Robô Selvagem tem coração de metal e alma visceral

Favorito para o Oscar 2025 de Melhor Animação, o longa da DreamWorks transforma uma história singela em algo maior

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Em um ano em que histórias protagonizadas por animais parecem se tornar uma tendência entre animações, Robô Selvagem conquistou o amor e simpatia de todos. Indicada ao Oscar 2025 na categoria de Melhor Animação, a nova empreitada da DreamWorks se destacou não só por seus visuais impressionantes, mas também por uma narrativa que se apossa de convenções consolidadas para criar uma experiência tanto grandiosa quanto íntima, honesta e cheia de afeto.

Robô Selvagem acompanha a jornada de Roz (Lupita Nyong’o), uma robô assistente que acaba ilhada em uma floresta desabitada — ao menos por humanos. Enquanto tenta se adaptar ao comportamento nada convidativo dos animais, a máquina se vê envolvida em um acidente que destroi um ninho de ganso. Ela consegue resgatar um ovo, o único sobrevivente ao ocorrido, que logo se choca e dá à luz a um frágil gansinho. Colocada na posição de figura materna, Roz terá que descobrir como criar o filhote em meio a um ambiente tão hostil, recebendo ajuda de outros bichos ao longo do processo. 

Robô Selvagem é uma adaptação do livro best-seller homônimo, de Peter Brown (Foto: DreamWorks Animation)

O projeto salta aos olhos imediatamente por seu estilo de animação singular. A floresta é pincelada em cores vibrantes, misturando aquarela com uma estética ainda naturalista. O cenário da ilha possibilita explorar ecossistemas diversos que poderiam fazer parte de uma pintura. Essas imagens belas são contrastadas pelo design artificial de Roz, a única figura ilustrada por tons acinzentados em meio a tantas cores.

A direção e o roteiro do projeto ficaram a cargo de Chris Sanders, cineasta responsável por Lilo e Stitch (2002) e Como Treinar seu Dragão (2010) e que tem como marca registrada o uso de situações fantasiosas para trazer comentários e ensinamentos da vida comum. Contudo, em The Wild Robot — como foi batizado originalmente —, existe um toque de realismo que é único dentre outras obras da sua filmografia. Aqui, a cadeia alimentar que rege a dinâmica entre os animais é representada com absoluta normalidade.

Em certo momento, um pássaro que pousa na mão de Roz é decapitado e comido por um felino. Uma mãe gambá perde um dos seus sete filhotes e o considera somente como um peso a menos para carregar. Para estas criaturas, violência e morte são trivialidades com as quais aprenderam a conviver. E em nenhuma ocasião o filme lida com isso de forma escandalosa. Robô Selvagem não subestima a capacidade de seu espectador infantil e, pelo contrário, faz deste elemento um potencializador do seu texto.

Robô Selvagem solidifica uma sequência de sucessos de crítica para a DreamWorks, se juntando a Caras Malvados e Gato de Botas 2: O Último Pedido (Foto: DreamWorks Animation)

A narrativa categoriza a conduta dos animais de maneira semelhante à de sua protagonista. Da mesma forma que robôs são programados para cumprir funções definidas, cada espécie é dotada de sua própria ‘natureza’, que define como ela irá se comportar por toda a vida. Os ursos sempre caçarão as raposas, que sempre caçarão os gansos e assim por diante.

Porém, se a princípio o filme não dá margem para conciliações, os personagens se veem desafiando cada vez mais essas preconcepções. Durante a aventura, Roz conhece Astuto (Pedro Pascal), uma raposa que se aproxima com intenções de ganhar comida fácil, mas que logo cria laços com ela e o gansinho. Eles nomeiam o filhote de Bico-Vivo (Kit Connor), e se juntam para ensiná-lo a voar até o outono, no período de migração.

Bico-Vivo cresce e, quando adolescente, precisa lidar com uma questão delicada: Roz, sua mãe desde a infância, também é a responsável pela morte da sua família biológica. Em contrapartida, Bico-Vivo nasceu com uma deficiência que faz dele menor do que os outros gansos, que o rejeitam taxativamente. Se ele vivesse em condições normais, provavelmente nunca chegaria à vida adulta. Da mesma maneira, se um grupo de lontras curiosas não tivesse bisbilhotado perto demais, Roz continuaria desligada e atracada na ilha para sempre, junto aos destroços de outras robôs que caíram de uma nave junto a ela.

Robô Selvagem já teve sequência confirmada pelo diretor Chris Sanders, sem previsão de estreia até o momento (Foto: DreamWorks Animation)

Desde o início do filme, Roz vaga pela floresta em busca de uma tarefa para cumprir. Quando não encontra, ela tenta chamar o resgate de humanos, a quem acredita pertencer. Assim que conhece Bico-Vivo e, com ele, uma vida para além de sua programação, esse dilema é elevado a um patamar existencial. A verdade é que nenhum de nós escolhe as circunstâncias em que viemos ao mundo. Mas dentre tantas outras probabilidades aleatórias, estamos aqui. A vida é um presente, assim como as conexões que fazemos no caminho.

Conforme avançamos na história, aprendemos mais sobre a presença dos humanos neste universo. Robô Selvagem se passa em uma realidade pós-apocalíptica, em que a intervenção humana alterou o planeta de forma irreversível e começamos a depender integralmente da tecnologia. Neste contexto, diversas regiões se tornaram submersas ou inabitadas — momento em que a natureza volta a tomar conta.

Eventualmente a humanidade descobre a localização de Roz e invade a ilha com suas máquinas. A essa altura, a robô já se integrou à floresta e sua aparência sintética é invadida pelas cores e formatos da selva. E assim como ela abriu mão de sua programação, os animais — que antes perseguiam uns aos outros — aprendem que sua ‘natureza’ não precisa ser impiedosa e agressiva. Aprendem que eles têm muito mais semelhanças do que diferenças. Inspirados por Roz, estas criaturas descobrem o poder da coletividade e se unem pelo interesse comum de proteger sua casa e impedir a interferência daqueles que os oprimem. Talvez este não seja só um filme sobre bichos fofinhos, afinal.

Robô Selvagem também recebeu indicações no Oscar a Melhor Som e Melhor Trilha Sonora Original (Foto: DreamWorks Animation)

Na corrida pelo peladão reluzente, Robô Selvagem tomou a frente como favorito à estatueta de Melhor Animação. Além de vencer pela categoria no Critic’s Choice e PGA Awards, a produção fez a festa e levou nove prêmios no Annie Awards — conhecido como o ‘Oscar da animação’ —, incluindo Melhor Filme. Entretanto, a disputa segue acirrada com concorrentes de peso. Tanto o Globo de Ouro quanto o BAFTA tiveram outros vencedores — Flow e Wallace & Gromit: Avengança, respectivamente — e o fator Disney nunca deve ser minimizado com Divertida Mente 2, o maior sucesso comercial entre os indicados.

Ao fim, Robô Selvagem prova-se especial pois confia e se ancora em seus personagens. Uma androide inocente até demais, uma raposa ardilosa, mas cordial, e um ganso espirituoso: uma família nada funcional, e em que qualquer um, em qualquer idade, pode se projetar. É explorando sentimentos universais que Chris Sanders concebe mais uma obra-prima. Mesmo com coração de metal, Robô Selvagem é a animação norte-americana mais sensível e emocionante da temporada.

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