RuPaul’s Drag Race S16E11 | E o trem descarrila

Temporada seguia caminho decente até que a produção começou a romper a ilusão de justiça

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Te proponho um desafio de imaginação: estamos no décimo episódio da 16ª temporada de RuPaul’s Drag Race. Com sete queens ainda no páreo, duas delas não venceram nenhum desafio. Chega a hora de performar o hino político Power no palco da turnê Werq The World e Morphine Love Dion, uma das duas sem vitória, arrasa.

Ela destrói a coreografia e escreve a melhor composição do grupo. Logo atrás, Sapphira Cristàl igualmente manda bem. Ela é quem melhor encapsula e canaliza a música funk e ainda esbanja confiança e carisma. RuPaul decide que, após o uso da segunda e última poção de imunidade, o capítulo não terá eliminação.

Morphine e Sapphira dublarão pela Vitória ao som de Made You Look (sem comentários). Em uma batalha equilibrada e extremamente cativante, Morphine vence! Ela conquista o desejado Win e tira a preocupação da cabeça na semana seguinte, quando o desafio é montar apresentações de seminários sobre temas que envolvem o mundo drag.

“I got my place in the front lines I got that heat that inspires, I got my space in the hard times, I got that beat that, that desire, I got that drag that they ban on, I got that skin with the armor, I got that ballot to write on” (Foto: World of Wonder)

RuPaul monta os times sem ajuda e distribui os temas. Plane Jane trabalha com Q, Dawn se junta a Mhi’ya e sobra o trio de Morphine, Sapphira e Nymphia. O grupo 1 tem concisão, humor e as melhores piadas da noite. O grupo 2 não demonstra química, tampouco graça. E o grupo 3 fica no meio do caminho, com bons momentos envoltos em algumas gaguejadas.

Na passarela, o tema retrô dos anos 80 é palco de looks originais, pessoais e polidos. Q, que matou o desafio com classe, abriu-se no Ateliê ao revelar viver com HIV pelos últimos dois anos. A roupa que desfila tem o laço vermelho da conscientização sobre a AIDS como adereço principal, em mais uma apresentação de classe da queen costureira. 

Portanto, fica evidente pela montagem que, após um desafio soberbo e uma passarela entrelaçada ao momento de emoção e vulnerabilidade na Werk Room, Q acumule a terceira vitória da temporada. Mas nada disso aconteceu.

No Drag Race Brasil, Hellena Malditta discutiu seu diagnóstico de HIV, desfilou com um laço vermelho e, depois de arrasar no desafio, protagonizou o capítulo e saiu com a vitória; coitada da Q (Foto: World of Wonder)

Na realidade orquestrada pelo programa, Sapphira derrotou Morphine no Lip Sync, e saiu por cima na semana atual, conquistando sua terceira vitória. Q não entendeu, nem Plane Jane e muito menos a audiência. Depois de receber críticas mistas e desfilar um vestido agradável, mas previsível, Sapphira foi declarada vencedora.

No Bottom, Morphine e Mhi’ya protagonizaram a Batalha de Miami, com direito a truques e momentos de tensão. A primeira ficou, e a Queen of Flips foi eliminada. Agora, o que fica claro é o potencial desperdiçado que a equipe de Drag Race deixou esvair como areia no deserto.

O histórico não é brincadeira: Sharon Needles, Bob The Drag Queen e Jaida Essence Hall venceram o Desafio político antes de ganharem a Coroa (Foto: World of Wonder)

Vamos aos cenários hipotéticos. Sapphira vence a Premiere e demora a conquistar sua segunda vitória. Ela o faz no icônico e emblemático desafio político (que, tendo ocorrido 3 vezes ao longo de 15 anos, tem forte correlação com a Coroa da season), e emenda mais um Win. Assim, o programa se recusa a laurear as melhores competidoras da semana, Q e Plane Jane.

Se a ideia era julgar as queens individualmente, porque não deixá-las formar as próprias equipes? Já se tornou comportamento padrão da produção quando faz desafios em grupo, mas faz as deliberações solo; em busca de salvar alguma competidora do Lip Sync, eles desfazem a própria lógica.

Pela lógica, Q e Plane ganhariam em dupla, o trio ficaria entre as Salvas e as High, enquanto a Dawn e Mhi’ya iriam para o Bottom. Mas RuPaul não pode arriscar perder Dawn “tão cedo”. Uma queen que se sai melhor no confessionário e no Ateliê do que nos desafios, sempre eclipsada por uma ou outra de suas sisters.

Sem uma semana vitoriosa, Dawn se registra como a drag queridinha mas cheia de veneno do elenco (Foto: World of Wonder)

Em outro cenário, Morphine iria do Win na semana anterior para o Bottom 2 nesta, em uma narrativa de suspense e gratificação. Aqui vai mais um: se o problema era premiar Plane ou Q com uma terceira vitória, que dessem o Snatch Game para a própria Sapphira e o desafio de costura gótico para Nymphia, tirando assim uma estrela de cada queen.

São em momentos do gênero que Drag Race quebra a ilusão de justiça que camufla as engrenagens do reality show. O mais recente é quando a vitória de Sapphira soa como um direcionamento extra-tela (muito provavelmente pelo status de favorita que ela leva após ganhar o desafio político). Mas o histórico recente não esconde a manobra.

Com algumas das melhores passarelas da história do programa, Nymphia pode ser a carta curinga da produção e vencer a Coroa apesar da dominância de Sapphira (Foto: World of Wonder)

Na season 12, a favorita Gigi Goode foi salva do Bottom duas vezes. Na 13, o grupo de vencedoras do Lip Sync da estreia foi favorecido semana sim, semana não. Na 14, RuPaul se esqueceu do caráter eliminatório da competição e foi emendando botes salva-vidas. 

Na 15, Mistress Isabelle Brooks foi salva de Dublar na passarela da Beyoncé, no desafio onde ela era claramente a pior. Mesmo nesta 16ª temporada, Nymphia se livrou da berlinda no Snatch Game em uma das performances mais fracas da franquia.

Para as semanas seguintes, as queens parecem lutar uma briga perdida pela chance da Coroa, e mais triste ainda é notar essa manobra em uma temporada até então balanceada entre a narrativa e os resultados. Depois das poções de imunidade serem desperdiçadas em semanas sem risco, o trem sai do percurso tão próximo do destino, bem pertinho da linha de chegada.

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