Atrás apenas de Romeu e Julieta no quesito popularidade, o casal Bonnie e Clyde ganha em tragédia. No filme de 1967 que imortalizou os ladrões de bancos vividos por Warren Beatty e Faye Dunaway, a história acontece pelas circunstâncias que rondam os diferentes períodos temporais.
Se a Grande Depressão assolava os americanos no roteiro de Robert Benton e David Newman, a Guerra do Vietnã acabava com as esperanças dos produtores e do público, insatisfeito com o american dream que o Cinema até então pregava com austeridade. Foi preciso a onda da Nouvelle Vague desembarcar no continente para Beatty, na pele de quem banca e protagoniza, trazer à tona um conto bastante polêmico para a época.

Clyde é um ex-presidiário que ganha a vida furtando carros e fugindo na encolha. E é assim que conhece Bonnie, uma jovem garçonete com mais sonhos de grandeza do que a situação financeira da família jamais poderia concretizar. Quando ele, de tocaia, espia dentro do automóvel dela, é amor – e adrenalina – à primeira vista.
Mas o que o diretor Arthur Penn arquiteta para o seminal longa de 1967 é uma aventura às avessas. Aqui, o garanhão imponente tem bloqueio sexual, e não desvirgina a mocinha na primeira oportunidade. Ela, por outro lado, esbanja sensualidade e desejo, características opostas ao que se retratava das mulheres em Hollywood.
Mais chocante ainda: o filme, no Brasil carimbado com o subtítulo Uma Rajada de Balas, pinta o casal como anti-heróis e justiceiros. Eles roubam bancos, fazem reféns e fogem em direção ao pôr-do-sol. Até corrompem um simplório e cabeça de vento C. W. Moss (Michael J. Pollard), promovido ao título de motorista e “filho” dos dois.

Se os Estados Unidos tornaram-se inóspitos, onde os bancos tiram famílias de casa e leiloam as propriedades, nada do estilo de vida romantizado faria sentido em Bonnie e Clyde. Nem os roubos ajudam-nos financeiramente. Tudo seca, murcha e esfarela – menos o vínculo que vai além do sexo e do amor.
Uma conexão quase espiritual toma posse das ações dos personagens, que cruzam as linhas da violência, brutalidade e morte quando a Lei os persegue de maneira feroz. Entram na equação o irmão mais velho de Clyde, Buck (Gene Hackman), e sua esposa caipira Blanche (Estelle Parsons). Pelo papel, a atriz venceu o Oscar de Coadjuvante em uma das duas únicas vitórias do filme.

As 10 indicações, incluindo menções para Beatty, Dunaway, Pollard e Hackman, amargaram-se em derrotas para outros dos chamativos longas da safra de 67. Quem também saiu premiado foi o diretor de fotografia Burnett Guffey. Para cenas que aludem ao passado, ele filma através de um vidro amarelado e captura a família de Bonnie há muito desconectada da nova vida da mulher.
Também, inova quando o assunto é a demonstração imediata da violência. Antes, as cenas de revólver eram montadas em cortes simultâneos. Em Bonnie e Clyde, o tiro é disparado e o sangue derramado no mesmo take. E as intenções dramáticas da direção são tão planejadas quanto suas reflexões e consequências. Mestres franceses, como Godard e Truffaut, estiveram entre as escolhas da produção, mas o filme acabou nas mãos de Penn, até então reconhecido por trabalhos de menor alcance.

Warren Beatty batalhou pela promoção do longa, que foi negligenciado pela Warner e só teve um retorno à forma e bons resultados de bilheteria depois de ser relançado. Roger Ebert, influente crítico de Cinema, estava em início de carreira quando foi impactado por Bonnie e Clyde, afirmando o status de obra-prima da produção estadunidense. E o legado do casal de bandidos vive e vive bem – do final sangrento que transformou-se em memória coletiva na Literatura e na cultura, o filme manipula o desprendimento social e inaugura uma nova era para Hollywood, que deixava para trás a idealização da felicidade e encarava o mundo com os europeus faziam há algum tempo: com lentes pessimista e vistas cansadas.
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