Lupita Nyong’o praticamente flutua até o palco do Oscar, em um vestido azul-bebê que não apenas eleva sua aura, mas também eterniza um momento digno de ficção. “Não me passa batido que um momento de grande felicidade minha chegue junto da tristeza de outra pessoa”, começa assim o discurso da queniana, sagrada a Melhor Atriz Coadjuvante de 2014 por 12 Anos de Escravidão.
Em sua estreia no Cinema, interpreta a jovem Patsey, uma mulher negra e escravizada, no filme que Steve McQueen (de Shame) adapta da autobiografia de Solomon Northup. A tragédia está em todos os mais de cento e trinta minutos, que acompanham o personagem-titulo, papel de Chiwetel Ejiofor, quando sofre um golpe, é dopado e, de homem livre, passa a posição de escravidão por uma série de capatazes.
São doze anos de lamúria, fúria e dor, às quais o cineasta e seu roteirista, John Ridley, de Super Choque e Um Maluco no Pedaço, não desperdiçam nas batidas esperadas de superação negra e benevolência branca. A personagem de Nyong’o, de longe a coadjuvante de mais impacto e entrega, passa sua parcela de tela em prantos e em constante dor.
Os votantes da Academia não poderiam ignorar um trabalho tão corporal e verborrágico, em especial no início da década de 2010, quando a premiação parecia alastrar a passagem das minorias que tanto deixaram do lado de fora do teatro. Se em 2010, Preciosatornou-se o primeiro filme dirigido por um negro a disputar a maior categoria da noite, 12 Years a Slave foi o primeiro campeão – vencendo 3 das 9 indicações.
Mas nem isso fez de McQueen o primeiro negro condecorado como Melhor Diretor. Até hoje, ninguém quebrou essa estatística. Fato é que, com um longa complexo nas nuances emocionais de um homem que viveu tudo aquilo, a temporada de premiações não tinha escolha senão laurear os responsáveis. Mas a decisão não foi unânime.
Num ineditismo até hoje particular, o Sindicato dos Produtores empatou a medalha de ouro, entre 12 Anos e o fenômeno técnico daquele ano, Gravidade. O filme espacial de Alfonso Cuarón acabou como detentor do maior número de estatuetas da Academia: de 10 indicações, ganhou 7, incluindo em Direção.
12 Anos de Escravidão perdeu os prêmios masculinos para as performances desesperadas de Clube de Compras Dallas, enquanto venceu com folga em Roteiro Adaptado. Para Nyong’o, o caminho poderia apontar para uma máxima dos votantes, com a quase-vitória de Jennifer Lawrence (do vencedor do SAG de Melhor Elenco Trapaça), que venceu como Principal apenas um ano antes. Com um Globo de Ouro e um BAFTA na estante, a atuação tragicômica da estrela de Jogos Vorazes ficou na vontade.
E Lupita, avassaladora e delirante, com os olhos em maresia impossíveis de serem esquecidos ou apagados da memória, não só protagonizou a (hoje) infame selfiedo Oscar, como também deu continuidade a uma longa sequência de artistas não-brancos vencendo prêmios por papéis resumidos na dor e no sofrimento. Olhando apenas para as décadas do século XXI, os triunfos de Halle Berry (A Última Ceia), Viola Davis (Um Limite Entre Nós), Mahershala Ali (Green Book), Mo’Nique (Preciosa), Octavia Spencer (Histórias Cruzadas) e Regina King (Se a Rua Beale Falasse) não mentem nem escondem o padrão.
Em contrapartida, os personagens vividos pelos atores brancos são graduados na monstruosidade e na crueldade. Aqui, sobra espaço para os dotes animalescos de Benedict Cumberbatch, Sarah Paulson, Paul Dano e Michael Fassbender, aclamados em suas interpretações. Bonzinho mesmo é o pequeno papel de Brad Pitt, produtor executivo do filme que, a contragosto de si próprio, foi escalado como o white savior. Em entrevista, o ator revelou que sua presença no elenco ajudou no financiamento.
No discurso de agradecimento ao prêmio de Melhor Filme, Pitt abriu alas para a fala emocionada e histórica de Steve McQueen, um cineasta britânico que olha para os problemas sociais com a mesma gana que enxerga a humanidade volátil em seus objetos de estudo. Depois de 12 Years, dirigiu o thriller As Viúvas, fez bonito na antologia televisiva Small Axe e tem retorno marcado com Blitz. Focado também na questão civil na Holanda, onde vive e trabalha, o diretor ainda não foi chamado de volta à Academia – por mais que seu legado seja óbvio nos anos de lá para cá.
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