6ª temporada de The Handmaid’s Tale finaliza sua catarse como epílogo otimista

Último ano da distopia chega com sangue nos olhos e enfim transforma os planos de June em ação

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O caráter cíclico da opressão às mulheres tornou um livro publicado em meados dos anos oitenta em hot commodity mais de trinta anos depois. No mesmo 2017 que The Handmaid’s Tale estreou no Hulu, a Casa Branca era ocupada pelo primeiro governo de Donald Trump. Agora, quase uma década depois do início colossal do drama e plenamente dentro do segundo mandato do presidente, as Aias sangram uma última vez.

Falar de The Handmaid’s Tale e ignorar a clara extensão do arco de June Osborne (Elisabeth Moss) seria negar a audácia e a cabeça-dura da série, que minguou por anos entre temporadas aclamadas, retornos menos pouco retornáveis, duas greves de Hollywood e uma janela de quase 30 meses entre o final de Safe e o início de Train.

Elisabeth Moss dirige 4 dos 10 episódios, incluindo a premiere e a finale (Foto: Hulu)

Fato é que, quando a sexta e última temporada começa, June e Serena Joy (Yvonne Strahovski) estão em pé de igualdade, refugiadas de Gilead em direção ao Alasca. A antiga Esposa agora embala o bebê Noah, seu filho biológico que só veio ao mundo respirando pela ajuda de June, que realizou o parto.

Agora, a dívida entre as duas perpassa as questões pessoais e se firma na maternidade. O respeito, mútuo, transformou-se em admiração e, por que não, um elo de camaradagem que passa a ser testado e esticado nos dez episódios inéditos. Não seria THT sem um eterno morde-e-assopra entre os rebeldes e os tiranos. E se a morte de Fred no ano 4 libertou Serena, o novo casamento com Gabriel Wharton (Josh Charles) serve de palco para a tragédia e o plano final das mulheres subjugadas.

Sem arcos individuais desde que June voltou de Gilead, Luke e Moira servem de coadjuvantes até que a revolução demande suas ações (Foto: Hulu)

Lawrence (Bradley Whitford) desempenha a função de negociante do diabo, passeando para fora e para dentro das linhas imaginárias que os diversos governos desenham desde que os Estados Unidos foram sufocados pelos preceitos religiosos e violentos de Gilead. Na Terra de Ninguém, os sobreviventes bolam planos e planejam fugas e ataques, mas é em Nova Belém, a colônia dentro do paraíso que promete uma nação sem violência, que germina o perigo.

Os Comandantes, esbaldando-se em calcinhas e álcool na Casa de Jezebel, querem mais é mandar as ideias de Lawrence para o beleléu, e cabe a Janine (Madeline Brewer), novamente em seu papel de concubina, alertar o antigo mestre para tais planos. Já tendo interpretado estes personagens em momentos de dor extrema e dubiedade afiada, o elenco entende as motivações sem necessidade de grandes atos ou monólogos exaustivos.

D’Arcy Carden vive uma agente da CIA infiltrada como Martha, enquanto Timothy Simons personifica o degradante Comandante Bell, e Cherry Jones retorna na pele de Holly, mãe de June (Foto: Hulu) 

Tia Lydia (Ann Dowd), que avoluma suas descrenças desde que a jovem Esther foi punida e Janine voltou ao trabalho do sexo, consuma sua sina em uma cena fantástica no palco do enforcamento das aias. Ela ora à Deus e sacramenta a prece com um tiro certeiro: mirando na abominação alimentada por homens ímpios.

Homens esses que estão além de qualquer redenção ou exímio. Nick (Max Minghella), agora um Comandante com esposa prestes a parir, trai June e custa a vida de mulheres inocentes. Apesar do passado apaixonado e pela filha que tiveram, suas escolhas não suplantam uma saída à francesa. Às vésperas da series finale, Lawrence aceita pagar as contas e leva junto os remanescentes poderosos da nação. June, aflita, observa a explosão com iguais doses de misericórdia e superação.

A brasileira Natália Leite dirige 3 episódios da última temporada (Foto: Hulu)

Por isso, quando as aias correm e esfaqueiam seus algozes ao som da regravação de Look What You Made Me Do, a série aceita o rótulo de vingança gratuita que negou por anos, abraçando o tom satírico e um tanto ácido que a sequência demanda; semelhante àquele sentimento que o Brasil viu nascer na era do Fora Temer e que os Estados Unidos carrega desde que Trump voltou à Sala Oval. Quando tudo é violência e morte, não importam as circunstâncias, as personagens escolhem o alívio imediato, a catarse coletiva. 

Com cara de epílogo e selado o cerne literário da história, o último episódio da série é batizado como a obra original e mostra June em posição de controle e liberdade. Gilead resiste, mas os esforços de Luke (O-T Fagbenle), Moira (Samira Wiley), Emily (Alexis Bledel), Rita (Amanda Brugel), Mark (Sam Jaeger) e os demais remanescentes serão o necessário para que o país volte ao que era antes. Ou ao que deveria ser.

Em sequência-fantasia, o elenco original retorna para uma noite de karaokê (Foto: Hulu)

Com a confirmação da produção de Os Testamentos, com foco em Tia Lydia e as cicatrizes do sistema de Aias e Esposas, The Handmaid’s Tale devolve a acidez de outrora com uma carnificina calcada na base do alívio e do esgotamento. O sangue passa batido entre as vestes rubras, ao passo que, no centro da tela – e encarando a câmera -, June Osborne detalha os acontecimentos do passado, e o caminho que trilhou, pessoas que perdeu e que ganhou, até aqui. Serve de alerta e registro temporal, já que a História tem o terrível hábito de repetir a si mesma.

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