Toda sexta é 13: Raça das Trevas

Cemitérios, psiquiatras e civilizações escondidas

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Tudo é verdade. Deus é um astronauta. Oz está além do arco-íris. E Midian é onde os monstros vivem. E é com muitas luzes, flashes e imagens que os primeiros minutos de Raça das Trevas nos seguram pela mão e nos levam a atravessar o portão do cemitério que guarda a cidade escondida de Midian, lar dos monstros, dos não-naturais, dos membros das tribos da Lua.

Uma das mentes mais inventivas e sangrentas do gênero, Clive Barker lançou em 1988 o livro que daria origem a Raça das Trevas, Cabal. Ele chegou às livrarias logo após o sucesso estrondoso de Hellraiser, filme de 1987 que também foi escrito e dirigido por Barker, fruto de outro livro homônimo. Assim, a história chegou ao cinema em 1990 com o título Nightbreed (no original), e apesar de não ter agradado nenhuma das partes envolvidas, se tornou uma das mais deliciosas experiências presentes na obra do autor.

O longa nos apresenta Aaron Boone (Craig Sheffer), um homem atormentado por pesadelos recorrentes e supostas crises de amnésia tratadas pelo seu psiquiatra Philip Decker que, acredite se quiser, é interpretado de forma magnífica e assustadora por David Cronenberg. Serial killer de carteirinha, o médico faz com que Boone acredite ser o responsável pela matança, e entre fugas da polícia e ressurreições, ele encontra abrigo no reino de Midian, casa de criaturas deformadas e inumanas que se escondem dos olhos “naturais” para se manterem vivas.

À medida que a narrativa avança, os papéis de mocinhos e vilões se invertem. Se, de início, os primeiros monstros apresentados na trama rastejam pelas sombras, com dentes à mostra e sangue escorrendo, a partir do momento que Boone se junta a sua comunidade, o afeto e o acolhimento afloram. Aquela raça de criaturas marginalizadas que apenas clamam pelo direito de existir não são ameaça, mas ameaçadas pela brutalidade da polícia e pela perseguição insana de um membro aparentemente perfeito da alta classe.

Barker, grande nome do chamado queer horror, recheia Raça das Trevas de alegorias à comunidade LGBTQIAPN+, partindo da negação de uma cultura dominante e opressiva para abraçar os monstruosos e violentos seres que habitam uma subcivilização para manterem sua perversão. Assumidamente gay, o autor constantemente traz em suas obras temas como dor, sexo, normas sociais e o mais completo direito a obscenidade e ao prazer carnal para representar seus monstros

Com alguns finais alternativos para chamar de seu, Raça das Trevas ainda é um manifesto transgressor com visuais perfeitamente grotescos e mergulhos profundos no interior do que constitui o ser humano perfeito: tripas, carne e muito sangue.

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