O diretor Angelo Defanti é fã de carteirinha de Luis Fernando Verissimo. Adaptou duas crônicas do gaúcho em formato de curta, e depois estreou em longas com O Clube dos Anjos. Restava, então, se voltar ao homem por trás das palavras, e em 2024 lançou Verissimo, um documentário distinto do usual.
Diferente das abordagens mais práticas e comuns, Defanti acompanhou duas semanas da vida do escritor. Os 15 dias que antecederam o aniversário de 80 anos, em 2016, do homem de pouquíssimas palavras. A tarefa foi trabalhosa: a equipe, enxuta, viveu na casa da família, buscando capturar o cotidiano e não chamar a atenção.
A ideia original era gravar 15 dias com 79 anos e outros quinze com oitenta, mas ficou claro que a festa de aniversário deveria fechar o filme. Através de calma e da montagem de elite feita por Eduardo Aquino, o documentário oferece uma versão quieta, pensativa e quase imóvel do autor.
Ele demora a responder as perguntas da imprensa, e até ensaia algumas falas, com aquele ar de fofura e sabedoria que só Verissimo sabe transmitir com tamanha ciência e controle. Acompanhado dos netos, filhos e esposa, Luis Fernando é parte de um ecossistema que o saúda e o reconhece como pilar da Literatura e da cultura do país.
A certo momento, a sala de estar é invadida pelas faixas do musical Hamilton, que Verissimo ouve ao lado do neto e depois se dirige ao aparelho de som para tirar o CD do player. Depois, um almoço é tomado pela conversa no sofá. Um filme passa na TV, e Verissimo cochila, em paz.
Ao longo de uma hora e meia, Defanti se aproxima mais de Luis Fernando do que de Verissimo, em uma investida emocional e purista do homem por trás da obra. Os momentos mais ricos da rodagem, porém, estão nas porções públicas do filme, e em especial nos eventos que recebem e celebram o aniversário.
Em uma sessão de autógrafos, Verissimo não tem mais condição de assinar tantos livros, e troca a caneta pelo carimbo. Uma das fãs ignora o momento e pede que ele dedique algumas palavras do exemplo. Ele sorri, aceita, tira uma porção de fotos. Quando o salão se esvazia, o autor está esgotado.
A relação entre fã e ídolo, que talvez nem estivesse nos planos de gênese do documentário, acaba dando as caras e mostrando as garras. Existe um desbalanceamento entre as partes, com a massa sugando do mestre a sua vitalidade, em atos simples, como continuar a rabiscar, apesar da dor excruciante. Verissimo, pacífico que só, nunca se mostra mal-humorado ou indisposto.
No aniversário que toma conta dos minutos finais, ele é coadjuvante. A protagonista está em cima do bolo, queimando: a vela de 80 anos, que marca não apenas uma fronteira na vida dele, mas na figura imaterial do autor, filho de outro imortal e célebre mestre da escrita. Enquanto todos celebram, conversam, trocam histórias, mordem pedaços generosos dos doces e salgados, Verissimo observa tudo.
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