Matlock reverte métodos datados em drama procedural impossível de largar

Kathy Bates fez história com sua indicação de Melhor Atriz no Emmy 2025

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Matlock não cumpre a lista de exigências que um reboot requer: é, de fato, uma história inédita que usa a “marca” da maneira que melhor lhe apetece. Na trama, a advogada Matty Matlock compartilha o sobrenome do famoso protagonista dos anos 80 por acaso do destino – ou melhor, por tramoias e conspirações próprias, que virão à tona no desenrolar do piloto.

Criada por Jennie Snyder Urman com base no drama exibido entre 86 e 95 na NBC, que aqui existe como uma série de TV referenciada no início da temporada, esta Matlock possui tudo que o streaming abomina: dezenove episódios de quarenta e cinco minutos, com direito à recapitulações repetitivas e tramas semanais, no que transforma-se numa ode ao modelo antigo de se fazer Televisão.

Kathy Bates enfrentará Brit Lower e Bella Ramsey pelo troféu de Atriz em Drama no Emmy 2025 (Foto: CBS)

Prestes a se aposentar, Kathy Bates aceitou o papel de protagonista mais como desafio do que como qualquer outra coisa. Pelo trabalho, tornou-se a mulher mais velha indicada ao Emmy de Atuação Principal – e tem boas chances de quebrar outro recorde ao vencer a estatueta. Dona de 15 indicações e prêmios em Comédia (pelo papel convidado em Two and a Half Men) e Séries Limitadas (pela Madame Lalaurie de AHS: Coven), a veterana quer conquistar mais um gênero com o dramático papel de Matlock.

A história acompanha a senhorinha Madeline Matlock, uma advogada aposentada que, depois de perder a filha em um acidente e o marido traidor, tem de pagar as contas dela e do neto, o enfezado Alfie (Aaron D. Harris). Usando a invisibilidade que a idade lhe propicia no mundo corporativo, ela atravessa todos os mecanismos de segurança e chega à sala principal da firma Jacobson Moore.

Kat Coiro é a “diretora-assinatura” de Matlock, que também tem envolvimento de nomes como Jennifer Lynch (Foto: CBS)

Impressionando o chefe Senior (Beau Bridges), seu filho Julian (Jason Ritter) e a futura ex-esposa dele, Olympia (Skye P. Marshall), Matty consegue o emprego – e coloca seu plano em ação. Esqueça tudo que sabe sobre a mulher, que revela ter mudado o sobrenome para aquele do advogado da TV, e, junto do neto – um prazer de pré-adolescente que sabe tudo de tecnologia – e do querido e fiel marido Edwin (Sam Anderson), Madeline quer descobrir qual dos três chefes da firma é o responsável pela omissão de documentos que tirariam os opioides do mercado e, possivelmente, salvariam a vida de milhares de pessoas.

Uma das vítimas é Ellie (Marnee Carpenter), filha de Matty que morreu em decorrência de uma overdose das pílulas. Assim, com direito a mural com fotos, post-its e todas as cópias de documentos e recibos, a série mostra a vida dupla de Matty, capturada de modo espetacular pela persona mais caipira e calorosa que Bates emula na pele da Matty “fabricada”. Mais tarde, conhecemos Bitsy (Julie Hagerty), a irmã do interior que a inspirou.

Eme Ikwuakor é o advogado Elijah, Yael Grobglas é a detectora de mentiras Shae e Patricia Belcher interpreta a peculiar e importante Sra. Belvin (Foto: CBS)

Acontece que, com 19 episódios e muito tempo para os planos darem certo, darem errado e mudarem o rumo da investigação, a série habilmente muda o foco da descoberta e deixa a trama fresca e emocionante. Em vez de jogar o peso dramático nas revelações e na culpabilidade dos suspeitos, a amizade de Matty e Olympia escalona e influencia o ponto mais drástico de Matlock: será que a relação sobreviverá quando a verdade vir à tona?

Com atenção aos detalhes e aqueles exageros dignos da TV aberta americana (repare no tamanho dos documentos secretos e a clareza dos smartphones e laptops), Matlock simplifica uma porção de equações, chegando a formar episódios dignos de lágrimas e urros de felicidade. Os casos de tribunal, em sua maioria disputas mais técnicas e corporativas, servem de trampolim para o crescimento dos funcionários, em especial do time de Olympia.

Bates perdeu o Globo de Ouro e o SAG para Anna Sawai, mas venceu o Critics Choice, que também indicou o trabalho de Marshall na categoria coadjuvante (Foto: CBS)

Billy (David Del Rio) não estudou nas faculdades de prestígio e tem uma conexão familiar que facilitou sua entrada na firma, mas isso não serve de impeditivo para que ele execute seu trabalho à perfeição. O cérebro da equipe é Sarah (Leah Lewis), uma jovem com sede de reconhecimento que precisa domar os impulsos de autodestruição. Se a dupla primeiro rejeita a presença de Matty, a relação logo passa para o campo do companheirismo e da compreensão. 

Por isso, ver Matty mentindo, enganando e distorcendo a realidade dói tanto quanto perceber o tamanho do problema que a indústria farmacêutica causou na sociedade. Com casos da semana se misturando ao escopo maior da série, Matlock atualiza a genética do pão diário de outrora, com temas atuais e muita perspicácia.

Partindo do Matlock original, a série brinca com o conflito de gerações, gerando piadas “de época”, que vão de Cheers a Kramer vs. Kramer (Foto: CBS)

Assuntos que tangem a liberdade feminina, direito de pessoas marginalizadas e até casos de preconceito por idade estão no centro da trama. Há também a normalização de momentos que poderiam ser endereçados com preocupação ou ceticismo, como a relação entre Sarah e Kira (Piper Curda, de May December), TI da firma que sugere um relacionamento aberto.

Matty ilumina questões de abuso sexual e revela como os tempos mudaram e as atitudes precisam ser confrontadas e punidas. Na emocionante sequência que depõe relembrando um chefe abusivo, Kathy Bates conjura a mágica e o magnetismo da personagem em prol de justiça. É fantástico assistir aos truques e decisões da atriz, que faz de Madeline uma figura tridimensional e repleta de falhas e glórias.

Sam Anderson que viveu um cardiologista casca-grossa em E.R., retorna à TV aberta como um marido querido e prestativo (Foto: CBS)

Se quiser vencer o Emmy, depois de indicações ao Globo de Ouro e ao SAG, e uma vitória surpreendente no Critics Choice, Bates deverá superar a avalanche de Ruptura, que posiciona Britt Lower na beira do troféu. A última vez que a Academia reconheceu uma série de TV aberta em Atriz de Drama foi quando Viola Davis estourou o teto com sua Annalise Keating na badalada, embora não muito indicada, How to Get Away with Murder.

Bates já foi indicada em 2011, pelo papel também de advogada em Harry’s Law – e com Matlock precisa igualar um feito raríssimo: vencer o Emmy sendo a nomeação solitária de sua série. Nas últimas duas décadas, apenas Tatiana Maslany (Orphan Black) e Patricia Arquette (Medium) conseguiram. Mas se tem alguém capaz de conquistar o eleitorado com sua persona adorável e icônica pelo Cinema e pela TV, essa alguém atende por Bates. Se o anúncio de aposentadoria pesar na consciência de quem vota, a tarefa será mais descomplicada. 

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