams, grávida durante as filmagens (essas, por si só, realizadas em apenas 33 dias), declarou que aceitou o papel de Charlene Fleming justamente pela diferença de seu habitual alicerce. Saída do mundo perfeito de Encantada, a atriz demorou a ouvir o “luz, câmera, ação”, já que O Lutador começou os preparativos de produção em 2005, mas só foi gravado quatro anos depois. Wahlberg, no papel de produtor, financiador e rosto do projeto, passou o tempo todo treinando.

Bale, que recebeu apenas 250 mil dólares pelo papel, enxergou a glória do Oscar no que se provou uma trinca de Chris na disputa de Ator Coadjuvante: um ano antes, venceu Christoph Waltz, por Bastardos Inglórios, e um ano depois, foi a vez de Christopher Plummer, por Toda Forma de Amor. Desde então, o britânico foi indicado mais algumas vezes, mas chegou perto do prêmio apenas uma vez: na disputa principal em 2019, quando perdeu por em Vice para a caricatura de Freddie Mercury de Rami Malek.

David O. Russell provou-se um amuleto para seus atores, já que o projeto que dirigiu em seguida, O Lado Bom da Vida, consagrou Jennifer Lawrence no palco da Academia. Ocasionalmente esquecido na vasta filmografia de Bale, O Vencedor faz o feijão-com-arroz, temperando a mistura com um pouquinho de farofa e duas gotinhas de pimenta. É a refeição ideal para quem tem fome, mas não necessariamente um apetite difícil de agradar.

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