O Estúdio esbanja riqueza onde menos importa

Sátira esgoelada de Seth Rogen enche a tela de estrelas, encontrando seu propósito emocional antes dos créditos rolarem

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A câmera passeia por paisagens belíssimas e cenários famosos, enquanto os atores, em sua maioria interpretando versões estereotipadas das figuras de Hollywood, berram, se sacodem e correm de um lado para o outro. O orçamento? Nas alturas. O roteiro, nem tanto. Em O Estúdio, Seth Rogen co-cria, co-escreve e co-dirige uma comédia que falha em sua missão primária: fazer-nos ligar para os problemas em tela.

De sátiras, Hollywood está cheia. Mas o que afasta o sucesso que 30 Rock fez nos anos 2010 e a pérola cult The Other Two movimentou em suas curtas temporadas, de todo o finésse e a falsa iconoclastia da produção da Apple TV+, é a criação de elo entre quem assiste e quem é assistido. Na pele de um fã de Cinema que conseguiu o emprego dos sonhos, Matt Remick (Rogen) é exemplo estapafúrdio de como a autodepreciação passou de ponto de partida para muleta narrativa.

Os 10 episódios são dirigidos em dupla por Seth Rogen e Evan Goldberg (Foto: Apple TV+)

O protagonista é raso, plano e carece dos traços que Liz, Cary e Brooke exalavam com naturalidade. Ao seu redor, os produtores Sal Saperstein (Ike Barinholtz) e Quinn Hackett (Chase Sui Wonders) mal registram, soando como o coro desesperado que segue o chefe de set em set, de problema em problema. Patty Leigh (Catherine O’Hara), a figura mais sóbria do bando, se salva unicamente pelo labor cômico da atriz veterana. Idem para a diretora de marketing Maya Mason, a quem Kathryn Hahn constrói com figurinos ridículos e reações exageradas.

Cheio de referências estéticas e técnicas, a criação de Rogen tem o input criativo de Evan Goldberg, Alex Gregory, Peter Huyck e Frida Perez, todos acostumados à máquina de comédia, com currículos indo dos filmes de besteirol do ator, até os bastidores de Veep, série que consegue dosar o caos do ambiente em que se desenrola com personagens odiáveis, mas cheia de piadas espertas o bastante para divertir e contar uma história com evolução e o ocasional e cômico retrocesso.

Sal e Quinn protagonizam uma carnificina pela atenção de Matt no episódio The War (Foto: Apple TV+)

O Estúdio, que ganha manchetes pelo ror de convidados e pelo pedigree que Rogen imprime em cada tomada e locação, faz valer o cheque da Apple. Se, anos atrás, a HBO era sinônimo de projetos avessos ao senso comum e com retorno certeiro de talento e audiência, o streaming de Tim Cook virou a sorte a seu favor, investindo em cineastas e produtores munidos de ideias potencialmente milionárias.

Aqui, todo mundo está convidado para a festa: Martin Scorsese sofre com a pressão do Continental Studios para dirigir uma versão do Kool-Aid Man, previsto para quebrar a indústria à la Barbie; para o azar do diretor, sua ideia de explorar Jim Jones e o culto de Jonestown é engavetada e congelada por Matt, sob a benção do dono do monopólio Griffin Mill (papel de Bryan Cranston).

Martin Scorsese é fulminante em cena, e esperamos que o diretor retorne na já confirmada segunda temporada de O Estúdio (Foto: Apple TV+)

Em situações triviais, O Estúdio traz figuras reais para viverem versões irônicas e robóticas delas mesmas. Sarah Polley orquestra o take perfeito no pôr-do-sol angelino, com Greta Lee protagonizando uma caminhada, tragando o baseado que abriu o talvez aclamado, mas não necessariamente lucrativo, filme de prestígio das duas. O episódio que conta essa história, intitulado de The Oner, segue a mesma técnica que a diretora planeja, gravando tudo sem cortes (ou, ao menos, escondendo bem suas remendas).

Em The Note, Matt reluta em opinar em algo pessoal e profundamente íntimo ao novo filme de Ron Howard, que conta com o apoio velado de Anthony Mackie. Depois, bancando a fama que os bastidores de Não se Preocupe, Querida alimentou, Olivia Wilde dirige Zac Efron enquanto Rogen parte em busca de um rolo de filme que se perdeu, contendo, é óbvio, o gran finale e o momento em que Wilde baixou seu “lado Fincher” e enlouqueceu elenco e equipe.

Sarah Polley, Rhea Perlman, Steve Buscemi, Parker Finn, Josh Hutcherson, Paul Dano, Ziwe, Charlize Theron, Zack Snyder, Aaron Sorkin e Usher fazem pontas na série (Foto: Apple TV+)

Rogen se joga no papel, não poupa as gotículas de saliva que saltam da garganta polvorosa e até se esbofeta no chão mais vezes do que pude contar. É claro que sua diversão transparece na performance de alguém que enfim realizou um sonho com gosto e cheiro de pesadelo. No episódio 6, acompanha a namorada médica (Rebecca Hall) numa conferência, só para ter o ego fatiado pelos profissionais da saúde. 

O melhor momento da temporada acontece em Casting, quando o filme do Kool-Aid coloca a equipe numa encruzilhada: escalar Ice Cube para o papel da bebida falante é racista? Ou não escalá-lo é pior ainda? De um lado para o outro, os atores embaralham a mente e pensam em mil e uma soluções, sempre um passo atrás da resposta “certa”. Prova de que, no miolo, O Estúdio sabe encontrar o fio de ouro no emaranhado de ideias seguras e, por mais trivial que seja, a energia masculina e neo progressista que propaga-se em todos os dez episódios.

Toma lá dá cá: Rogen apareceu rapidamente na 4ª temporada de Hacks, retribuindo o favor da equipe de Jean Smart em O Estúdio (Foto: Apple TV+)

Façanha de logística, o episódio que recria uma cerimônia do Globo de Ouro coloca Rogen em batalha perdida para que, caso ganhe, Zoë Kravitz agradeça-o por nome no discurso. A noite é longa, e a Netflix não para de acumular troféus, para o desagrado do protagonista. Pior: quando Adam Scott sobe ao palco, menciona o antigo companheiro de apartamento, Sal Saperstein.

Tal fala torna-se viral entre os futuros vencedores, que colocam o nome do produtor na boca e geram reações de alegria e entusiasmo. O dinheiro não foi pouco, já que compareceram ao set naquele dia nomes como Quinta Brunson, o trio de criadores de Hacks, a própria Jean Smart, e até o chefe da Netflix, Ted Sarandos, que troca confissões com Matt no mictório.

A crise na Cinemacon é capitaneada pelas performances quimicamente desbalanceadas de Bryan Cranston, Dave Franco e Zoë Kravitz (Foto: Apple TV+)

Na sequência, O Estúdio aloca o último desafio de Seth Rogen na Cinemacon, onde o Continental apresentará sua safra de lançamentos, com direito ao destacado filme do Kool-Aid. O problema é que, na bebedeira e na loucura das drogas do jantar hollywoodiano das antigas, os engravatados saem da órbita.

Mais fugas, corridas sem fôlego, choques e tombos, e a comédia finaliza a primeira temporada enevoada pelas referências – maiores que os personagens, a história e o roteiro. Entretanto, a sensação de continuidade e encerramento que o evento propicia na audiência pode ser o caminho perfeito para o futuro da série. O investimento emocional é tão ou mais importante que uma lista de participações icônicas e surpreendentes, certo? Os tambores rufam incessantemente, enquanto o estresse cresce… Eles chegarão lá, eventualmente.

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