Apesar de tratar-se de uma batalha emocional interna, a repercussão da morte de Diana foi o grande embate travado pela Rainha Elizabeth II em vida. No filme que leva o título real, Helen Mirren interpreta uma monarca impassível e irredutível, desafiada com questões até então inéditas ao seu cotidiano de cerimônias e acordos.
A Rainha começa nas vésperas do acidente que vitimou Lady Di e o namorado Dodi Al-Fayed, em Paris. Mesmo período em que Tony Blair (Michael Sheen) assume a posição de Primeiro Ministro, e ganha apoio social e público. Dois atributos que a Família Real não conhecia desde a entrada de Diana na instituição e o iminente divórcio midiático.
Quem dirige é Stephen Frears, e quem escreve é Peter Morgan, que anos mais tarde estariam juntos no desenvolvimento de The Crown. E tampouco os atores eram novatos aos papéis, já que Sheen encarnou Blair em um telefilme prévio e outro posterior. Vemos, portanto, mais um rearranjo criativo e fictício do que propriamente um roteiro manso e domado.
Mirren aceita o ar ancestral e fala com cadência controlada. Esconde as emoções, mas a câmera do brasileiro Affonso Beato se intromete no choro desmedido que deixa escapar, sozinha depois de estragar o carro que dirigia numa região de pedras e rios. O retrato de uma Elizabeth hesitante, neurótica, em busca de controle e que precisa, pela primeira vez, dobrar-se ao que discorda.
Morgan coloca doses de humor no texto, que são aumentadas pela montagem de Lucia Zucchetti, em especial nas maneiras mais estapafúrdias que a realeza reage com a modernidade batendo à porta. Philip (James Cromwell) é um poço de mau humor, e desata a amaldiçoar qualquer pedido do governo. A Rainha-Mãe (Sylvia Syms), tão teimosa quanto se espera. E resta a Charles (Alex Jennings) a posição de coitado diante da encruzilhada.
Por aspectos estéticos, o diretor separa o luxuoso do banal; enquanto o Palácio de Buckingham é gravado com grandes tomadas e iluminado com técnicas do Cinema, a casa do PM ganha a luminosidade mundana que os estúdios de TV usam em suas gravações semanais. Para todo o rigor e a arrumação da Rainha, Blair tem o fogão cheio, os brinquedos dos filhos jogados e uma esposa avessa à monarquia.
Helen McCrory, também já acostumada ao papel de Cherie Blair, começa como adversária e assiste ao marido cair no feitiço. Sheen amadurece a ideia de princípios e regras da Rainha, mas insiste em suas recomendações com cara de ordem. Quando a semana chega ao fim, e Elizabeth abaixa a bandeira, comparece ao funeral e entra em contato com o povo que governa, ele vibra.
Um clichê desta arte britânica, que finge julgar seus grandes ícones, só para encerrar o estudo com laurel especial. Frears, à essa altura um diretor bate-pronto para comandar qualquer drama palaciano, deixa que sua musa respire e transmita, pela peruca, pelos óculos e pelo figurino característico, uma Rainha emotiva e febril; digna de falhas, repleta de contradições e até um pouco carismática.
No Oscar 2007, Mirren foi sagrada como Melhor Atriz, e agradeceu à própria Elizabeth, de quem também recebeu cumprimentos. A temporada de premiações foi brilhante para a veterana, que coletou troféus em todos os precursores (em 2015, interpretou Elizabeth na Broadway, em The Audience e venceu o Tony), e fez de seu triunfo na Academia uma das corridas mais soberanas e maciças do século. Afinal, ela é A Rainha.
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