Meryl Streep sabia que era questão de tempo até ser reconhecida com um terceiro troféu da Academia. Tantos anos depois de vencer por Kramer vs Kramer e A Escolha de Sofia, sem contar as dezenas de indicações, faziam do caso da americana uma estrela já laureada que ainda assim tinha cara de esnobada. No Oscar 2012, o sonho se tornou realidade.
Os meios, porém, podem não justificar tamanha ovação: A Dama de Ferro é o típico drama insosso que carrega prestígio e sonolência. Não fosse a direção da sempre imprevisível Phyllida Lloyd, com quem Meryl trabalhou em Mamma Mia, o filme seria uma perda total. Na trama, recortada para além das margens históricas pelo roteiro de Abi Morgan, Margaret Thatcher enfrenta a velhice com a mesma tenacidade que pisoteou a classe operária.
Idosa, conversa com o fantasma do marido, morto há muito. Confusa, mistura presente e passado. Cozinhada em próteses faciais e uma demão trabalhosa de maquiagem, Streep desaparece no corpulento físico e no penteado abrasivo da política, aqui observada com mais cautela do que culpabilidade. Entre os anos que viveu desorientada por memórias e condições físicas, Thatcher relembra os tempos mais simples.
Da educação superior, ao encontro com o futuro companheiro Denis – no passado, papel de Harry Lloyd, no presente, de Jim Broadbent, a mulher ensaia a libertação dos olhos do pai, mas não pestaneja quando descobre a fagulha que lhe guiará dali em diante. A jovem Alexandra Roach captura o lado febril que Streep detona no passar dos acontecimentos.
Seja nas eleições que fizeram dela uma estatística para a população das mulheres, seja nas relações de poder que estabeleceu nas diversas transações governamentais, esta versão de Margaret Thatcher desvia de certa pedância e mira no discurso meritocrático tão popular no meio. Streep, por outro lado, semeia na interpretação todas as afetações e maneirismos que os vídeos e gravações deram conta de eternizar.
Pelo papel, não só venceu o Oscar de Melhor Atriz, mas propiciou a vitória da equipe técnica responsável pelo truque de mágica em movimento, já que The Iron Lady saiu também com o prêmio de Maquiagem. A combinação, outrora tão frequente nas cerimônias da Academia, tornou-se rara. Em 2022, Jessica Chastain e sua Tammy Faye abocanharam as mesmas estatuetas.
A maior amargura decorrente da vitória de Meryl Streep, além da derrota de uma emergente e voraz Viola Davis, é justamente quando observado o catálogo e o repertório da atriz. Seu Oscar de número três poderia ter vindo pela audaciosa personagem de Adaptação, ou pela imortal vilã de O Diabo Veste Prada. Ou ainda por outra interpretação fora de série, quando viveu uma freira em Dúvida.
Rendendo a má fama dos votantes, que escolhem cinebiografias banais em favor de trabalhos mais originais e de luxo artístico imensurável, Streep vencer pela Dama de Ferro atesta um simples fato: até as maiores atrizes da História se curvam aos mecanismos da indústria. E o feito envelheceu pior ainda, com o momento em que ela agradece o amigo Harvey Weinstein no discurso do Globo de Ouro, apelidado carinhosamente de “Deus”.
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