Habemus papam: Conclave é Gossip Girl no Vaticano

Diretor alemão Edward Berger infla seu drama papal com fofocas, intrigas e muita lavação de roupa suja

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O drama papal tornou-se raro no Cinema hollywoodiano, então faz total sentido que seja um europeu a resgatar o “sub-gênero” – e, claro, fazê-lo com astúcia e um toque do sarcasmo inerente ao tratar da religião no século XXI. Em Conclave, o Papa está morto, e cabe ao cardeal Lawrence (Ralph Fiennes) organizar a assembleia com os demais líderes para eleger o novo representante de Deus na Terra. 

Quem dirige é Edward Berger, responsável pelo feroz Nada de Novo no Front, remake do original de 1930 que refilma a Primeira Guerra sob ótica dos inimigos. Agora, indicado a 6 categorias no Globo de Ouro, ele se reúne aos estupendos profissionais que saíram premiados do Oscar 2023 e brinca de Todo-Poderoso na árdua caminhada de Lawrence até o botão que anuncia, por meio da fumaça branca, a eleição da Igreja Católica.

No Oscar 2023, o filme alemão venceu em 4 categorias: Internacional, Design de Produção, Fotografia e Trilha Sonora; quesitos técnicos que Conclave exibe com igualitária qualidade e originalidade (Foto: Diamond Films)

Acontece que, neste Vaticano que o roteirista Peter Straughan adapta do romance de Robert Harris, a fofoca anda junto da fé, e Lawrence descobre os piores segredos à véspera da decisão mais sagrada de sua vida. Fiennes, conhecido por exímias performances em filmes que exigem a cáustica sede de ser, incorpora no cardeal um senso de descrença que cresce ao passo que as cédulas se acumulam e os religiosos chegam à decisão alguma.

Sequestrados do resto do mundo, lidando com questões de sensibilidade e estranheza, os homens de bata não escondem a ganância e a vontade de ascender. Temos, aqui, representantes de alas distintas da Igreja, dos mais liberais (papel do sempre astuto Stanley Tucci), aos mais conservadores (divididos entre o cinismo de John Lithgow e a falsa simpatia de Sergio Castellitto).

Entre eles, surge a silenciosa e mortal interpretação da veterana Isabella Rossellini como a Irmã Agnes, líder das freiras encubidas de organizar os pormenores do evento. Calada até que sua voz demande ser ouvida, a personagem é um calcário de Conclave, balanceando a sisudez masculina com a mesquinharia da religião performada por homens desacreditados deles mesmos.

Ralph Fiennes foi indicado pelos papéis em A Lista de Schindler e O Paciente Inglês e busca quebrar um jejum de quase 30 anos; Rossellini, embora querida na indústria, nunca foi lembrada pela Academia (Foto: Diamond Films)

Como bom retrato católico, o filme de Berger é conduzido pelo ímpio servo incapaz de arrematar as ideias de salvação e benevolência. Fiennes caminha pelos longos corredores, entre cortinas luxuosas e adornos bem-quistos, com um fardo impossível de carregar. A penitência eterna daqueles que, à mercê de um Divino desconhecido, atiram no escuro na esperança de acertar algo maciço.

Quando os segredos vêm à tona, no maior estilo thriller psicológico brindado pela trilha desconcertante e atiçadora de Volker Bertelmann, Conclave se banha nos ideais de certo e errado, molhando qualquer túnica que se encontre no caminho. Fiennes é Santo e Inquisidor, ao mesmo tempo em que assume com propriedade o papel de cético.

A chegada de um desconhecido emissário, atuante na inóspita terra do Afeganistão, e os estabelecidos líderes europeus querendo renegá-lo ao fundo da sala é repetição do modus operandi que rege a instituição. Mas o cardeal Benitez, vivido pelo quase estreante Carlos Diehz, é alguém que se faz ser notado e compreendido. É ele que, ao crer em Lawrence, acende no protagonista a luz que faltava.

Fazendo ótimo uso dos bucólicos e dramáticos cenários religiosos, a direção de fotografia de Stéphane Fontaine e o Design de Produção de Suzie Davies isolam seus santificados homens antes de obrigá-los a decidir o futuro da Igreja (Foto: Diamond Films)

Eles alimentam a tacanha tática que a Igreja moldou como seu uniforme de Guerra. De um lado, Conclave é minado pelo preconceito e pelo autoritarismo que os italianos pregam, do outro, passa pelo aval duvidoso daquele que poderia representar um futuro distinto para a Instituição, papel que Lucian Msamati torna crível até quando o passado bate à porta e afunda sua candidatura.

Mas o que Conclave perfeitamente encapsula, e exporta para as audiências formadas por pessoas ávidas por uma eleição onde o “Bem” vence o “Mal”, é uma leitura mais branda dos livros sagrados. Se a parcela raivosa já destila os piores comentários e que geram o melhor boca-a-boca, isso é apenas consequência de Berger, um cineasta disposto a bagunçar a ordem e, no processo, fazer um belo drama de consequências intransponíveis. 

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