Jeremy Irons é daqueles espécimes de atores britânicos que dominam o palco e a tela apenas com a voz. Não à toa, imortalizou o leão Scar no imaginário popular com o timbre carregado e a dicção invejável. Alguns anos antes de adentrar a selva, porém, venceu um Oscar. Em O Reverso da Fortuna, interpreta um canalha que procura redenção e liberdade.
A história é real: em 1966, o socialite Claus von Bülow casou-se com a herdeira e ex-princesa Sunny (Glenn Close). Em um matrimônio de aparente suavidade e boas vibrações, o cenário fechou no final da década de 70, quando ela caiu em um coma, acordou, e, pouco tempo depois, sofreu o mesmo destino de novo. A justiça condenou o marido, acusado de injetar insulina e levar a mulher ao estado vegetativo.
O Reverso da Fortuna, portanto, reconstrói os eventos posteriores à sentença. Vivido por um austero e enigmático Irons, o protagonista busca o conselho do advogado Alan Dershowitz (Ron Silver) e implora por uma parceria. Acontece que, na direção pungente de Barbet Schroeder, o drama de tribunal passeia entre o frenesi matrimonial e a veia política e social da história.

Com um grupo de estudantes ávidos por duas vias: condenar o maldito ou expor a fragilidade do sistema norte-americano de justiça, o advogado desempenha papel de executor, carrasco e defensor. O filme é baseado no livro que Dershowitz publicou, num daqueles casos que mitifica o homem da lei aos olhos da sociedade. De lá para cá, caiu em escrutínio ao defender de forma bem-sucedida o julgamento de O.J. Simpson e, mais recentemente, estar entre os envolvidos com Jeffrey Epstein.
Fato é que na década de 90, os Estados Unidos enxergavam ele com pinta de super-herói. Silver, que encarna o melhor paranóico nova-iorquino que funciona à base de café e mantém relações tóxicas com as horas de trabalho, funciona como contraponto ao retrato gélido e fino de Claus.

Glenn Close passa dois terços do filme em estado de dormência, mas ganha protagonismo na narração. Sua voz guia o espectador, imerso na zona cinzenta da lei e da ordem. Ele realmente planejou a morte da esposa? Ou algo a mais aconteceu? Inspirado no Cinema que analisa sem julgar, o diretor abre margem para que o tribunal seja mais do que o local de justiça.
Em O Reverso da Fortuna, todos os ambientes ocupados pelo réu são dignos de análise e questionamentos. Se o recente Anatomia de uma Queda conseguiu repaginar a narrativa de tribunal e depoimentos, o que o longa de 1990 faz é injetá-lo com a virilidade necessária para sobreviver à prova do tempo. E a performance de Irons, reconhecida com um Oscar de Melhor Ator na única vitória no filme na 63ª edição do prêmio, solidifica o status de mestre carregado por ele.
Nunca mais indicado pela Academia, Jeremy Irons coleciona prêmios do Emmy e do Tony, ostentando a Tríplice Coroa da Atuação em papéis tortuosos e instigantes. Quanto ao filme, os aspectos ultra-americanos datam seu impacto até certo ponto, já que qualquer interação entre aluno, professor e cliente prova-se digna de ser apreciada e, muitas vezes, aproveitada. Daqueles dramas íntimos que a indústria relega ao posto de telefilme atualmente, o que torna a experiência de descobrir e revisitá-lo ainda mais delirante e um bocado triste.
Deixe um comentário