A protagonista que dá título ao filme de Steven Soderbergh é uma mulher porreta. Mãe de três e divorciada de dois, Erin Brockovich está sem emprego, paciência ou dinheiro, e por isso não aceita menos do que merece. Na firma de advocacia que primeiro a ignora, e depois a contrata em posição de assistente, Julia Roberts fez valer a vitória no Oscar 2001.
A premiação, marcada pelo apoio da Academia ao Gladiador, de Ridley Scott, também prestou suas contas com o Cinema de Soderbergh, que disputou o prêmio de Direção contra ele mesmo. Por Traffic, lançado alguns meses depois de Brockovich, venceu. Soberana na temporada, Roberts tornou-se a primeira atriz a varrer os precursores, levando consigo um Globo de Ouro, um Critics Choice, um SAG, um BAFTA e um merecido Oscar.
Julia Roberts já estava em sua terceira nomeação (concorreu em 90 por Flores de Aço e em 91 por Uma Linda Mulher), e disputava em uma corrida quase ganha. Por maior que tenha sido a entrega de Ellen Burstyn no angustiante Réquiem para um Sonho, o que Roberts faz em Erin Brockovich não apenas fugia de seu habitual repertório, como também representava um filme de elegância e paixão extremas.
No roteiro de Susannah Grant, conhecemos Erin em múltiplas faces. Como mãe, é resiliente, provedora e destemida. Como profissional, é voraz e não mede esforços para chegar ao fundo da questão. O grande problema, no centro da história baseada em acontecimentos reais, é que Erin investiga os malefícios de uma grande companhia contra os moradores de uma região isolada do interior norte-americano.
Soderbergh filma esses Estados Unidos com filtro de América Latina, deixando o termostato atingir seu pico e não poupando nas suadeiras e no melado no rosto dos personagens. Sob a areia do deserto, Erin conhece as histórias das pessoas afetadas pela contaminação da água. Entre os vários efeitos colaterais e sequelas, o câncer é uma constante que se repete. De adultos e idosos a crianças, a doença faz vítimas sem distinções.
Lado a protagonista, o chefe da firma é o advogado Ed Masry, na interpretação de Albert Finney, também indicado ao Oscar. A dupla se choca ao longo das duas horas, soltando faíscas e causando tensão palpável no ambiente de trabalho. Fica claro, nas entrelinhas, que a relação de respeito e admiração é recíproca, apesar dos palavrões.
Erin conquista a todos com o carisma, mas também usa e abusa dos dotes que Deus lhe deu, desfilando pelos escritórios, casebres e paisagens áridas com seu habitual salto e sutiã em possível situação de fuga. Na vida real, a Erin Brockovich que inspirou o filme declarou que a história tem entre 98 e 99 por cento de veracidade. As roupas chamativas, porém, não correspondem ao acontecido, tampouco atrapalham o filme.
No aspecto caseiro, o filme descomplica uma porção de clichês e tropos batidos (tempo em casa versus as horas trabalhando, filhos distantes e um interesse amoroso complicado), para brindar as cenas de Roberts ao lado de George (Aaron Eckhart), o motoqueiro que de bravo só tem a faceta, e logo abraça os filhos da namorada e assume, com certo atrito, a carapuça de babá da criançada.
Diferente do filme que premiou outra diva das comédias românticas uma década depois de Erin Brockovich, Julia Roberts empresta sua fisionomia e atuação para contar uma história de tragédia sem moralismos ou coitadismos. O roteiro, aliás, cortou momentos marcantes e sensíveis da vida da biografada, temendo dar a ela um papel gritante demais de mártir e salvadora. Afinal, mais do que Uma Mulher de Talento, Erin Brockovich foi, acima de tudo, cheia de compaixão e empatia.
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