Malu (Yara de Novaes) foi uma atriz de sucesso na época da ditadura, mas, longe dos holofotes há anos, não consegue deixar para trás seus dias de glória. Ela conta e reconta histórias do passado, faz planos grandiosos para o futuro e passa tempo entre tragos de baseado. Uma figura deslumbrante, que dá nome ao filme por um motivo.
Mas Malu não está sozinha. Ela vive com a mãe, Dona Lili (Juliana Carneiro da Cunha), uma senhora conservadora com quem vira e mexe bate boca sobre quase tudo, desde suas amizades até a forma como vem levando a vida (e isso inclui os baseados). Desde o início, as duas estão em constante atrito, um conflito mãe-filha que se repete em tantas famílias.
A terceira geração entra em cena com Joana (Carol Duarte), filha de Malu e neta de Dona Lili, que voltou para o Rio de Janeiro depois de passar uma temporada morando na França. Joana é diferente das três: não é recatada como a avó, mas também não é expansiva como a mãe, criando uma espécie de equilíbrio entre elas. O grande trunfo de Malu é justamente esse: suas três personagens principais.

A tal dinâmica pode ser difícil de assistir. Malu e Lili se atacam de todas as formas possíveis, inclusive fisicamente, mas há o amor e o cuidado de uma relação maternal. Não que uma coisa compense a outra – e essa é a questão, até na vida real. Já Joana é a queridinha da avó e desculpa todos os seus deslizes, enquanto se estranha com a própria mãe por suas personalidades tão opostas. As gerações passam, o tempo muda e o ciclo se repete.
Nesse quesito, o trabalho de Yara de Novaes, Carol Duarte e Juliana Carneiro da Cunha são a alma de Malu. Na pele da mulher que dá nome ao filme, Novaes brilha ao criar uma personagem encantadora, cheia histórias do passado e sonhos para o futuro, que nunca nega a companhia dos amigos e uma dança na sala. Ao mesmo tempo, a atriz se aprofunda nas complexidades da personagem, tornando-a igualmente instável, teimosa e cruel, sem pender demais para um único lado. Malu não é nem boa, nem má.

Do outro lado, Duarte e Cunha não se contentam com os rótulos de coadjuvantes e criam personagens com suas próprias individualidades, manias e defeitos, incluindo os atritos entre elas. Não à toa, as duas atrizes dividiram o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante no Festival do Rio de 2024, no qual Yara de Novaes levou Melhor Atriz e Pedro Freire ficou com Melhor Roteiro.
Malu cria um retrato de três gerações de uma família que ressoa com o público. A relação entre o triângulo mãe-avó-filha é complicada: cheia de amor e cuidado, mas também de diferenças inconciliáveis que se chocam e machucam. Toda mãe é filha, mas nem todos os ciclos se quebram tão facilmente.

A veracidade dos retratos criados por Freire, que também assina a direção, tem motivo. A personagem do título é inspirada em Malu Rocha, mãe do diretor, que também foi uma atriz famosa nos anos da ditadura. O cineasta homenageia a grandiosidade da progenitora em toda a sua complexidade, criando uma verdadeira teia de relações familiares.
As três atrizes principais e Pedro Freire receberam o devido reconhecimento pelo trabalho, com indicações importantes no Prêmio Grande Otelo, da Academia Brasileira de Cinema. O filme teve 12 nomeações, sendo o segundo mais indicado desta edição, atrás apenas de Ainda Estou Aqui. Novaes concorre como Melhor Atriz, enquanto Duarte e Carneiro estão na categoria de Melhor Atriz Coadjuvante. Freire concorre em duas categorias: Melhor Roteiro Original e Melhor Direção de Primeiro Longa. Malu disputa Melhor Longa Metragem de Ficção.
Átila Bee, que interpreta Tibira, também foi reconhecido na categoria de Melhor Ator Coadjuvante. O personagem, um homem negro gay que convive com a família, é a única figura masculina da história. Além de ser a dupla fatal de Malu e de receber os olhares feios de Dona Lili, Tibira é tão sonhador e autêntico quanto a amiga, trazendo um respiro de amizade e cumplicidade – e até risadas – nos momentos mais dolorosos.

Freire adaptou sua própria história e deu um final digno a Malu. No fim da vida, a mãe enfrentou uma doença neurodegenerativa que a despiu de sua independência e autenticidade. Na vida real, Malu Rocha faleceu em 2013, aos 65 anos. No filme, a jornada se encerra com mãe e filha juntas, reforçando mais uma vez que a relação familiar, por mais complicada e dolorida que seja, é feita de cuidado e aprendizado.
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