Tida como a galinha dos ovos de ouro quando o assunto são as franquias de Drag Race faladas em língua não-inglesa, não demorou para que o España ganhasse mimos da produtora. Depois de ensaios fotográficos chiquérrimos e uma infusão tremenda no orçamento nas temporadas recentes, veio o anúncio da edição All Stars, a primeira fora dos Estados Unidos.
Diferente do cenário proposto pelas competições “vs. the World” que tomaram parte no Reino Unido e no Canadá, o All Stars espanhol escalaria apenas drags das temporadas originais de Supremme De Luxe. O plano de gravações foi corrido: enquanto a season 3 ia ao ar, as filmagens aconteciam.
Por isso, por mais que tenha alcançado a final de sua corrida original, Hornella Góngora já sabia que a Coroa não seria dela. Pakita e Pink Chadora, as outras nativas do reinado de Pitita, retornaram ao Ateliê sem ao menos assistir o mundo assisti-las. Nos EUA, Monét X Change e Mo Heart fizeram parecido, filmando a season 10 e o AS4 em um intervalo de poucos meses, mas ainda assim, com um tempo entre gravações.
Com 9 drag queens competindo pelo título e pela Coroa, junto de 30 mil euros e o quadro no Hall da Fama, a temporada se pautou numa briga de facções e alianças. Pupi Poisson e Sagittaria da season 1, um quarteto abundante da 2 e o trio da 3. Desta forma, essa temporada se provou um verdadeiro campo de batalha; e diferente das vitórias de Blu e Ra’Jah, aqui o versus era entre irmãs do mesmo país.
Em apenas 5 episódios competitivos, imperou um clima de favoritismo gritante. A começar pela manchete que dominou a temporada: o histórico de Drag Sethlas, que venceu 4 Desafios e foi High em outro, catapultando-a para a primeira colocação do ranking que os fãs montam com afinco desde os tempos de Bianca Del Rio.
Melhor até que o desempenho de Keiona no França 2, Sethlas não deu chance para qualquer competidora, vencendo o Show de Talentos, o Snatch Game, o Baile e o Roast. A manobra orquestrada pela produção e enviesada por Supremme e seus jurados foi percebida e desgostada pelo elenco, especialmente na figura de uma desacreditada Sagittaria.
Patricinha e enojada aos olhos das outras, Sagi se frustrou no Ball, quando Sethlas foi para o Lip Sync após apresentar um visual aquém dos demais. Ela expressou o descontentamento, mas só gerou mais tempestade no copo d’água que acontecia no Ateliê. A grande ideia que permanece ao decorrer dos episódios é que, para além da drag canária, as outras oito estavam brigando pelo segundo lugar.
Qualquer ação, piada ou passarela de Sethlas era a seguridade de um lugar no Top 2, o que obstrui seus verdadeiros momentos de graça e deslumbre, como a passarela de Redenção e os retratos de Paraíso e Inferno. O glow-up visual foi digno de nota e menção, mas suas adversárias tinham tanto ou mais a oferecer no jogo.
Quando BenDeLaCreme ganhou 5 episódios ao longo de 6 semanas no All Stars 3, a balança só foi se equilibrar após sua auto eliminação, algo que não aconteceu aqui. Torcer para Juriji Der Klee, Samantha Ballentines ou Hornella era gritar para o vazio, já que a Werk Room foi aberta sob supervisão de uma já coroada Sethlas, distantes do prêmio apenas pela burocracia da competição.
Colocar ela no topo toda semana roubou as outras queens de brilharem, com destaque para a passagem tímida de Pakita, salva duas semanas e eliminada na terceira, sem a chance de ouvir as opiniões dos jurados ou melhorar e se adaptar ao ambiente. Pupi Poisson entregou o melhor Snatch Game da franquia, mas foi logo abafada por Sethlas, assim como Juriji, a favorita dos fãs.
No Baile dos Pecados, ela conquistou a primeira e esperada vitória em Drag Race, com um visual representando a Preguiça à perfeição. No desafio dos grupos musicais, foi elogiada e condecorada mais uma vez, alastrando seu talento e alcance em um cenário de estresse e adrenalina. A belga já havia feito história como a primeira mulher a competir na Espanha, e seu retorno marca uma representatividade que fica um tanto apagada longe da série original.
E se Juriji trouxe o encanto da season 2, Samantha Ballentines chegou com a segunda maior redenção do reality (atrás, claro, da jornada de Ra’Jah O’Hara no All Stars 6). Com três Bottoms na temporada original, Samantha morou no Top e venceu 2 Desafios, sendo High outra porção de vezes e tendo um Safe como sua pior performance. O melhor de tudo? Ela continuou a mesma em personalidade e jeito, aprimorando a passarela, o calcanhar de Aquiles, e entregando conceitos e muito glamour.
Assim, o All Stars espanhol viveu à altura das temporadas regulares, com o valor de produção batendo no teto, só para as decisões arcaicas e banais atrás da bancada diminuírem a moral da competição. Um festival de fogos de artifício silenciosos, que brilham resplandecentes, mas soam frívolos e superficiais. E fica a lição para qualquer Drag Race que se preze: ninguém gosta de começar a assistir já sabendo em qual cabeça careca e saltos plataforma a Coroa vai parar.
Tendo farejado a ascensão do Drag Race francês aos olhos do mundo, a impressão de que a Espanha quis correr atrás do jeito que desse. Assim, acabou a felicidade e a pataquada que fez do reinado de Carmen Farala um dos mais marcantes da franquia. O clima quase esverdeou na Grande Final, quando o painel de jurados resolveu que iria se montar e performar com as drags. Não valendo nada, é claro, e apenas pelo espírito de divertimento.
O momento, extravasado pela alegria dos Javis e da fantástica Ana Locking in drag, foi compartilhado com todo o elenco. Não havia mais nada tão original ao espírito original do programa na curta temporada. É claro que, passado isso, a batalha de Dublagens pela Coroa voltou a amargar o paladar da audiência.
Juriji entregou, Samantha avançou. Sethlas forçou e Hornella foi injustamente mandada embora. Na briga pela Coroa, o desespero virou a última transformação da performance, quando ela engatinhou até a bancada e, de lá, saltou em um espacate. Finalmente, a produção conseguiu coroar uma Canária, mas o custo pode não ter valido a investida.
É desolador enxergar cada fogaréu de energia e talento que a produção de Drag Race España: All Stars apagou sem pestanejar. Pink Chadora ganhou título de PorkChop sem registrar uma sílaba na competição. Onyx evoluiu o sobrenome para Unleashed mas repetiu o desempenho fraco na competição (e fez história, sendo eliminada no mesmo desafio e na mesma passarela duas vezes).
Pakita chegou e saiu sem nem ouvir a opinião dos jurados – além do fato da eliminação dupla dela e de Pink Chadora na season 3 não ter gerado qualquer migalha de história ou trama. Sagi foi manipulada e feita de gato e sapato pela bancada (com Supremme até impedindo-a de desistir do programa).
Pupi Poisson, que merecia uma vaga na Final após o fabuloso trabalho no Roast do Salão de Belezas, demonstrou uma vulnerabilidade rara para as queens cômicas e fez sucesso com as piadas e imitações. Hornella, ótima em todos os aspectos que tornam vitoriosas uma queen no programa, foi subjugada e subestimada – pela segunda vez.
Juriji afinou a estética e debateu questões trans que ultrapassam as fronteiras espanholas e reverberam no mundo que a assiste com amor e idolatria. O momento em que raspou a cabeça no Snatch Game permanecerá memorável. Assim como a trajetória de Samantha, que venceu Miss Simpatia de novo (e merecia a Coroa para fazer par com a faixa). Depois de uma temporada desagradável, a esperança para o retorno à forma da franquia antes promissora é tão pequena quanto a tolerância dos Javis para qualquer queen que não fosse chamada Drag Sethlas.
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